Para onde a China vai puxar o mundo?
A China acelera menos do que o esperado, mas ainda assim acima de 5% (quase o dobro do restante do planeta), um baque frente ao crescimento das últimas décadas. A questão passa a ser se seguirá protagonista da economia global
Por Jaqueline Mendes
Na segunda-feira (10), as ações da mineradora Vale contaminaram o clima na bolsa. A queda de 1,36% da VALE3 foi a maior entre os principais papéis negociados no Brasil e ajudou a empurrar o Ibovespa para um recuo de 0,81%. Mas essa performance ruim da Vale não teve relação direta com os números da empresa. Teve com a China.
A segunda maior economia do mundo está crescendo em ritmo mais lento do que se esperava, depois de fechar 2022 com alta de 3% — uma ninharia para os padrões chineses e o segundo pior da história, só melhor do que a de 2020, quando a pandemia fez o país encolher 2,2%.
Ainda assim melhor que os 2,1% dos Estados Unidos em 2022. Horas antes da queda da Vale na bolsa de São Paulo, a agência de risco Standard & Poor’s havia revisado de 5,5% para 5,2% a projeção de alta no PIB da China em 2023.
5,2%
é a previsão da agência de risco Standard & Poor’s para o PIB chinês neste ano, a estimativa anterior era de alta de 5,5%
8,7%
Foi o crescimento médio da China entre 1994 e 2022 feito difícil de sustentar por tanto tempo
Mas crescer acima de 5% é bom ou ruim? Depende. Mesmo que a economia cresça menos do que o esperado, os quase 1,4 bilhão de pessoas não deverão reduzir o consumo de alimentos. Uma boa notícia para a agropecuária.
Por outro lado, setores como construção civil e automóveis, bens que tendem a ser mais impactados por uma expansão mais tímida da riqueza, devem sentir mais.
E isso explica o mau-humor dos investidores com as perspectivas de exportação de minério de ferro da Vale.
Para o estrategista-chefe do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli, a retomada da China ainda está em uma fase inicial. A recuperação da mobilidade atingiu o seu pico, mas outros segmentos da economia, sobretudo o mercado de trabalho, continuarão a melhorar nos próximos trimestres. “Mantivemos a nossa previsão de crescimento do país acima de 6% em 2023 e 6,1% em 2024”, afirmou.
Na visão dele, o mercado de trabalho chinês deve puxar para cima o país nos próximos meses, dissipando as preocupações em relação à capacidade de reação.
“Além disso, o forte crédito no primeiro trimestre deverá impulsionar a procura interna nos próximos trimestres”, disse. “E nesse ponto o Brasil está bem posicionado para se beneficiar do nearshoring, dado o seu baixo risco geopolítico e a sua participação ainda reduzida nas cadeias de abastecimento globais.”
O olhar otimista de Giacomelli com o crescimento chinês está em sintonia com a análise de Vyctor Fialho Nacarati Tavares, sócio e head da Valor Internacional. Para ele, a China está num timing diferente do restante do mundo, em um processo de corte nos juros.
Por isso, a previsão do PIB é de 5% neste ano, enquanto seus pares ainda estão contraindo a economia com a subida de juros, que mostra que a China está, de certo modo, em outro momento. “E isso é bom para o Brasil, que também está em processo de diminuir juros. A China é nosso principal parceiro comercial.”
Novos tempos
O desempenho da economia da China nesse momento pode soar estranho quando olhamos o histórico de longo prazo.
De 1994 a 2022, por exemplo, o PIB chinês cresceu, em média, 8,7% ao ano. Mas Diogo Catão, CEO da Dome Ventures, afirma ser impossível manter aquele ritmo ad aeternum e que o mundo tem que aprender a enxergar o país sob uma nova perspectiva e assim encontrar novos caminhos.
“É preciso entender que, no contexto mais amplo, há desaceleração natural nos últimos anos, especialmente no período pós-isolamento”, disse Catão.
“É normal, com ou sem pandemia, atingir um estágio de crescimento mais moderado após anos de desenvolvimento. Logo, não daria para manter dois dígitos nessa taxa de crescimento por toda a vida.”
Diogo Catão, CEO da Dome Ventures
Pensando nisso é que o presidente chinês, Xi Jinping, tem falado abertamente sobre ampliar as fronteiras da China. “Queremos implementar novos sistemas para uma economia aberta de alto padrão e para elevar proativamente a abertura do país a um novo nível”, disse ele à agência de notícias Xinhua na segunda-feira (10).
O fato é que na casa dos 8% ou na casa dos 4%, a economia chinesa continuará tendo papel central na engrenagem de crescimento da economia global, e isso também envolve o papel do país na guerra da Rússia. Nas últimas semanas Xi Jinping e o presidente russo, Vladimir Putin, mostraram alguma proximidade, o que deixou os países da Otan atentos.
De acordo com Welber Barral, estrategista de comércio exterior do Banco Ourinvest e ex-secretário de Comércio Exterior, se a tensão geopolítica arrefecer, mesmo que o PIB cresça 4% em 2023 e continue assim em 2024 e 2025, já está bom demais. “É bastante substancial por ser uma economia muito grande”, afirmou Barral. “A contribuição da China para o crescimento mundial será muito importante, inclusive para o Brasil.” Para alívio também dos investidores da Vale.