Gastos públicos, novela sem fim
Por Carlos José Marques
O governo federal definitivamente não consegue encontrar o ponto de equilíbrio necessário nas contas públicas. Mexe nos números para todo lado, faz uma ginástica financeira fabulosa, busca arranjar novos recursos onde não existem e acaba preso em armadilhas que às vezes nem ele mesmo criou, mas nas quais segue preso. É o caso, por exemplo, das emendas parlamentares, a mais inominável prática de mensalinho oficializado que se montou no governo passado, de Bolsonaro, que persistem até hoje.
Ao tentar se livrar de parte desse encargo, cortando alguns desembolsos para cumprir o Arcabouço Fiscal, o governo levou uma rasteira que o deixou inapelavelmente no chão. O Congresso, notando que seus recursos por essa rubrica poderiam vir a ser bloqueados em parte ou cortados, resolveu na base do corporativismo votar às pressas um projeto para garantir o fluxo de emendas, sem brechas para eventuais vetos presidenciais. A proposta criou normas para a destinação de recursos públicos. O texto da Câmara liberou apenas o contigenciamento. Há diferenças entre contingenciamento e bloqueio. O primeiro é feito na falta de receitas. Já o bloqueio é adotado diretamente pela União quando as despesas obrigatórias estão acima do estimado. O governo Lula lutava pelos bloqueios e não conseguiu. Dessa forma, esse ralo de dinheiro segue praticamente inalterado.
Entre idas e vindas no ajuste fiscal, o ministro Fernando Haddad desenhou um rígido programa de corte nos gastos, já apresentado a Lula e em vias de implementação. Há indicações de que até o reajuste do salário mínimo possa ser afetado. E mesmo a Previdência parece que não vai escapar, passando por mudanças. Para efeito de referência, o déficit previdenciário apenas referente ao setor público já ultrapassou a casa dos R$ 6 trilhões e pode subir ainda mais, caso algumas ações em análise pelo Supremo a favor de servidores sejam aprovadas. É insustentável. A intenção inicial era juntar algumas medidas em diversas áreas que ajudassem o governo a cumprir o limite de despesas e o piso constitucional mantido para determinados setores, como a Saúde. Mas nenhum segmento quer ceder.
É sabido por todos: benefícios tributários em excesso destroem a disciplina contábil de governos. A renúncia de receitas no Brasil, por exemplo, assume proporções impagáveis e em escala crescente, como ocorre em poucas partes do mundo. São quase R$ 830 bilhões anualmente, ou o equivalente a 7% do PIB. Nesse aspecto, o objetivo é que a reforma venha a eliminar ao menos R$ 340 bilhões em renúncias fiscais. É ver para crer. O governo ainda se mexe em outros campos. Para o aumento de arrecadação, elevou em 25%, de uma sentada só, o imposto para importação de painéis solares, causando espanto entre os empresários. A sobretaxa também ocorre em mais atividades produtivas. No campo dos cortes recordes, o orçamento de agências reguladoras de energia e mineração também entrou no radar, recebendo menos repasse de verbas. É um vale-tudo para chegar a um número final aceitável. Tarefa bem difícil.