Perspectiva 2025

É hora de reeducar a sociedade sobre o papel do seguro

Tragédias como as enchentes registradas no Rio Grande do Sul em 2024 confirmam: o ambiente que habitamos está mudando e os riscos parecem crescentes

Crédito: Carlos Macedo

Estudo da Susep aponta que a lacuna de proteção ante os impactos das enchentes no RS chegou a 93%, somente 7% das perdas econômicas estavam seguradas (Crédito: Carlos Macedo)

O ANO DA COP 30  | MERCADO DE SEGUROS 

Por Luiz Fernando Castro e Marcos Falcão

Ondas de calor, chuvas intensas, frio incomum, inundações e secas. Relatório da Organização Meteorológica Mundial, publicado em maio, reporta que o Brasil enfrentou 12 eventos climáticos extremos em 2023, sendo nove deles considerados incomuns e dois sem precedentes. Se alguém ainda duvidava do impacto das mudanças climáticas no nosso dia a dia, tragédias como as enchentes registradas no Rio Grande do Sul em 2024 confirmam: o ambiente que habitamos está mudando e os riscos parecem crescentes.

O setor de seguros e resseguros chega a 2025, nesse contexto, com um desafio que vai além do crescimento. Se, por um lado, a maior frequência de catástrofes exige a reavaliação dos modelos de análise e precificação, por outro, reeducar de forma ampla a sociedade sobre o papel do seguro é primordial para ampliar a proteção das famílias, organizações e de toda a sociedade diante de um ambiente mais arriscado.

Ao longo dos séculos, tendo o gerenciamento de riscos como foco, independentemente da época, o mercado mundial de seguros e resseguros foi criado, se desenvolveu e estabeleceu seu elo na proteção da sociedade diante de um futuro incerto. A sinergia dos mais diferentes atores que atuam nessa indústria formou, ao longo do tempo, uma rede de proteção social contra diversos riscos, funcionando muito bem nas economias desenvolvidas.

(Divulgação)

Não faz muito tempo, um amigo me ligou para comentar que o preço do seguro de sua casa em Fort Lauderdale havia subido consideravelmente. Fort Lauderdale é uma cidade costeira, localizada no estado americano da Flórida, rota dos furacões. No bate-papo, chamei a atenção para a informação importante que o aumento do prêmio oferecia.

Conforme os modelos de previsão e precificação da seguradora, a casa dele corria um risco maior, e ele poderia sofrer sérias perdas. Diante disso, ou ele trocava de casa, buscando uma com risco menor e, consequentemente, com preço do seguro menor, ou fazia o seguro, pois estaria exposto a riscos e poderia sofrer perdas.

O exemplo acima expõe a relevância do setor de seguros e resseguros para a sociedade. Não estar atento a uma informação como essa – de que sua casa corre mais risco, e você pode ter perdas – ou mesmo não ter essa informação é entrar em um estado de negação. Ou seja, é ignorar a consciência de que os riscos existem e de como eles podem nos afetar.

E, nesse sentido, chamo a atenção para a lacuna de proteção no mundo. Trata-se da diferença entre as perdas econômicas e as perdas seguradas. No Brasil, esse gap é ainda maior, o que expõe a nossa sociedade de forma ainda mais dramática às mudanças climáticas. Veja, estudo técnico da Superintendência de Seguros Privados (Susep) aponta que a lacuna de proteção ante os impactos das enchentes no Rio Grande do Sul chegou a 93%, somente 7% das perdas econômicas estavam seguradas. Isso posiciona o Brasil entre os países com maior déficit, ao lado da China e da Índia, segundo a Confederação Nacional das Empresas de Seguros (CNseg).

Isso ocorre por diversos fatores, mas chamo a atenção para o fato de que perdas econômicas seguráveis não estarem seguradas mostra nossa incapacidade como sociedade. Os produtos do mercado segurador são instrumentos cruciais no processo de mitigação e adaptação aos riscos do clima. É urgente garantir que a proteção chegue à população não segurada, seja por novas soluções ou por políticas públicas.

O risco é um fator inerente às nossas vidas e termos a habilidade para lidar com ele permite minimizar as incertezas. Quanto mais desenvolvida a sociedade se torna, mais a gestão de riscos é necessária. E o instrumento do seguro, quando modelado e precificado de forma correta, possibilita a proteção do futuro de pessoas e patrimônios, contribuindo para o crescimento e bem-estar coletivo.

O mutualismo é um dos princípios básicos do seguro. Na essência, todos os participantes contribuem com uma fração do bem segurado para uma seguradora, para que quando ocorra o prejuízo (sinistro) a indenização seja paga unicamente a quem precisa. É, de maneira simples, o princípio de “um por todos e todos por um”.

É interessante pensar que esse conceito está diretamente ligado ao de cidadania. De coletividade. O síndico de um condomínio organiza a dedetização de todos os apartamentos do prédio ao mesmo tempo, pois se cada um organizar de forma independente não há garantia de eliminação das pragas. Colocar o bem comum em primeiro lugar e atuar para promovê-lo é a melhor forma de proteger a sociedade. E o seguro nada mais é que um instrumento para exercer a cidadania.

Quando a rede de proteção da sociedade funciona efetivamente, a exemplo do que ocorreu na tragédia do Rio Grande do Sul, o prêmio recebido e investido pelo setor de seguros e resseguros gera uma poupança que garante, de forma célere, o pagamento de sinistro a quem, de fato, precisa. Sem necessitarmos de doações privadas ou recursos extraordinários provenientes do poder público. É o puro conceito de solvência a serviço da sociedade. Para lidarmos com ambientes mais arriscados, como os observados em alguns países desenvolvidos, vislumbramos o crescimento da participação do seguro na cesta de consumo dos brasileiros. O desafio, como sociedade, é mobilizar a população por meio da educação e de uma comunicação efetiva, que esclareça, inspire e incentive um comportamento responsável de olho no bem-estar coletivo. Do contrário, permaneceremos atrasados e vulneráveis.