Perspectiva 2025

Setor energético vive momento de transformação

O Brasil avançou em 2024 nas iniciativas e estratégias que permitiram o fortalecimento da resiliência do setor elétrico em resposta às mudanças climáticas

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Wilson Ferreira Jr.: "O setor elétrico brasileiro é particularmente um dos sistemas mais vulneráveis às condições climáticas" (Crédito: Divulgação)

O ANO DA COP 30  | ENERGIA

Por Wilson Ferreira Jr.

Globalmente, o setor energético vive uma intensa transformação impulsionada por uma série de fatores interligados, como a transição para fontes renováveis, avanços tecnológicos, mudanças nos padrões de consumo e a crescente preocupação com a sustentabilidade ambiental. Os vetores desta transformação são a aceleração na adoção de fontes de energia renovável, como solar, eólica, biocombustíveis, combustíveis sintéticos e o armazenamento de energia.

A integração de tecnologias digitais, como Internet das Coisas, Inteligência Artificial e blockchain, está modernizando a gestão e operação do setor elétrico e criando canais de comunicação com os consumidores de energia, produzindo bens e serviços adaptados às necessidades dos clientes.

Por sua vez, o deslocamento da geração de energia de centrais de grande porte para sistemas descentralizados, como painéis solares residenciais, está promovendo maior autonomia energética, maior resiliência e confiabilidade. No Brasil, segundo a Aneel, até o final de 2024, 1,2 milhão de sistemas estarão conectados à rede elétrica totalizando cerca de 4,5 GW. O ONS, por sua vez, estima que, até 2028, a capacidade instalada de sistemas descentralizados atinja 15 GW, inferior somente à capacidade instalada de usinas hidrelétricas.

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E, não menos importante, a necessidade de adaptação às mudanças climáticas com eventos cada vez mais frequentes e severos trazendo desafios que impactam toda a cadeia de energia. No caso brasileiro, o setor elétrico é particularmente um dos sistemas mais vulneráveis às condições climáticas interferindo na disponibilidade de recursos, como a água, a irradiação solar e os ventos, danos nas infraestruturas energéticas e aumento da demanda de energia devido a ondas de calor.

Em 2024, o setor energético brasileiro passou por significativos avanços que visaram promover a sustentabilidade, a eficiência e a modernização do setor.
● Em janeiro de 2024, todas as unidades consumidoras conectadas em média ou alta tensão puderam optar pela compra de energia elétrica de qualquer fornecedor do mercado livre.
● Até outubro de 2024, o mercado livre de energia no Brasil registrou um aumento significativo no número de consumidores.
● De janeiro a outubro, 20.973 unidades consumidoras migraram para o Ambiente de Contratação Livre (ACL), triplicando o total de migrações em comparação com todo o ano de 2023.
● Pequenos negócios representaram 77% das migrações em 2024 buscando maior autonomia e economia na contratação de energia elétrica.

Em 2025, esperamos a definição do cronograma de abertura do mercado para os consumidores industriais e comerciais da baixa tensão e, posteriormente, para todos os consumidores residenciais.

O Brasil deu, também, passos decisivos para a promoção da energia sustentável, através da promulgação da Lei do Combustível do Futuro que estabeleceu o programa nacional para o desenvolvimento e uso de combustíveis sustentáveis como o diesel verde, combustível sustentável para aviação e biometano. Adicionalmente, também foi aprovado o Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, que constitui incentivos fiscais para a produção e uso do hidrogênio produzido com baixa emissão de carbono.

 

Em 2024, o Brasil enfrentou desafios devido a uma seca histórica que afetou a geração de energia hidrelétrica, sem contudo afetar a garantia de suprimento energético devido à inserção e ampliação de outras fontes

Da mesma maneira, foi aprovada no Congresso Nacional a regulamentação do mercado de carbono, com a qual se criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa, que estabelece limites de emissões para setores específicos da economia, permitindo a negociação de cotas de emissão e certificados de redução ou remoção verificada de emissões de gases do efeito estufa. Esperamos que na sanção presidencial do Marco Legal das Eólicas Offshore seja feita a supressão de todos os dispositivos alheios à proposta original, que apontam para um risco de aumento de tarifas da ordem de R$ 25 bilhões anuais.

Aguarda-se a aprovação do PL 327/2021, que institui o Paten (Programa de Aceleração da Transição Energética), que traz a discussão sobre o papel dominante da Petrobras na comercialização do gás natural. Para tanto, apresenta uma emenda obrigando a realização de leilões compulsórios do combustível, conhecido como gás release. Espera-se, com esta medida, o aumento da competição no mercado e a redução dos preços para o consumidor e a substituição de combustíveis com maior pegada de carbono por gás natural. Por fim, espera-se que a ANP emita regulamento para aprimoramento do arcabouço regulatório referente à estocagem de gás natural no Brasil, permitindo, assim, gestão mais eficiente das oscilações de demanda do gás, e da intermitência da geração hidrelétrica.

Em 2024, o Brasil enfrentou desafios significativos no setor elétrico devido a uma seca histórica que afetou a geração de energia hidrelétrica, principal fonte de eletricidade do País, sem contudo afetar a garantia de suprimento energético devido à inserção e ampliação de outras fontes, como eólica, solar e térmicas a gás natural, que hoje respondem por parcela relevante da capacidade instalada brasileira possibilitando uma complementariedade natural da oferta de energia entre as diversas fontes a um sistema de transmissão robusto e ramificado por todas as regiões do País, interligando bacias hidrográficas e centros de cargas, transmitindo grandes blocos de energia por milhares de quilômetros com alta confiabilidade.

O Brasil deu passos decisivos para a promoção da energia sustentável com a Lei do Combustível do Futuro, que estabeleceu o desenvolvimento e uso do diesel verde, combustível para aviação e biometano

Essas características fazem com que mesmo na ocorrência de secas severas, como as ocorridas em 2021 ou 2024, o sistema elétrico seja ainda capaz de atender os consumidores de forma segura, sem risco de racionamento de energia. Estudos realizados pelo ONS demonstram que até o horizonte de 2028 não há risco de faltar energia.

Entretanto, a forte expansão das fontes renováveis gerou novos desafios para a operação do sistema elétrico. No final da tarde, quando há coincidência da saída da geração solar com o aumento da carga de energia, ocorrem elevações de carga superiores a 32 GW em 3 horas, que é equivalente a dar a partida em três usinas de Itaipu do zero, que pode ser compensada com o aumento da potência das hidrelétricas, se existir disponibilidade ou requerer o acionamento de térmicas para a atendimento à ponta do sistema. O sistema elétrico brasileiro não havia sido projetado para o equacionamento desta questão, já que, historicamente, o atendimento ao requisito de energia garantia o atendimento à demanda máxima do sistema. Por esta razão, foram criados novos mecanismos como os leilões de reserva de capacidade para que se possa acionar térmicas ou hidrelétricas nestes períodos. Porém, uma nova alternativa vem surgindo em outros países: o atendimento na demanda por sistemas de armazenamento como as baterias de íon-lítio.

Nesse sentido, o Ministério de Minas e Energia vem sinalizando a realização de leilão de contratação de sistemas de armazenamento em um próximo leilão no ano de 2025 para o atendimento à rampa do final da tarde. A grande flexibilidade das baterias pode ser atestada considerando que no Brasil já existe um sistema de armazenamento operando na subestação de Registro (SP), que produz 30 MW por duas horas atuando nos momentos de pico de consumo do litoral sul paulista, durante o verão. Conforme mostrado, o Brasil avançou em 2024 nas iniciativas e estratégias que permitiram o fortalecimento da resiliência do setor elétrico em resposta às mudanças climáticas. Entretanto, desafios antigos ainda não foram equacionados.

A trajetória insustentável de crescimento dos subsídios no setor elétrico, muitos dos quais não se justificam, como os incentivos ao carvão mineral e às fontes de energia solar e eólica, que hoje já se mostram competitivas no mercado, que na sua totalidade, em 2024, atingirá o valor de R$ 38,5 bilhões, cerca de 14% da tarifa de eletricidade, fazendo com que o Brasil seja um dos países com tarifa mais alta de energia do mundo, apesar de seu enorme potencial de gerar eletricidade a custo baixo.

Com o advento da indústria 4.0, a mineração de bitcoin, a proliferação de data centers, a expansão do e-commerce, a maior penetração de veículos elétricos, a chegada da computação quântica e o desenvolvimento das ferramentas de Inteligência Artificial, haverá um aumento estrutural na demanda energética global. E, com isso, a implantação dessas novas tecnologias em sistemas com preços de energia competitivos, com menor emissão de gases do efeito estufa e com confiabilidade de suprimento. Considerando os itens, o Brasil será um destino certo para a atração desses investimentos.

No último quesito, entretanto, o Brasil tem muito a melhorar. A duração equivalente de interrupção por unidade consumidora (DEC), em 2023, foi de 11 h/ano sem contar o expurgo de dias críticos de mais 9h/ano. Nos EUA, no mesmo ano, foi inferior a 2 horas/ano. Imprescindível para a atração de investimentos de alta tecnologia ter níveis de confiabilidade equivalentes aos dos países desenvolvidos. O recente decreto de prorrogação das concessões de distribuição é uma excelente oportunidade para equacionar estas questões.