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Correios, Infraero e EBC: Lula pode vender participação em estatais deficitárias

Lula e PT evitam termo privatização, símbolo da polarização com PSDB. Preferem parceria e concessão. Mas presidente tem “refletido seriamente” sobre estatais que deverão ser entregues à iniciativa privada e as que permanecerão sob controle da União

Crédito: Joédson Alves/Agência Brasil

Com mais de R$ 2 bi de déficit em 2024, Correios precisarão melhorar saúde financeira (Crédito: Joédson Alves/Agência Brasil)

Por Viviane Monteiro

RESUMO

● Lula e PT evitam termo privatização, símbolo da polarização com PSDB
● Preferem parceria e concessão
● Mas presidente tem “refletido seriamente” sobre estatais que deverão ser entregues à iniciativa privada
● E sobre as que permanecerão sob controle da União

Marcado pelas críticas às privatizações do governo FHC e por ter retirado estatais do Plano Nacional de Desestatização de Jair Bolsonaro, o governo Lula discute outro caminho: a venda de participações ou concessões de empresas deficitárias, como Correios, Infraero Aeroportos e Empresa Brasil de Comunicação (EBC), para revitalizar companhias com rombos recorrentes em tempos de restrições orçamentárias.

As três estatais, revela a ISTOÉ um integrante do alto escalão do governo, estão entre os ativos que uma comissão interministerial poderá incluir no projeto de modernização tocado sob a coordenação da Casa Civil e dos ministérios da Fazenda e da Gestão Inovação em Serviços Públicos (MGI).

O governo pretende arrecadar R$ 15 bilhões com eventuais vendas ou concessões de ativos das companhias escolhidas.
● Entre os maiores, os da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos somam algo entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões.
● Um decreto publicado em 9 de dezembro de 2024 reestrutura a Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR).
● Ela deverá aprovar diretrizes e estratégias nas estatais e dar parecer nos processos de aquisição e venda de participações da União.
● O novo texto resgata o espírito da lei das privatizações de 1997 que integrou o arcabouço jurídico do governo tucano na onda de desestatização de empresas públicas.

O Secretário Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Casa Civil, Marcus Cavalcanti, afirma que as estatais já vinham apresentando prejuízos no governo Jair Bolsonaro, mas os dados eram maquiados no teto de gastos apresentado pelo ex-ministro da Fazenda, Paulo Guedes. O governo anterior, destaca Cavalcanti, permitia aportes de recursos nas estatais fora do teto. “Agora, a União só pode botar dinheiro nessas empresas dentro do limite do arcabouço fiscal”.

A informação desmonta e desnuda mais uma fake news das principais retóricas de Bolsonaro: a de que as estatais em seu governo davam lucro.

Divulgação

“Cidadão não quer saber se o crachá do atendente é de funcionário público, contratado ou parceiro. Deseja bom serviço a preço razoável.”
Marcos Cavalcanti, secretário especial do Programa de Parcerias de Investimentos da Casa Civil

Sem margem para gastos, em meio ao cenário de previsão de desaceleração econômica para 2025 e 2026, a possibilidade de socorro financeiro do governo Lula 3 às empresas públicas deficitárias será praticamente nula ao menos nos próximos cinco anos.

Isso porque a União conta somente com R$ 55 bilhões de recursos discricionários. O restante é vinculado, carimbado e está nos cofres com destino decidido antes de partir. Dessa forma, não sobra espaço para investir em estatais deficitárias e dependentes do Tesouro. É grande desafio para Lula, que quer arrumar a casa de companhias retiradas do programa de privatização do governo anterior.

Iniciativa privada

Fontes dos grupos interministeriais revelam que o presidente Lula está “sensível a refletir” sobre o que deve ser gerido pelo governo e a fatia a ser entregue à iniciativa privada. Tem feito “escuta” com os 17 ministérios com estatais vinculadas em busca de soluções. O entendimento é de que cada órgão fará um “pente-fino” nas respectivas companhias e verificará o que vale a pena ser mantido sob gestão pública e o que deverá ser passado para frente em relação às companhias vinculadas a praticamente todos os ministérios.

A decisão poderá provocar o deslocamento da gestão Lula mais para algo identificado como postura de centro-direita, com um debate mais aberto sobre privatizações, como querem as forças conservadoras. Lula e o PT sempre se desviaram da expressão “privatização“ por se tratar de um dos temas centrais que marcaram a longa polarização com o PSDB, preferindo modelos de concessão e, agora, venda de ativos.

Nesse tipo de modernização das estatais, o que se discute é um modelo de parceria público-privada (PPP) em um conceito que os gestores chamam de “inovação democrática participativa”. Na eventual venda ou concessão de estatal, o governo faria um plano de aposentadoria e demissão voluntária e buscaria alternativas para que a empresa vencedora pudesse acolher os funcionários.

Antonio Cruz/ Agência Brasil

“Poderemos concluir que alguma empresa deve ser remodelada ou deixar de ser estatal, mas o objetivo principal do programa é viabilizar todas.”
Elisa Leonel, secretária de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Gestão e Inovação

Vinculado ao Ministério das Comunicações, os Correios, que possuem cerca de 85 mil funcionários, está entre as estatais deficitárias na mira do governo para melhorar a saúde financeira.

● As estimativas são de que a companhia tenha fechado 2024 com déficit acima de R$ 2 bilhões, superando os R$ 597 milhões de 2023 e os R$ 808 milhões de 2022.
● Há três anos, depois de leiloadas, a BR Distribuidora, um dos braços da Petrobras, e a Eletrobras, a Câmara dos Deputados chegou a aprovar um projeto de lei que inclui no grupo os Correios, mas a matéria empacou no Senado.
● No ano passado, a direção dos Correios revisou a previsão de receita para R$ 20,1 bilhões, ante R$ 22,7 bilhões, em razão de frustrações de recursos no caixa.
● Entre os fatores alegados destacam-se a herança deficitária da gestão anterior, de quase R$ 1 bilhão, além da estimativa de perda de R$ 1 bilhão em razão do impacto negativo da chamada “taxa das blusinhas”, a partir de agosto, quando entrou em vigor a lei que acabou com a isenção do imposto de importação de compras em sites internacionais de até US$ 50 (R$ 300,11).
● A queda violenta de importações de produtos até esse teto, sobretudo vestuário, derrubou o volume de entregas dos Correios pelo País.

Também retirada do plano de desestatização em 2023, a Infraero, responsável pela gestão administrativa e operacional de 15 aeroportos, entre eles o belo Santos Dumont, no Rio de Janeiro, apresentou déficit de R$ 536 milhões no ano passado, mantendo a tendência de perda de receita na esteira da transferência gradual da administração dos grandes aeroportos para concessionárias privadas iniciada no governo Dilma Rousseff.

Recentemente o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou a concessão de cem pequenos aeroportos regionais, processo que deverá começar a partir de março deste ano. A decisão coloca em xeque a expectativa de sobrevivência da estatal que, há cerca de três anos, recebeu mais de um R$ 1 bilhão para fazer um plano de demissão voluntária (PDV) e enxugamento de estruturas, ainda pendente.

Com orçamento de R$ 950 milhões previstos para este ano, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que inclui rádio, tevê e agência de notícias, criada em 2027 no primeiro governo Lula, também está na mira do governo entre as companhias deficitárias. De janeiro a novembro do ano passado, 13 estatais federais apresentaram déficit recorde de R$ 6,04 bilhões, atesta o Banco Central.

A situação vem sendo minimizada pela ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), Esther Dweck. Segundo ela, nove dessas 13 estatais são superavitárias e o governo está atento à sustentabilidade das empresas públicas. “Não à toa o presidente Lula assinou decreto para gente discutir a reestruturação de empresas estatais para que possamos melhorar a saúde financeira delas.”

Em entrevista à ISTOÉ, a secretária de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do MGI, Elisa Leonel, afirmou que “a proposta é modernizar e cuidar da saúde financeira de todas as companhias públicas”. Embora os Correios e a Infraero não estejam por enquanto na lista das estatais que assinaram acordo para remodelagem de negócios, elas participam de fóruns de boas práticas e de capacitação de gestores e ações de modernização. “O fato de não terem assinado acordos não quer dizer que a gente não esteja olhando atentamente para elas e discutindo como fortalecê-las”, acrescenta Elisa.

A secretária confirmou, contudo, que o governo analisa criteriosamente o desempenho das estatais. “Poderemos chegar à conclusão de que alguma empresa tem que ser remodelada, outra deixar de ser estatal, mas isso não é o objetivo principal programa.” A meta, destaca ela, é estabelecer uma estratégia geral de fortalecimento e governança das companhias.

Enxugamento

A modernização das estatais prevê, entre outros pontos, formação e capacitação de gestores e servidores públicos pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e em parcerias com universidades. Envolve ainda ações com Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para distribuição de bolsas de pesquisa em governança de estatais. A secretária descarta eventuais impactos do processo nas contas públicas. Destaca que os recursos são previstos nos orçamentos das companhias.

Em outra frente, o programa busca o enxugamento das estruturas e novos modelos de negócios com viabilidade econômica para que as companhias deficitárias tenham “vida própria”, explica o secretário Marcus Cavalcanti.

Empenhado no monitoramento de decretos presidenciais que orientam a modernização e na análise das estruturas das estatais, Cavalcanti defende a manutenção de algumas dessas empresas para o cumprimento de políticas públicas, mesmo que deficitárias. Caso dos Correios, que se queixa de perda de receita em decorrência da “taxa das blusinhas”.

“Nem tudo é para dar lucro e o Brasil não se resume à Avenida Paulista e à Avenida Sete de Salvador”, disse, citando regiões nobres de São Paulo e da capital baiana, onde há facilidade logística e oferta de serviços postais.

Para ele, os Correios precisam adequar as despesas ao tamanho das receitas e buscar outros nichos de mercado, como entrega de medicamentos em hospitais e livros didáticos nas escolas. “Em vários países do mundo os correios continuam existindo. Nos EUA existe uma caixa de correio estatal em quase toda esquina. Precisamos é adequar a estrutura das empresas.”

As estatais deverão apresentar soluções para continuar sob gestão da União porque não há previsão de aportes do Tesouro para cobrir déficit. “As empresas terão que apresentar à comissão interministerial possibilidades de melhoria na prestação de serviços, eficiência e menor custo para a população e também o Tesouro.”

Para Cavalcanti, as concessões e PPPs representam avanço na forma de prestação de serviço público. “A população não quer saber se o crachá do atendente é de funcionário de empresa pública, contratada ou parceira. Deseja serviço de qualidade a preço razoável.”

Nos dois primeiros anos do governo Lula 3, os contratos fechados em programas de parcelamento incentivados (PPIs) totalizam R$ 160 bilhões, de concessões de transmissões, rodovias, arrendamentos portuários e de parques florestais à recuperação de áreas degradadas em troca de crédito de carbono. O verdadeiro patrão — o contribuinte — pede responsabilidade e equilíbrio nesses processos.