Frustração na COP29 revela uma crise humana de liderança
Por Ricardo Voltolini
Alguma coisa está fora de ordem, como dizia a famosa canção de Caetano Veloso. Ou a nova ordem mundial aceitou de bom grado flertar com o iminente caos e normalizar o alto risco para a existência humana em um planeta cada vez mais quente.
Esta é uma das conclusões possíveis ao fim da COP29, realizada em novembro, em Baku, no Azerbaijão. Classificar como decepcionante a declaração (ou arremedo) de financiamento climático, firmada aos 49 minutos do segundo tempo, seria chover no molhado. Afinal, as últimas conferências das partes têm sido invariavelmente frustrantes entre outras razões porque os países ricos, apegados às suas míopes estratégias locais, seguem fazendo menos do que deveriam para enfrentar o grave risco global representado pela emergência climática.
O financiamento para a adaptação dos países em desenvolvimento – vale lembrar – vem sendo discutido há três décadas, desde a Convenção Quadro de 1992. Passou a ser cobrado, com maior ênfase, em 2009, na COP15, na Dinamarca. E começou a pingar (US$ 100 bilhões) apenas em 2022. Subdimensionar valores, adiar decisões urgentes ou mesmo apostar na inação significa hoje entregar o futuro nas mãos do acaso. Como se habitar Marte fosse uma opção.
A nova ordem mundial parece insanamente confortável no desconforto. Não é só a ilha de Tuvalu, no Pacífico, que vai sentir os efeitos do já próximo aumento de 1,5º C acima dos níveis pré-industriais. Para ficar em apenas três catástrofes anunciadas, menos gelo na Groenlândia, a falência dos sistemas tropicais de recifes de corais e o derretimento do permafrost no solo ártico exigirão um nível de resiliência ainda não experimentado. Com todo tipo de dores, perdas e custos.
Voltemos aos números. No apagar das luzes da COP29, o máximo que os diplomatas do clima conseguiram foi o aporte chorado de, no mínimo, US$ 300 bilhões até 2035 e a “promessa” de esforço conjunto, entre governos e empresas, para chegar à cifra considerada “necessária” de US$ 1,3 trilhão, aumentando mais à frente o apoio para algo como US$ 250 bilhões por ano. Há quem defenda a urgência de um cálculo menos conservador: US$ 6,7 trilhões seria, na verdade, o montante adequado para barrar o caos climático.
À primeira vista, o pacote pode até parecer generoso. Sejam os US$ 300 bilhões agora ou US$ 250 bilhões/ano possíveis no futuro, os valores seguem, no entanto, aquém das obrigações contratadas no Acordo de Paris (2015). Segundo a ciência do clima, controlar o curso do aquecimento global exigirá uma redução de 7,5% ao ano nas emissões a partir de agora, com financiamento começando hoje para resolver o problema até 2025. 2030 ou 2035 podem ser tarde demais.
Essa promessa de US$ 250 bilhões por ano soa ainda mais mesquinha se comparada a outros números. Representa só a quarta parte do orçamento de defesa dos EUA e 0,3% do PIB total dos países de alta renda, aqueles que historicamente mais contribuíram para o aumento do volume de CO2 na atmosfera. Em 2022, US$ 7 trilhões viraram subsídio para combustíveis fósseis.
O dinheiro existe. As energias renováveis estão ficando cada vez mais baratas. E o mercado de carbono tem surgido como um instrumento útil, embora não suficiente, para mitigação e adaptação climáticas. Não se trata de uma crise de recursos. Mas de natureza humana. Os que tomam a decisão sobre recursos parecem mais interessados em justificar a procrastinação do que com o bem comum. Como Caetano na música com a qual abri o artigo, não espero pelo dia em que todos os homens concordem. Apenas sei de diversas harmonias bonitas sem juízo final.
Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável, fundador da Plataforma Liderança com Valores, mentor e conselheiro de sustentabilidade