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À espera do protecionismo de Trump

Além da China, países mais afetados pelas tarifas serão México e Canadá. Mas efeito será global, com rearranjo do fluxo de capitais e mudança de cadeias de suprimentos

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Marcos Strecker: "Para os mexicanos, tamanha escalada alfandegária iria desorganizar sua economia, cujo governo recém-eleito tem no dinâmico parque industrial uma importante base de apoio social e político" (Crédito: Divulgação)

Por Marcos Strecker

A contagem regressiva para a posse de Donald Trump, dia 20 de janeiro, está deixando em polvorosa boa parte do planeta. Mas alguns países estão especialmente preocupados: aqueles que serão diretamente afetados pelo aumento das taxas de importação. Além de todo o impacto que o novo governo americano terá na vida social, econômica e política ao redor do globo, é o protecionismo, como não se via há quase um século, que deverá transformar a economia global e redesenhar a geopolítica.

O principal alvo, por óbvio, é a China. O gigante asiático, em retaliação, pode desvalorizar o yuan, sua moeda, para manter seus produtos competitivos aos americanos mesmo com um tarifaço que deve começar com um incremento de 10% aos impostos já aplicados, que podem alcançar até 60% em determinados itens, segundo as ameaças da nova administração. Isso já foi feito com sucesso na década passada, ainda que sem a dimensão atual. O atual modelo exportador chinês, que está inundando os mercados americano e europeu com itens industrializados baratos, inclusive carros, depende desse fluxo. Mas o regime de Xi Jinping está enfrentando problemas que não existiam antes, como um mercado imobiliário em grave crise e províncias altamente endividadas. Daí os sinais prudenciais emitidos pelas autoridades monetárias do país, de que buscarão manter o equilíbrio entre suas moedas.

Há alternativas para Xi Jinping, como lançar novos pacotes de estímulos econômicos. Mas essa formula parece desacreditada, dada a recepção decepcionante gerada pelas últimas medidas, que deveriam reanimar a economia e só trouxeram mais desconfiança, afastando investidores internacionais. A China, por outro lado, está sabendo aproveitar a repercussão negativa do novo protecionismo americano. Já anunciou que removerá tarifas de produtos de países pobres. A aposta é que a defesa do multilateralismo, no momento em que os EUA voltam ao isolacionismo que prevaleceu antes da Segunda Guerra, amplie a influência chinesa no mundo, especialmente entre as nações em desenvolvimento, o que sua ação diplomática come líder do Sul Global no âmbito dos Brics, assim como a trilhardária iniciativa da Nova Rota da Seda, estão conseguindo galvanizar com relativo sucesso. O vice-presidente, Han Zheng, declarou que “a globalização é uma tendência histórica irreversível”. “Ninguém vencerá uma guerra comercial ou uma guerra tarifária”, acrescentou Liu Pengyu, representante da embaixada chinesa em Washington.

São atitudes que ampliam o cacife dos chineses em novas negociações. Um exemplo foi a recente visita de Xi Jinping a Brasília, quando assinou dezenas de tratados comerciais com o governo Lula, ainda que não tenho obtido o compromisso formal de adesão à Nova Rota da Seda. Mas há outros alvos mais suscetíveis às investidas do trumpismo. O mais óbvio é o México, que não apenas se beneficiou nas últimas décadas com tratados comerciais com os parceiros do norte, como desenvolveu uma indústria poderosa (especialmente de carros) destinada ao mercado americano. Muitas montadoras chinesas estão investindo pesadamente no país para ter acesso facilitado ao consumidor dos EUA. Tudo isso pode ser afetado pela promessa trumpista de aumentar em 25% os impostos vindos do México, assim como do Canadá.

Para os mexicanos, tamanha escalada alfandegária iria desorganizar sua economia, cujo governo recém-eleito tem no dinâmico parque industrial uma importante base de apoio social e político. As exportações dirigidas ao vizinho do norte representam 27% do PIB mexicano. Seria o fim de “nearshoring”, a atração de plantas fabris e cadeias de suprimentos para perto das fronteiras americanas. Essa nova era no comércio certamente vai redesenhar as relações entre países e redirecionar investimentos e comércio.

Mas há a possibilidade de que o anúncio desse protecionismo selvagem seja apenas a velha estratégia da barganha populista. Para desafiar os chineses, Trump disse que imporia punições comerciais por conta do fluxo de drogas ilegais, como o fentanil. No caso do México, a ameaça seria ainda mais útil: intimidar o país em troca da queda no fluxo de imigrantes. Ela já surtiu efeito com o ex-presidente, Andrés Manuel López Obrador. Sua herdeira política, Claudia Sheinbaum, poderá ser levada a endurecer a contenção dos imigrantes, até militarmente, para evitar o colapso de sua economia.

*Marcos Strecker é jornalista, diretor do Núcleo de Negócios da Editora Três (ISTOÉ DINHEIRO, DINHEIRO RURAL e MOTOR SHOW)