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Uma cúpula do Brics cheia de riscos

Viagem do presidente Lula à Rússia acentua o viés ideológico da sua política externa e não deve impactar positivamente a economia brasileira

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Marcos Strecker: "Dificilmente sairão do evento grandes decisões capazes de impactar positivamente a economia brasileira" (Crédito: Divulgação)

Por Marcos Strecker*

A viagem do presidente Lula à Rússia entre os dias 22 e 24 reafirma suas prioridades na atual gestão. Infelizmente elas se rendem muito mais a suas preferências ideológicas do que aos interesses do País. A presença na 16ª Cúpula do Brics, em Kazam, é um sinal cabal disso. Esse grupo, que nasceu inspirado em um acrônimo criado por um economista liberal interessado em ressaltar o potencial de economias emergentes no século XXI, hoje ganhou uma conotação política que afasta o Brasil das grandes potências econômicas. Não se trata mais de um conjunto de nações com o potencial de dominar o cenário global pela força de sua produção, mas de satélites da China que são usados para desafiar as democracias ocidentais.

O Itamaraty, evidentemente, não referenda essa análise. Mas até figuras importantes do Ministério das Relações Exteriores já relativizavam à boca pequena a importância desse fórum, isso ainda antes de o gigante asiático driblar o Brasil impondo a adesão de Egito, Irã, Arábia Saudita, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. O Brasil, fundador com Rússia, Índia e China (África do Sul foi integrada mais tarde), virou coadjuvante. Já a reunião de Kazam acontece em uma nação cujo regime sofre sanções pesadas da comunidade internacional após invadir um país independente e soberano, o que contraria um dos pilares da política externa brasileira.

Dificilmente sairão do evento grandes decisões capazes de impactar positivamente a economia brasileira. Os membros do Brics receberão relatórios sobre os trabalhos do Novo Banco de Desenvolvimento, presidido por Dilma Rousseff, do Conselho Empresarial do Brics e da Aliança Empresarial das Mulheres. Também vão debater formas de diminuir a dependência do dólar para o comércio internacional. Politicamente, essa agenda ajudará a isolar ainda mais o Brasil. De fato, o “encanto” de Lula não é mais o mesmo do início dos anos 2000, quando era um líder global celebrado por sua habilidade de aproximar regimes contrários, um campeão da luta contra a desigualdade. E tinha acelerado a economia respeitando as regras de mercado (a Nova Matriz Econômica ainda não tinha dado as caras). A volta de Lula ao poder, no ano passado, foi comemorada depois que Jair Bolsonaro transformou a política externa nacional em chacota. Mas, lamentavelmente, o petista frustrou até aqueles que imaginavam a volta da influência brasileira na América Latina, papel histórico do País. O viés ideológico favoreceu o ditador Nicolás Maduro na Venezuela e isolou Lula até entre a esquerda mais moderna, representada pelo presidente chileno Gabriel Boric.

Em Kazam, está prevista uma reunião bilateral entre Lula e Vladimir Putin. A afinidade com o russo é temerária e contrasta com a má vontade evidente do presidente com os EUA, país líder em investimentos no Brasil. Da mesma forma, o governo Lula retardou as negociações praticamente concluídas para concretizar o Acordo de Livre Comércio do Mercosul com a União Europeia, dando uma mão para líderes protecionistas do bloco que temiam as exportações do agronegócio brasileiro, como Emmanuel Macron. A proximidade com o Brics também contrasta com a necessidade de o Brasil modernizar suas regras de governança e regulatórias e aproximá-las das praticadas na OCDE, organização “dos países ricos” para a qual a velha esquerda torce o nariz. Ao contrário, o Palácio do Planalto sonha em referendar a adesão nacional à Nova Rota de Seda da China, programa estratégico do PC Chinês, deixando sob o controle de Pequim investimentos em infraestrutura nacional — iniciativa que incomoda até autoridades em Brasília, já que a China é o maior parceiro e faz investimentos sem exigir essa subordinação.

Essa ênfase neoterceiro-mundista também diminui o protagonismo que o Brasil poderia estar exercendo na atual presidência do G20. Foi correta a proposta de taxar bilionários, liderada por Fernando Haddad, ainda que pouco factível. Mas a presidência rotativa do Brasil não vai mudar o status do mandatário. O ápice da sua atuação se dará no próximo mês, na reunião de cúpula no Brasil, que já registra um embaraço de antemão. Putin, convidado que Lula sonha em receber no Rio de Janeiro, estaria sob risco de ser preso, já que o Brasil é signatário do Tribunal Penal Internacional (TPI). Essa corte emitiu, em 2023, um mandado de prisão contra o russo sob acusação de deportação e transferência ilegal de crianças ucranianas. Se Putin circular incólume e for recebido com tapete vermelho, será mais um constrangimento para a diplomacia brasileira. Como em Kazam, as fotos do encontro servirão muito mais para a propaganda de Putin do que para Lula.

Marcos strecker é jornalista, diretor do Núcleo de Negócios da Editora Três (ISTOÉ DINHEIRO, DINHEIRO RURAL e MOTOR SHOW)