BR Angels entrevista

Entrevista

Orlando Cintra, CEO do BR Angels

Não existe uma senha do cofre para que uma startup consiga receber investimento

Divulgação

Não existe uma senha do cofre para que uma startup consiga receber investimento

Editora Três
Edição 14/07/2023 - nº 1333

Por Celso Masson

Nascido em São Paulo e criado na vizinha Mogi das Cruzes, Orlando Cintra começou a trabalhar aos 14 anos. Segundo ele, menos por necessidade e mais pelo desejo de aprender.

Seu primeiro emprego foi como justamente como aprendiz em uma indústria farmacêutica. A entrada no setor de tecnologia se deu por volta dos 18 anos, quando passou a cursar Ciências da Computação.

Anos depois, sua trajetória o levaria até o cargo de vice-presidente da SAP no Brasil. Saiu da empresa em 2019 para montar o BR Angels Smart Network, uma plataforma de investimento anjo que hoje reúne mais de 250 CEOs e empresários dispostos a empenhar capital financeiro e intelectual para impulsionar startups.

A cada ano, cerca de 6 mil empresas são impactadas por ano pelo BR Angels, que já direcionou cerca de R$ 65 milhões para o setor.

Para fortalecer o smart money, o BR Angels estruturou grupos multidiciplinares que dão todo o suporte necessário às suas investidas, em diferentes temas, de finanças a compliance. “Eu sempre fui um animal corporativo. Hoje, eu sou um animal muito mais empreendedor”, afirmou Cintra à DINHEIRO.

O que você fazia antes de decidir fundar o BR Angels?
Eu trabalho desde os 14 anos e sempre tive duas grandes paixões: cinema e tecnologia. Foi por meio de um filme, Jogos de Guerra (1983), que eu vislumbrei a chance de poder me dedicar profissionalmente à área de tecnologia. Mesmo sabendo que era ficção, um menino que acessa computadores da Nasa, achei aquilo fantástico. Comecei a brincar com um microcomputador que naquela época nem mouse tinha.

Depois de ter trabalhado apenas como office boy, consegui entrar para a área de TI de uma empresa. Segui essa carreira até chegar à vice-presidência da SAP no Brasil. Eu trabalhava lá quando me tornei investidor anjo, anonimamente. E aconteceu um fato curioso: um empreendedor me procurou perguntado se eu conhecia alguém da SAP. Eu entendi o que ele precisava, mas percebi também que aquele sistema de investimento anjo poderia ser mais smart.

Foi assim que surgiu a ideia do BR Angels?
Eu já tinha um portfólio de investimentos anjo quando comecei a notar o quanto esses grupos poderiam eventualmente ser melhorados. Principalmente na parte de processo. Todo mundo falava do smart money, mas o smart mesmo não funcionava. O BR Angels surgiu não só para preencher a lacuna de atuação com smart money identificada entre os grupos de investimento anjo do Brasil, mas também para suprir a falta de associações compostas por CEOs, conselheiros e empreendedores dentro do segmento de startups no País. O smart é o grande diferencial do BR Angels.

De que forma isso funciona na prática?
Eu sei que a gente ainda não chegou à perfeição nisso, mas estamos tentando tracionar. Sempre fui um animal corporativo, hoje eu sou um animal muito mais empreendedor. O conhecimento que eu adquiri enquanto era remunerado para entregar resultado, agora eu aplico para melhorar a gestão e a estratégia de negócios que estão nascendo. Corremos o risco junto. Um cara chega com a ideia, mas sem o conhecimento dos processos. Nós temos experiência, networking e influência para acelerar a startup.

Faz parte das atribuições do investidor anjo dedicar algumas horas à mentoria. Houve algum caso em que você aprendeu mais que ensinou?
Eu diria que você ensina bastante e acaba prendendo talvez na mesma proporção. Um investidor anjo precisa ter humildade. É muito fácil chegar para uma startup achando que você sabe tudo, porque você tem mais experiência. Mas não é assim que funciona. Você tem que entender primeiro o que aquele fundador ou grupo de fundadores quer. Quando você tem a humildade de perguntar ao invés de falar, pode ajudar muito mais.

É uma via de mão dupla onde você leva informação, traz informação, coloca coisas da sua história. Um case prático em que eu aprendi muito foi com a Home Agent, que colocou o telemarketing a serviço da inclusão social e da mobilidade urbana. Ela foi criada pelo Fabio Boucinhas, um empreendedor fabuloso [um dos herdeiros da Boucinhas Consultoria, fundada em 1947, ele começou a empreender aos 23 anos dentro da própria Boucinhas, com uma incubadora de projetos de internet].

Que resposta o fundador de uma startup deve saber responder para que receba investimento do BR Angels?
Não existe uma pergunta só, uma fórmula mágica ou uma senha do cofre para que uma startup consiga receber investimento. É um conjunto de coisas que acabam culminando na decisão de se investir. É importante frisar que não é só investidor que escolhe a startup. Muitas vezes é o contrário. Em algum momento da análise, quando a gente já está ali olhando a parte financeira, entendendo as intenções do empreendedor, é comum ouvir a seguinte pergunta: ‘Onde vocês acham que eu estou errando?’. Ele quer fazer melhor e está aprendendo com o processo, mesmo que não receba investimento.

Quem procura o BR Angels quer mais o dinheiro ou conhecimento?
Eu diria que grande parte dos candidatos estão buscando muito mais expertise que dinheiro. Ele poderia buscar um fundo, um financiamento coletivo, mas o que fará a diferença para tracionar o negócio é o smart. Eu não me lembro de nenhuma startup que engajou num processo no nosso lado só olhando o dinheiro.

Quais são os pontos fundamentais da tese que vocês defendem?
Um dos pontos fundamentais é o quanto nós podemos fazer de diferença no negócio da startup — que é exatamente o smart — e como isso se dá na prática. A gente vai entender do negócio, como ele está sendo gerido e quais os objetivos que quer atingir. Se há um match com o que temos a oferecer, a gente consegue trabalhar fortemente. Esse é o primeiro ponto. O segundo, e muito importante, é o quanto aquele empreendedor está interessado em utilizar o que oferecemos. Se ele não aproveitar, seja por inexperiência ou por arrogância, será uma perda de tempo para os dois lados.

Como perceber se deu match?
Através de conversas, entrevistas, respostas a questionários, a gente consegue detectar um pouco disso. Nunca é perfeito, mas hoje a gente tem uma maturidade muito boa com relação a isso, então a gente consegue entender se esse grau de fit é baixo, médio ou alto.

Quanto tempo em média vocês levam para tomar a decisão de investir?
Pode levar de 15 dias a quatro meses. O ponto crucial não é a nossa velocidade, mas a velocidade que ele consegue responder às perguntas que são essenciais para o futuro da startup. O que define o prazo é o momento em que ela está. Imagina que nós temos aqui 250 pessoas fazendo perguntas e do outro lado uma equipe ultrarreduzida tendo de responder a todas elas. Quanto mais rápido a startup responde mais rápido a gente consegue andar com esse processo. A gente tem a dádiva de reunir investidores de alto nível que se propõem a avaliar cada proposta.

E quanto essas pessoas estão dispostas a investir?
Nosso tíquete vai de R$ 300 mil a R$ 5 milhões, mas esse valor é dividido em cotas de R$ 25 mil por investidor. Quem está buscando R$ 10 milhões sai do nosso foco. Pode acontecer de a gente coinvestir, entrar com um pedaço, mas já sai um pouco do nosso radar. Olhamos para o mercado endereçável: qual é a chance desse negócio morrer? Qual é a chance de ele estourar e virar um unicórnio?