Sobre RH, ESG e verdades inconvenientes

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Ricardo Voltolini: "Dada à sua posição equidistante entre o topo e a base, o departamento de Recursos Humanos é o primeiro a sofrer os efeitos da incoerência entre discurso e ação" (Crédito: Divulgação)

Por Ricardo Voltolini

No final de setembro, a Associação Brasileira de Recursos Humanos reuniu em evento 19 especialistas para discutir temas de ESG como letramento, competências, DE&I e cultura com os profissionais de desenvolvimento de pessoas. Uma mesma pergunta, em tom de súplica, precisou ser respondida nos mais diferentes painéis: como convencer a alta liderança da empresa de que esse assunto é importante?

Compreendo o clamor. E, de algum modo, solidarizo-me com ele. O RH é uma área-meio estratégica—ou deveria ser. Regra geral, nas discussões de ESG, costuma ficar de fora da sala das principais tomadas de decisão. Quando convocada,atende as demandas pontuais de apoioaprogramasde treinamento e desenvolvimentode pessoas. Às vezes, conduz as dinâmicas de planejamento estratégico sem domínio de toda a extensão dos conteúdos. Ou integra conversas sobre critérios para remuneração variável.

Na prática, é ela, no entanto, que sofrea pressão de colaboradores—especialmente os das novas gerações — por ambientes mais éticos, transparentes, seguros, saudáveis, diversos e inclusivos. É ela que serve de anteparo, nesses tempos de ESG, paraexpectativas por oportunidades de carreiras com propósito. As gerações Y e Z desejam trabalhar em empresas melhores para o mundo, que respeitam as pessoas e o planeta. São fiscalizadoras de walkthetalk. E nessa tarefa enxergam os RHs como cúmplices naturais, gostem eles ou não do encargo.

Explicado o contexto, retorno à pergunta do início do artigo para provocar uma reflexão desconfortável. Como convencer a alta liderança da empresa de que esse assunto é importante? Ao buscar uma resposta supostamente prática, que resolve um desafio cotidiano, o RH parece, na verdade, querer-se convencer de que está numa empresa que trata o tema para valer e não para impressionar atores de mercado.

Dada à sua posição equidistante entre o topo e a base, o departamento de Recursos Humanos é o primeiro a sofrer os efeitos da incoerência entre discurso e ação. E também é um dos primeiros a sentir na pele o não enfrentamento de dilemas, a procrastinação de iniciativas que deveriam ser urgentes e a adoção de medidas rasas, quase nunca discutidas profudamente, e que parecem feitas para gerar conteúdo de relatórios de sustentabilidade.

Quando um RH pergunta como convencer a alta liderança sobre, por exemplo, a importância do letramento de ESG para líderes e colaboradores, ele parece, no fundo, tristemente convencido de que a educação corporativa ESG –embora devesse– não interessa à empresa. Está atrás de uma fórmula mágica sem aplicação à sua realidade.

Quando indaga sobre como influenciar a alta liderança para, por exemplo, a urgência de criar um programa de diversidade, equidade e inclusão, o RH já compreendeu, um tanto aflito, que será árdua a missão de superar vieses limitantes e crenças tóxicas para fazer avançar o tema na organização. Ele simplesmente precisa ouvir alguém.

Quando quer saber como sugestionar o C-Level sobre a relevância do alinhamento dos valores dos colaboradores com os da empresa, o RH já entendeu que esse processo de cocriação de cultura organizacional ESG tem poucas chances de ocorrer numa empresa sem liderança empática, horizontal e dialógica.

O último painel foi o mais emblemático de todos.Graças sobretudo ao seu efeito terapêutico. Assisti-o esperançoso. Ouvir Miguel Settas, CEO da CCR, e Andrea Krewer, CEO da Sodexo, líderes que capitaneiam estratégias claras de ESG, procuram praticar valores, priorizam o tema na agenda e educam os seus líderes, trouxe uma sensação ambígua para os participantes. De conforto, por saber que, ao contrário do que pregam os negacionistas de ocasião, ESG gera valor para o negócio quando liderado com convicção. De aflição, porque a régua elevada torna dolorosa eventuais comparações.

Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável,  fundador da Plataforma Liderança com Valores, mentor e conselheiro de sustentabilidade