Especial

Agro x IA: como o campo absorve a transformação tecnológica

Aplicações tecnológicas redefinem a produtividade e sustentabilidade no setor, com impacto nas lavouras, rebanhos e no meio ambiente; o potencial de ganhos ainda não é totalmente mensurável

Crédito: Silvia Zamboni

Sérgio Rocha, fundador e CEO da Agrotools (Crédito: Silvia Zamboni)

Por Allan Ravagnani

RESUMO

●  Aplicações tecnológicas redefinem a produtividade e sustentabilidade no setor
● A atualização traz impacto nas lavouras, rebanhos e no meio ambiente
● O potencial de ganhos ainda não é totalmente mensurável

A imensidão do campo brasileiro abre espaço para muitas inovações. Sob o sol ou a chuva, a agricultura no Brasil por muito tempo dependeu dos caprichos da natureza e da intuição humana. Mas uma revolução silenciosa está em curso. Há uma inteligência invisível que agora compõe o cenário com o verde das plantações e o gado nos pastos. Ela não é capaz de arremessar sementes nem de arar a terra com as próprias mãos. Seu trabalho é mais de bastidor, porém transformador. A Inteligência Artificial (IA) tomou o campo como sua nova fronteira, mudando definitivamente a relação entre o produtor e sua terra. Onde antes se plantava à espera de um futuro incerto, agora se semeia com a precisão dos dados e dos algoritmos.

No coração dessa transformação, a IA é a ferramenta para a coleta, o processamento e a análise de uma quantidade colossal de informações. Sensores espalhados pelo solo, drones sobrevoando plantações e veículos autônomos percorrem os campos como sentinelas eletrônicas, capturando dados que são analisados em tempo real. Cada pedaço de terra, cada rebanho, cada talhão está sob o controle de sistemas inteligentes que otimizam as decisões e antecipam problemas antes mesmo que eles possam surgir. O campo se digitalizou, e com ele veio um novo tipo de agricultor, mais tecnológico e conectado ao futuro. A seguir, a DINHEIRO RURAL mostra grandes cases de sucesso na aplicação dessa ferramenta no dia a dia do campo brasileiro.

As aplicações da nova tecnologia no campo são múltiplas, abrangendo desde o gerenciamento de safras até a automação completa de operações. O que antes era feito com base em décadas de experiência acumulada e conhecimento repassado de pai para filho, hoje é otimizado por algoritmos que aprendem e se aperfeiçoam a cada ciclo produtivo.

● Uma das primeiras e mais impactantes inovações foi a introdução dos sensores inteligentes. Eles monitoram o solo, captando informações como níveis de umidade, pH e composição de nutrientes. Conectados a redes de IA, esses sensores ajudam os agricultores a decidir o momento exato para irrigar, fertilizar ou colher, melhorando o uso de recursos e evitando desperdícios. Esses dados oferecem um panorama detalhado da saúde do solo, permitindo uma gestão de fertilizantes mais eficiente.

(Divulgação)

“Nossa meta é entregar ao produtor uma ferramenta que não só responde perguntas, mas antecipa necessidades, otimiza cultivos e oferece soluções antes inimagináveis.”
Eder Gigliotti, CEO da Smartbreeder

O uso de drones e câmeras de campo também está se tornando trivial. Equipados com visão computacional, esses dispositivos capturam imagens detalhadas das plantações, detectando a presença de pragas, doenças ou falhas no plantio. Com isso, é possível intervir rapidamente, evitando que uma infestação se espalhe.

● Essas tecnologias também geram mapas detalhados das propriedades, facilitando a gestão agrícola.

● Outro pilar da inovação é o uso de veículos autônomos. Hoje, tratores e colheitadeiras equipados com IA realizam o plantio, a colheita e a pulverização dos insumos de maneira automatizada, aumentando a precisão e reduzindo a necessidade de mão de obra humana. Esses veículos, equipados com sensores, medem a qualidade das colheitas e identificam o que está pronto para a colheita com mais eficiência.

A automação de processos não se limita às grandes fazendas. Pequenos e médios produtores já se beneficiam de softwares agrícolas que, conectados à IA, oferecem suporte na tomada de decisões estratégicas. Esses softwares monitoram e gerenciam a produção em tempo real, gerando relatórios que ajudam a prever problemas como secas ou excesso de chuvas.

● A propósito, a previsão meteorológica aprimorada por IA permite analisar dados climáticos históricos combinados com informações de satélites e sensores terrestres, criando modelos preditivos com muita exatidão Isso permite aos produtores planejar suas operações com maior antecedência e segurança.

● Além disso, a IA tem papel de relevância também na rastreabilidade da cadeia produtiva, garantindo que todas as práticas agrícolas sejam transparentes e dentro das regulamentações ambientais. Essa rastreabilidade facilita a certificação de práticas de ESG (Ambiental, Social e Governança), cada vez mais valorizadas no mercado consumidor.

Com isso, as novas ferramentas tecnológicas oferecem uma visão abrangente das operações aos agricultores, proporcionando aumento de produtividade e redução nos custos operacionais, tudo isso por meio de modelos mais sustentáveis.

Symbiomics escaneia genomas de microrganismos visando substituir fertilizantes químicos por biológico (Crédito:Divulgação)

‘GOOGLE’ DO AGRO

A Smartbreeder é uma das empresas mais ambiciosas no uso da IA para transformar a agricultura. Com o objetivo audacioso de se tornar o “Google” do agro, a empresa criou o Data Ocean, um dos maiores bancos de dados agrícolas do mundo, armazenando informações sobre solo, clima e manejo de milhares de talhões no Brasil.

O diferencial desta Agtech está na profundidade de análise que oferece aos produtores. Usando algoritmos avançados de IA, a plataforma processa 2,4 mil dados por minuto, gerando insights detalhados sobre cada pedaço de terra. Com essa tecnologia, a empresa recomenda as melhores práticas de manejo para cada área específica, com aumento de produtividade e redução de riscos.

O uso da IA generativa, similar ao ChatGPT, transforma imensas quantidades de dados em recomendações claras e de fácil compreensão. O agricultor pode perguntar diretamente à plataforma, como se fosse um assistente digital, e obter respostas certeiras sobre o momento ideal para plantar, qual variedade de sementes utilizar ou qual defensivo agrícola aplicar. Esse nível de detalhamento personalizado, baseado em um imenso banco de dados, torna a gestão agrícola muito mais precisa e eficiente.

Eder Gigliotti, CEO da Smartbreeder, vislumbra um futuro em que a IA será indispensável no campo. “Nossa meta é entregar ao produtor uma ferramenta que não só responde perguntas, mas antecipa necessidades, otimiza cultivos e oferece soluções antes inimagináveis”, afirma o professor e pesquisador.

Com o Data Ocean, a Smartbreeder já alcançou resultados impressionantes, como a redução de 10% nas perdas causadas por pragas. Todos esses recursos permitem à empresa projetar aumentos de produtividade de até R$ 2 mil por hectare em culturas como cana-de-açúcar e soja. O momento é de expansão, e a Smartbreeder está levando suas operações e tecnologia para novos mercados na América Latina e nos Estados Unidos.

(Divulgação)

“Com algoritmos que leem o DNA dos microrganismos, podemos prever a capacidade do solo de resistir ao tempo e às adversidades do campo, oferecendo aos agricultores uma ferramenta poderosa para aumentar a produtividade e preservar o meio ambiente.”
Rafael de Souza, CEO da Symbiomics

REVOLUÇÃO BIOLÓGICA

De Florianópolis (SC), a Symbiomics chegou para transformar a relação entre o solo e a planta, unindo ciência e natureza em um processo refinado pela análise precisa de Big Data. Seu objetivo é substituir os fertilizantes químicos por microrganismos vivos, capazes de nutrir as plantas e regenerar o solo. Combinando bioinformática e IA, a Symbiomics escaneia genomas de microrganismos encontrados nos biomas brasileiros, selecionando aqueles que podem transformar o ciclo produtivo.

Rafael de Souza, CEO da biotech, descreve essa revolução como algo que reduz em anos o que a natureza levaria milênios para ajustar. “Ainda estamos descobrindo o que a natureza nos oferece. Com a IA, estamos apenas começando a decifrar esse tesouro invisível”, diz.

As soluções da companhia visam reduzir o uso de agrotóxicos e fortalecer as plantas contra pragas e doenças.
● Os microrganismos formam barreiras protetoras ao redor das raízes, dispensando muitos dos venenos usados atualmente.
● O solo se regenera, tornando-se mais fértil a cada ciclo,
● e os agricultores veem suas lavouras prosperarem sem o peso da dependência de insumos importados.

“Com algoritmos que leem o DNA dos microrganismos, podemos prever sua capacidade de resistir ao tempo e às adversidades do campo, oferecendo aos agricultores uma ferramenta poderosa para aumentar a produtividade e preservar o meio ambiente”, acrescenta Souza.

(Silvia Zamboni)

“Ampliamos o nosso leque de soluções, desde API’s até ferramentas prontas para uso e dashboards. Além disso, comercialmente falando, estamos avançando em diferentes cadeias, tamanhos de clientes e canais de distribuição”
Sérgio Rocha, fundador e CEO da Agrotools

VANGUARDA

Destaque no uso da Inteligência Artificial no campo é a Agrotools, líder em tecnologia e inteligência para o agronegócio que, há quase duas décadas no mercado, é uma das poucas agtechs que mantêm um crescimento contínuo de dois a três dígitos anualmente em seus principais indicadores financeiros.

Com um total impressionante de 17 milhões de análises realizadas apenas nos últimos 12 meses, a empresa registrou uma elevação de 100% em relação ao ano anterior. Isso se deve, em parte, a melhoras contínuas em sua plataforma, automação de processos internos e uma estratégia de expansão comercial bem-sucedida em diferentes setores e geografias.

Durante o último ano, a empresa fechou 68 negócios, distribuídos em mais de 15 segmentos distintos.

Sérgio Rocha, fundador e CEO da Agrotools, afirmou que 2023 foi marcado por estratégias focadas no desenvolvimento tecnológico da empresa. “Ampliamos o nosso leque de soluções, desde API’s até ferramentas prontas para uso e dashboards. Além disso, comercialmente falando, estamos avançando em diferentes cadeias, tamanhos de clientes e canais de distribuição”, afirma Rocha.

Em 2024 a empresa ampliou o portfólio de soluções low touch e no touch (que exigem pouca ou nenhuma interação humana), consolidando-se na vanguarda da transformação digital do agronegócio.

A empresa é hoje o maior ecossistema de soluções digitais baseadas em uma plataforma de inteligência de dados para o agronegócio corporativo no mundo. A agtech analisa mais de 4,5 milhões de territórios rurais e monitora R$ 15 bilhões em commodities, além de participar de operações do agronegócio equivalentes a R$ 100 bilhões.

(Daniel Teixeira)

“O grande diferencial das empresas investidas pela KPTL está na capacidade de aplicar a IA de maneira acessível e eficaz, desde o monitoramento de rebanhos até a automação de processos agrícolas.”
Leandro Pereira, sócio da Venture Capital

INVESTINDO

A gestora de Venture Capital KPTL também desempenha um papel relevante no avanço do agronegócio, investindo em startups que desenvolvem soluções tecnológicas. Com um portfólio diversificado de 61 empresas, das quais 12 são dedicadas ao agronegócio, a KPTL apoia a transformação digital do setor. Leandro Pereira, sócio da Venture Capital, destacou que a empresa oferece suporte contínuo em questões estratégicas e tecnológicas, ajudando as startups a desenvolverem soluções baseadas em IA que aumentam a competitividade e a eficiência no campo. Para ele, o grande diferencial das empresas investidas pela KPTL está na capacidade de aplicar a IA de maneira acessível e eficaz, desde o monitoramento de rebanhos até a automação de processos agrícolas.

PECUÁRIA DE PRECISÃO

A pecuária de precisão está redefinindo o modo como o gado é criado, monitorado e manejado no Brasil. Com o uso das tecnologias avançadas, as fazendas se tornam cada vez mais conectadas, permitindo decisões mais rápidas, precisas e eficientes. Três empresas se destacam nesse movimento: Cowmed, Ecotrace e PONTA, cada uma oferecendo soluções inovadoras que trazem eficiência à produção pecuária, melhoram o bem-estar animal e aumentam a rentabilidade.

• A Cowmed é pioneira no uso de IA para monitoramento de rebanhos e tem transformado o modo de acompanhamento da saúde e do comportamento de seus animais. A tecnologia da empresa se baseia em coleiras inteligentes, equipadas com sensores que captam dados contínuos sobre a condição física e o ciclo reprodutivo das vacas. Esses dados são transmitidos em tempo real para uma plataforma de IA, que processa as informações e gera relatórios exatos, alertando os pecuaristas sobre possíveis problemas de saúde ou indicando os melhores momentos para inseminação.

Essa tecnologia revolucionou a gestão da saúde animal, pois permite prever doenças antes que se tornem críticas, e consequentemente reduzindo os custos com tratamentos de emergência e aumentando a qualidade de vida dos animais. O monitoramento contínuo das vacas também auxilia na identificação precisa dos ciclos reprodutivos, o que evita erros no manejo reprodutivo e garante uma maior eficiência nas inseminações.

Além de melhorias para a saúde e a reprodução, a plataforma também torna possível a identificação de padrões de comportamento dos animais muitas vezes associados a fatores ambientais ou alimentares. Com essa informação, os produtores podem ajustar o manejo e a alimentação para aumetar o bem-estar e a produtividade de seus rebanhos.

(Divulgação)

“Com o uso de IA, sensores inteligentes e automação, os pecuaristas agora conseguem monitorar em tempo real a saúde, o comportamento e a nutrição dos animais, aumentando a produtividade, reduzindo os custos e promovendo uma produção mais sustentável.”
Paulo Marcelo Dias, presidente da PONTA

A Ecotrace atua em outra ponta relevante da cadeia produtiva: a rastreabilidade e a automação nos frigoríficos. Utilizando uma combinação de IA e blockchain, a empresa garante que toda a jornada do produto, desde o campo até o consumidor final, seja registrada e auditada de forma transparente e segura. Processo relevante para garantir a qualidade, segurança e origem dos produtos de carne. Nos frigoríficos, a Ecotrace implementa sua visão computacional, tecnologia que permite a classificação automatizada de carcaças. Esse procedimento, que antes dependia do olhar humano, agora é feito por sistemas que analisam milhões de carcaças com base em imagens de alta precisão. O resultado é uma avaliação mais consistente e segura da qualidade da carne, o que elimina erros e aumenta a eficiência de toda a jornada.

Ao reduzir a necessidade de intervenção humana no processo, também minimiza os riscos de contaminação, um dos grandes desafios sanitários da indústria de carnes. Essa tecnologia não se limita aos bovinos. A empresa também atua na cadeia produtiva de frangos, onde a IA é utilizada para ajustar a linha de produção com base no tamanho e peso das aves. Isso otimiza a operação, garantindo um abate mais eficiente, com redução do desperdício e melhora da rentabilidade.

Na linha de frente da pecuária de precisão está ainda a PONTA, uma empresa de tecnologia especializada na gestão de confinamento e nutrição de gado. Com atuação em nove países e monitorando mais de 7 milhões de cabeças de gado por ano, a PONTA usa Inteligência Artificial e sensores IoT para automatizar o manejo dos animais, otimizando a nutrição e o abate, além de promover uma gestão mais eficiente e lucrativa.

Um dos principais avanços da PONTA está na capacidade de monitorar o comportamento do gado em confinamento por meio de câmeras e sensores conectados. Esses dispositivos, aliados à IA, permitem prever o momento ideal para o abate, o que potencializa a qualidade da carne e aumenta os lucros dos pecuaristas. A análise contínua do comportamento animal também ajuda a identificar problemas sanitários de forma precoce, com intervenções rápidas e eficazes.

Outro aspecto inovador é o uso da IA para ajustar automaticamente a alimentação dos animais. A nutrição adequada é um dos fatores mais importantes para a eficiência da produção de carne, e a PONTA desenvolveu um índice de custo alimentar (ICAP) que ajusta dinamicamente a dieta dos bovinos conforme as condições de mercado e as necessidades dos animais. Esse índice é atualizado em tempo real e proporciona aos pecuaristas uma ferramenta poderosa para controlar os custos e garantir uma conversão alimentar eficiente.

Cowmed monitora gado via coleiras que captam dados sobre a condição física e o ciclo reprodutivo das vacas (Crédito:Divulgação)

Segundo Paulo Marcelo Dias, presidente da PONTA, essa automação traz ganhos significativos em termos de redução de desperdício e aumento da produtividade. A gestão apropriada dos recursos alimentares permite ao pecuarista garantir que cada animal receba a nutrição ideal para incrementar o ganho de peso e, ao mesmo tempo, reduzir os custos de alimentação e o impacto ambiental. “A pecuária de precisão está mudando profundamente a forma como o gado é gerido no Brasil. Com o uso de IA, sensores inteligentes e automação, os pecuaristas agora conseguem monitorar em tempo real a saúde, o comportamento e a nutrição dos animais, aumentando a produtividade, reduzindo os custos e promovendo uma produção mais sustentável”, afirmou.

FUTURO

O agronegócio está vivendo uma transformação sem precedentes. A IA deve se consolidar como uma ferramenta obrigatória, antecipando não só as condições climáticas e o comportamento das safras, mas prevendo as necessidades das plantações e do animais com uma precisão inédita. No futuro, sensores, drones e veículos autônomos estarão ainda mais integrados, com a IA atuando como um maestro invisível. A relação simbiótica entre homem e máquina se aprofundará, com a intuição humana sendo ampliada pela capacidade analítica da IA.

Agricultores terão acesso instantâneo a séculos de dados processados em segundos, transformando conhecimento em recomendações práticas. Além disso, a IA será uma aliada importante na luta pela sustentabilidade, ajustando o uso de recursos em tempo real, cortando desperdícios e promovendo a regeneração do solo. Isso trará uma nova era de agricultura regenerativa, que não só preserva a terra, mas reverte danos passados. Com a democratização do conhecimento, pequenos e médios produtores também terão acesso a ferramentas aumentando a sua competitividade.