O jeito Galípolo de ser: indicado por Lula, mas independente. Ou nem tanto?
Futuro presidente do Banco Central dá o tom de seu mandato, fala em continuidade dos juros mais altos e sobre o incômodo com a desancoragem da inflação
Por Paula Cristina
Professor; da turma progressista; jovem e ligado às premissas do governo Lula III desde sua concepção. Essa seria a descrição de um livro sobre Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central. Mas, se é preciso dizer que não se deve julgar uma obra pela capa, a história pode o afastar dos clichês que o forjaram. Em evento na capital paulista no dia 2 de dezembro, Galípolo deu o tom do próprio destino. Afirmou que haverá continuidade da temporada de Selic em alta, que há preocupação com preços e com o bom andamento da política monetária. O discurso acalmou, em partes, o mercado financeiro que tem se mostrado receoso com intervenção de Lula nos rumos do BC, e foi entendido como um alerta para os braços do governo menos alinhados com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Segundo o substituto de Roberto Campos Neto, a decisão até aqui (de aumento da taxa básica de juros) foi natural e é lógico entender sua continuidade enquanto não se estabilizarem outros fatores dentro e fora do Brasil.
De acordo com ele, tanto a atividade econômica aquecida (e coroada com um aumento de 0,9% no PIB do terceiro trimestre) quanto o dólar mais caro são fatores que colaboram com a alta da inflação, o que pressiona a instituição a manter os juros mais elevados. Há ainda o foco de atenção das contas públicas do governos e as tensões mundiais que persistem no horizonte. “Precisamos ter claro um ponto: fizemos um ciclo de cortes a partir de agosto do ano passado, derrubamos a Selic para 10,5%, porque havia um entendimento de desaceleração da economia”, disse Galípolo. O que se confirmou, no entanto, foi uma sistemática frustração das expectativas, já que o PIB cresceu.
Questionado sobre a capacidade de perseguir a meta da inflação, o futuro presidente afirmou ter todas as ferramentas necessárias para se ater aos 3%, e que qualquer discussão sobre uma mudança na meta é um “não tema” para os membros da autarquia. “Sou da máxima que acho estranho que quem persegue a meta possa determinar a própria meta. Mas esse é um tema [com a] página virada”, afirmou. Galípolo defendeu que a margem de tolerância é um mecanismo para “eventuais choques”, indicando que o mais importante para o BC é definir a direção correta, já que há “várias maneiras” de se atingir a meta.
A fala do economista se dá porque, a partir do ano que vem, o regime de metas de inflação terá um horizonte mais alongado. Na prática, a diferença é que, a partir de 2025, a apuração do cumprimento da meta passará a obedecer a um prazo maior que um ano. Em entrevista recente à DINHEIRO, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que não houve divergências com o Banco Central para a mudança. “Os votos [no CMN] foram por unanimidade. Não houve sequer discussão nem objeção. Eu estava na reunião.”
HORIZONTE
Entre os dias 10 e 11 de dezembro o Comitê de Política Monetária (Copom) faz a última reunião do ano, e o encontro é tido como a estréia antecipada de Galípolo, com todos os agentes financeiros de olho no comportamento de economistas. Se a alta é certa, a dúvida ainda reside na força da elevação, que varia entre 0,5 p.p. a 1 p.p, já levando em conta a mudança no cenário internacional com vitória de Donald Trump nos Estados Unidos e o fortalecimento do PIB entre julho e setembro.
E ainda que o cenário seja desafiador, o diretor do BC defendeu que o Brasil está em uma “posição robusta” para enfrentar tais desafios. Como mecanismos de defesa “bastante relevantes”, ele apontou o câmbio flutuante (regime que define a taxa de câmbio de uma moeda a partir da oferta e demanda de moeda estrangeira) e as reservas internacionais do país.
De opinião similar partilha Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central entre 2003 e 2011, durante os dois primeiros mandatos de Lula. “O Brasil tem um sistema financeiro sólido, uma economia caminhando e boas condições de lidar com as adversidades”, disse.
No entanto, Meirelles chama a atenção para um diálogo que teve com Lula pouco antes de assumir a cadeira do BC. “Eu disse ao presidente que aceitaria o cargo, mas manteria meu comprometimento com a política monetária, com o controle da inflação e as medidas necessárias para o bom andamento da moeda”. A resposta de Lula, então, teria sido. “Isso significa que você vai agir de forma independente?”. Banqueiro experiente não apenas no jogo financeiro, a resposta de Meirelles foi à altura. “O senhor tem a prerrogativa de me demitir, mas isso é um problema seu, não meu”. De certa forma, com a independência do BC, Galípolo tem a mesma prerrogativa.