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A vez do fungo: saiba como startups transformam o micélio em material industrial

Micélio revoluciona diversos segmentos da indústria com soluções sustentáveis, substituindo materiais tradicionais e contribuindo para a economia circular

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O mercado global de produtos feitos a partir de micélio está projetado para crescer significativamente nos próximos anos (Crédito: Divulgação)

Por Allan Ravagnani

RESUMO

● Micélio pode ser usado como polímeros sintéticos, embalagens, material para móveis e construção civil, biotecido e até na indústria alimentícia
● O grande ganho é em sustentabilidade: tem alta biodegradabilidade e baixo consumo de recursos na produção
● Estrutura vegetativa dos fungos pode substituir plásticos, isopor, couro e proteínas animais ou vegetais

 

O micélio, estrutura vegetativa dos fungos, está ganhando relevância em várias indústrias como um material versátil e sustentável. Composto por uma rede de filamentos finos chamados hifas, o micélio desempenha um papel natural na decomposição da matéria orgânica no ambiente, mas nos últimos anos, cientistas, engenheiros e empreendedores têm explorado sua capacidade de substituir materiais industriais como plástico, isopor e até mesmo proteínas alimentares. Esse interesse crescente pelo micélio não é à toa: ele oferece uma combinação de características desejáveis, como biodegradabilidade, baixo consumo de recursos na produção e potencial para ser cultivado em formas variadas, o que o torna uma opção promissora em termos de sustentabilidade e economia circular.

Empresas e startups ao redor do mundo estão à frente dessa inovação, explorando o micélio para criar soluções que ajudam a enfrentar os desafios ambientais, ao mesmo tempo em que oferecem produtos eficientes e adaptáveis para o mercado. Entre as principais empresas que utilizam micélio no Brasil estão a Typcal, Mush e Muush, cada uma com abordagens diferentes, mas com o objetivo comum de explorar o potencial dessa matéria-prima para criar um futuro mais sustentável. Essas empresas estão focadas em resolver problemas da indústria alimentícia, de materiais e têxtil, através da biotransformação de resíduos sólidos e líquidos em novos bioprodutos com menor impacto ambiental, utilizando menos água e energia.

O CEO da Mush, Ubiratan Sá, é um defensor do uso de micélio como substituto de polímeros sintéticos. Ele destaca que uma das maiores vantagens desse material é sua capacidade de biodegradar rapidamente, ao contrário do plástico e do isopor, que podem levar séculos para se decompor. “Em vez de se acumularem em aterros ou poluírem os oceanos, produtos feitos de micélio retornam ao ambiente em poucos meses, contribuindo diretamente para a diminuição do impacto ecológico”, afirmou. A Mush desenvolve materiais de micélio que podem ser usados para substituir o plástico em embalagens secundárias, uma solução eficaz para as indústrias que buscam reduzir o uso de materiais derivados de petróleo em suas operações.

Em vez de se acumularem em aterros ou poluírem os oceanos, produtos feitos de micélio retornam ao ambiente em poucos meses, contribuindo diretamente para a diminuição do impacto ecológico

Outro aspecto importante do micélio, segundo Ubiratan, é sua versatilidade. O material pode ser cultivado em diversas formas, texturas e densidades, permitindo que ele seja moldado para atender a diferentes necessidades. Isso inclui desde embalagens até componentes para móveis e construção civil.

Sua capacidade de imitar as características funcionais de materiais como isopor e espuma de poliuretano, sem o impacto ambiental negativo, tem atraído a atenção de setores industriais que buscam alternativas mais ecológicas. Além disso, o micélio exige pouca água e energia em seu cultivo, especialmente quando comparado a processos industriais tradicionais, como a fabricação de plásticos e outros polímeros sintéticos.

A startup Muush, liderada por Antonio Carlos de Francisco, tem como foco outra aplicação promissora do micélio: a produção de biotecidos. O mercado de couro vegetal tem ganhado espaço como alternativa ao couro animal e sintético, e a Muush tem aproveitado essa oportunidade para transformar resíduos agroindustriais em tecidos sustentáveis de micélio. O biotecido produzido pela empresa pode ser utilizado em indústrias como moda, móveis e automotiva, substituindo o couro tradicional e outros materiais plásticos com uma alternativa biodegradável e ecológica.

O CEO da Muush destaca que o biotecido de micélio não apenas se assemelha ao couro em termos de aparência e durabilidade, mas também oferece vantagens significativas em termos de pegada ecológica, consumindo menos recursos naturais e sendo completamente biodegradável. O micélio utilizado pela Muush é cultivado em condições controladas e moldado para imitar as características do couro. Essa flexibilidade de design e adaptabilidade a diferentes indústrias é uma das grandes vantagens do material.

● Na indústria da moda, o micélio pode ser usado para produzir bolsas, calçados e roupas, atendendo a uma demanda crescente por produtos sustentáveis e éticos.
Já no setor moveleiro, ele é uma alternativa atraente à madeira e ao plástico, permitindo a fabricação de móveis leves, resistentes e biodegradáveis.
No setor automotivo, o micélio pode ser aplicado em peças internas de veículos, como painéis e revestimentos de portas, oferecendo uma opção mais sustentável aos materiais plásticos comumente utilizados.

(Divulgação)

O material pode ser empregado em mobílias, painéis de carro, em roupas e calçados, e até mesmo em alimentos, por ser saudável e rico em proteínas

A sustentabilidade é um dos principais pilares do trabalho desenvolvido pela Muush. Além de ser biodegradável, o biotecido de micélio reduz a dependência de materiais de origem fóssil, como o plástico, e diminui a necessidade de produtos químicos pesados usados na produção de couro sintético. Isso não apenas beneficia o meio ambiente, mas também oferece às empresas uma alternativa mais ecológica que se alinha às crescentes expectativas dos consumidores por produtos que tenham um impacto ambiental reduzido.

Antonio Carlos de Francisco destaca que o futuro da indústria têxtil depende de inovações como o biotecido de micélio, que oferecem uma solução prática e escalável para os desafios ambientais atuais.

Outro campo de aplicação promissor para o micélio é a indústria alimentícia. A Typcal, primeira foodtech da América Latina a utilizar a fermentação de micélio para produção de alimentos, tem revolucionado o setor com suas proteínas alternativas de micélio. O processo desenvolvido pela Typcal transforma o micélio em uma fonte rica de proteínas e fibras, oferecendo uma solução sustentável e altamente nutritiva para a indústria alimentícia.

O CTO da Typcal, Eduardo Sydney, explica que a fermentação de micélio é uma alternativa às proteínas convencionais, tanto de origem animal quanto vegetal, e oferece vantagens em termos de sabor e valor nutricional. O micélio fermentado pode ser utilizado em uma variedade de produtos alimentícios, incluindo carnes à base de plantas, pães, biscoitos e massas. O processo de fermentação de micélio desenvolvido pela Typcal tem alto nível de eficiência em termos de recursos.

A produção ocorre em biorreatores controlados, sem a necessidade de grandes áreas de cultivo ou consumo intensivo de água. Isso se traduz em uma pegada ecológica significativamente menor em comparação com a pecuária ou até mesmo com a agricultura tradicional de proteínas vegetais. Além disso, o micélio fermentado não possui o sabor amargo que algumas proteínas vegetais têm, o que facilita sua incorporação em produtos alimentícios sem comprometer o sabor ou a textura. Essa versatilidade tem atraído o interesse de grandes players da indústria alimentícia e investidores, que veem no micélio uma solução escalável para atender à crescente demanda por alimentos mais saudáveis e sustentáveis.

O uso do micélio na alimentação não se limita apenas a proteínas alternativas. A Typcal também está explorando a capacidade do micélio de adicionar fibras e outros nutrientes aos alimentos, ajudando a criar produtos mais nutritivos que atendem às expectativas dos consumidores por opções mais saudáveis. Estudos indicam que a demanda por alimentos com menor teor de gordura, sódio e açúcares está crescendo, e o micélio oferece uma solução que pode atender a essas demandas sem comprometer o sabor ou a experiência do consumidor. A empresa já está em busca de parcerias estratégicas com grandes multinacionais para expandir seu portfólio e ampliar sua capacidade de produção, com o objetivo de atender à demanda global por proteínas sustentáveis.

As inovações desenvolvidas pela Typcal, Mush e Muush demonstram o enorme potencial do micélio como um material multiuso. A capacidade do micélio de substituir plásticos, isopor, couro e proteínas animais ou vegetais coloca esse material no centro de uma transformação industrial em direção a práticas mais sustentáveis. O micélio é uma resposta concreta à necessidade de soluções que reduzam o impacto ambiental, promovam a economia circular e ofereçam alternativas viáveis aos materiais e processos tradicionais. Com a crescente demanda por produtos mais ecológicos e a pressão para reduzir a pegada de carbono das indústrias, o micélio está se posicionando como o material do futuro.

Além de sua biodegradabilidade e baixo consumo de recursos na produção, o micélio também tem a capacidade de contribuir para a regeneração ambiental. À medida que mais empresas adotam o uso de micélio em suas operações, os benefícios desse material se tornam cada vez mais evidentes, não apenas em termos de sustentabilidade, mas também em termos de eficiência e rentabilidade. O micélio representa uma oportunidade única para criar um futuro em que a produção industrial esteja alinhada com os princípios da regeneração ambiental, oferecendo soluções que não apenas reduzem os impactos negativos, mas também ajudam a restaurar os ecossistemas.

O mercado global de produtos feitos a partir de micélio está projetado para crescer significativamente nos próximos anos, impulsionado pela demanda por alternativas sustentáveis e pela inovação tecnológica que permite a produção em larga escala. Empresas como Typcal, Mush e Muush estão na vanguarda desse movimento, mas o potencial do micélio vai além dessas pioneiras. À medida que mais pesquisas são realizadas e novas aplicações são descobertas, o micélio continuará a desempenhar um papel central na transformação das indústrias alimentícia, têxtil, moveleira e automotiva. O futuro já começou, e o micélio está pronto para ser o material que moldará esse novo caminho.