Nvidia: como a gigante liderou a revolução da IA
Com um pé na robótica e outro na Inteligência Artificial, a Nvidia começa o ano em crescimento exponencial, lança soluções para várias áreas de negócios e tira da Apple o posto de empresa mais valiosa dos Estados Unidos
Por Airton Seligman
Se há uma empresa cujos números podem ser chamados de acachapantes é a Nvidia. A companhia, célebre por seus chips para games, acaba de atingir valor de mercado de US$ 3,44 trilhões (atualização da Nasdaq de 21 de janeiro de 2025). É a mais valiosa companhia americana hoje – mais do que a Apple (dados da consultoria Elos Ayta, também de 21 de janeiro). Só no terceiro trimestre de 2024 (último levantamento disponível), alcançou receita de US$ 35 bilhões, praticamente o dobro do conquistado no mesmo período de 2023 (alta de 94%). Foi um salto de 17% sobre o trimestre anterior. A Nvidia nada, surfa, deita e rola em inovação. Os números gritantes vêm daí: seus chips e soluções foram além dos games e agora são a bola da vez em Inteligência Artificial, tecnologia que está transformando os negócios em todo o planeta.
Para se ter uma ideia da importância dessa ferramenta na transformação da economia mundial, basta dizer que o novo presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou entre suas prioridades, logo na sua primeira semana na Casa Branca, investimentos de US$ 500 bilhões em IA por meio do Stargate, uma entidade que será criada em parceria com as empresas OpenAI, Oracle e Softbank para a construção de projetos. Ela deve estabelecer a infraestrutura física e virtual necessária para impulsionar a próxima geração de avanços em IA, incluindo a construção de “centros de dados colossais”, nas palavras do republicano. E nada disso seria possível sem o desenvolvimento impulsionado pela Nvidia.
Alguém pode pensar que as Big Techs ficaram surpresas com o crescimento exponencial da “sexta big tech”, como a Nvidia passou a ser chamada no ano passado, quando chegou à marca de US$ 2 trilhões em valor de mercado, apenas nove meses depois de galgar o primeiro trilhão. Apple, Alphabet/Google, Amazon, Meta e Microsoft não são concorrentes da companhia fundada há pouco mais de três décadas pelo CEO Jensen Huang. Tirando a Apple, que trabalha em segredo absoluto em hardware e software, são parceiras.
US$ 3,44 trilhões é o valor de mercado da Nvidia, atingido em 21 de janeiro
Além de Microsoft, Amazon, Google e Meta, a Nvidia mantém colaborações estratégicas com várias das maiores empresas globais de tecnologia, fornecendo GPUs (Unidade de Processamento Gráfico, um chip de computador que processa gráficos e imagens) e soluções de ponta que alimentam data centers, plataformas de nuvem e iniciativas de IA em escala mundial.
Entre as mais conhecidas parceiras estão a Oracle, que utiliza as GPUs da Nvidia em suas soluções de nuvem, e OpenAI (dona do ChatGPT), que se apoia na tecnologia da Nvidia para treinar e executar seus modelos de Inteligência Artificial avançados.
Além destas, a companhia colabora com os grandes fabricantes de infraestrutura (OEMs) como Dell, Lenovo, HPE, Evidem e Supermicro. E com os GSIs (Global System Integrators), como Deloitte e Accenture. A Nvidia também trabalha em parceria com universidades renomadas mundo afora.
IA x GAMES
Na visão da corporação construída por Huang, nascido em Taiwan em 1963 e enviado aos EUA pelos pais quando tinha nove anos para escapar da instabilidade política, o grande destaque dos próximos anos é a Inteligência Artificial e o que gira em torno dela. Como soluções que permeiam diversas indústrias e aplicações.
A Nvidia está de olho, por exemplo, em robótica, vista como área de enorme potencial por seus estrategistas. Os investimentos em tecnologias desse tipo, como era de se esperar da empresa mais valiosa dos EUA, têm sido imensos.
A pergunta que fica é: os games vão perder relevância nos planos da gigante? Como explicou à DINHEIRO Marcio Aguiar, diretor da divisão Enterprise da Nvidia para América Latina, a empresa é dividida internamente em duas áreas: Consumer e Enterprise. Aguiar cuida da divisão Enterprise, que trata de Inteligência Artificial, robótica, carros autônomos, data centers, supercomputadores, gráficos profissionais etc. A divisão Consumer é mais focada nos games e no uso pessoal de GPUs (nesse caso, as conhecidas GeForce).
Segundo o executivo (leia entrevista completa a seguir), “os chips para Inteligência Artificial têm um papel fundamental no nosso portfólio, mas a área de games continua sendo um pilar estratégico. Ambas as frentes são importantes para nós”.
Para ele, no entanto, 2025 será um ano em que a IA vai ser fundamental. “A previsão é de que a demanda por tecnologias relacionadas à IA cresça exponencialmente, especialmente em setores que estão apenas começando a explorar seu potencial.”
Isso sem contar o incentivo às startups, empreendimentos de tecnologia que têm no DNA a inovação – o que em tradução livre pode-se ler como Inteligência Artificial. A Nvidia mantém um programa para desenvolver startups, o Nvidia Inception. Embora trabalhe com financiamento, não chega a ser um fundo de investimento: a Nvidia leva conhecimento e acelera empresas através das suas plataformas.
O programa é gratuito e foi desenvolvido para ajudar startups a evoluir mais rapidamente por meio de tecnologia de ponta, oportunidades de conexão com capital de risco e acesso aos recursos técnicos mais recentes da Nvidia.
Com um financiamento acumulado total de mais de US$ 60 bilhões e participantes em 90 países, o Nvidia Inception, diz a companhia, é um dos maiores ecossistemas de inicialização de IA do mundo.
Já são mais de 12 mil startups inscritas no mundo todo. Na América Latina, pouco mais de 500 já fazem parte do programa. No Brasil, o Nvidia Inception conta com startups em vários mercados, como finanças, saúde e segurança. Globalmente, os dois principais setores no ecossistema são saúde e serviços de TI.
Vale lembrar que a empresa que se inscreve no Inception tem créditos liberados para receber outro suporte para seu desenvolvimento – o Deep Learning Institute (DLI). O DLI da Nvidia oferece treinamento prático sobre IA e computação acelerada para desenvolvedores, cientistas de dados e pesquisadores.
SOLUÇÕES
O investimento intenso em Inteligência Artificial da Nvidia pode ser observado nos produtos que a empresa apresentou ao mercado mais recentemente.
● Um deles, o Nvidia AI Blueprint, lançado nos EUA no início de janeiro, é, de acordo com o fabricante, uma nova metodologia que oferece aos desenvolvedores tecnologias de IA generativa e visualização 3D para aprimorar as experiências de compras on-line e nas lojas. Em resumo, o plano – desenvolvido nas plataformas Nvidia AI Enterprise e Nvidia Omniverse – ajuda os desenvolvedores a criarem assistentes digitais movidos por IA que operam ao lado dos colaboradores humanos, apoiando-os. Esses assistentes digitais podem oferecer a expertise do melhor vendedor, estilista ou designer de uma empresa, e com isso aumentar a satisfação do cliente e a produtividade.
● A robótica foi base de outro lançamento deste ano com foco em IA. Na verdade, a plataforma Nvidia Isaac passou a ser usada para potencializar robôs com IA. Foi o próprio vice-presidente de robótica e computação de borda da Nvidia, Deepu Talla, quem explicou como a empresa e seus parceiros chegaram à solução. E o fez no palco de um dos maiores eventos de inovação e tecnologia do mundo, a CES 2025 (Las Vegas, 6 a 10 de janeiro). “Os robôs autônomos alimentados por Inteligência Artificial estão sendo cada vez mais utilizados para melhorar a eficiência, diminuir os custos e enfrentar a escassez de mão de obra”, afirmou.
● Também na CES, onde os bambambãs da tecnologia dão palestras e se apresentam em painéis, a Getty Images lançou uma IA generativa da iStock usando tecnologia Nvidia Picasso. A Getty Images, criadora de conteúdo visual e gestora de licenças, mostrou o Generative AI by iStock, serviço de geração de imagens acessível e, garantem os envolvidos, comercialmente seguro, treinado na biblioteca criativa de dados licenciados e proprietários da empresa.
Gigantes do setor de tecnologia não são concorrentes, mas parceiras da Nvidia em diversos projetos que envolvem inteligência artificial generativa
A LONGA JORNADA
Desde a fundação em 1993, a Nvidia (NASDAQ: NVDA) pegou o trilho da computação acelerada e em vários momentos foi pioneira. Computação acelerada, como define a empresa, é o uso de hardware especializado para acelerar significativamente o trabalho, muitas vezes com o processamento paralelo que agrupa tarefas frequentes. Ou seja, “ela transfere tarefas exigentes que podem sobrecarregar CPUs, processadores que geralmente executam tarefas em sequência”.
A liderança na IA, ferramenta que está revolucionando a tecnologia em todo o planeta, não ocorreu por acaso. A Nvidia apostou no pioneirismo já em 1999, quando inventou a GPU (Unidade de Processamento Gráfico, em inglês), estimulando o crescimento do mercado de games para PC e redefinido a computação gráfica. A GPU é um circuito eletrônico capaz de realizar cálculos matemáticos em alta velocidade. Operações de computação, como renderização de gráficos, machine learning (ML) e edição de vídeo, pedem a aplicação de cálculos matemáticos semelhantes em um volume grande de dados. A invenção da GPU iniciou a era da IA moderna e tem impulsionado a digitalização industrial em todos os mercados.
A Nvidia desenvolve recursos fundamentais para a revolução da IA generativa desde o início. Vale considerar que há uma década o fundador e CEO da Nvidia, Jensen Huang, entregou em mãos o primeiro supercomputador de IA, Nvidia DGX, para a OpenAI, empresa mãe do ChatGPT. Hoje, em grande parte graças ao ChatGPT, a IA generativa se tornou uma das tecnologias de crescimento mais rápido. Com isso, o executivo colocou sua empresa como motor dessa revolução. O valor de mercado astronômico atingido pela companhia, que surpreende os analistas, prova que estava certo desde o princípio.
Entrevista
Marcio Aguiar, diretor da divisão Enterprise da Nvidia para América Latina
“A IA, embora poderosa, é uma ferramenta que potencializa o talento humano”
Em 2025 a NVIDIA vai focar mais em chips para IA do que para games?
A Nvidia é uma empresa que sempre inovou em várias frentes tecnológicas, e nosso compromisso é atender às demandas de mercado onde quer que elas surjam. Os chips para Inteligência Artificial têm um papel fundamental no nosso portfólio, mas a área de games continua sendo um pilar estratégico. Ambas as frentes são importantes para nós
O mantra “Play the Game, the Score will Come” continua a orientar a empresa mesmo num mundo em que a Inteligência Artificial pode às vezes avançar sobre o talento humano?
Definitivamente, sim. Esse mantra representa a nossa filosofia de apostar no trabalho bem-feito, na inovação constante e no impacto positivo das nossas tecnologias. A IA, embora poderosa, é uma ferramenta que potencializa o talento humano. Nosso objetivo é criar soluções que possibilitem que as pessoas se destaquem ainda mais em suas áreas.
Como a NVIDIA se insere no grupo de Big Techs que agora apoiam Trump (Bezos, Zuckerberg, Musk)? Há alguma orientação sobre mudança de rota?
Atualmente, não há uma posição oficial da Nvidia com relação ao novo governo norte-americano.
Na produção de chips, é possível ter preocupação com a ética que será aplicada na formatação da IA que usará o chip? Tem como colocar algum mecanismo de bloqueio sobre o uso inapropriado do chip (tráfico de pessoas, violência infantil, crime organizado etc.)
Sim, a ética é uma prioridade em nossas operações. Trabalhamos para garantir que nossos chips sejam ferramentas poderosas para o bem. No entanto, a responsabilidade pelo uso da tecnologia depende também de regulamentações e das intenções dos desenvolvedores que utilizam nossos produtos. Estamos em constante diálogo com governos e parceiros para promover boas práticas e apoiar iniciativas que reforcem a segurança.
Há uma preocupação interna forte na Nvidia sobre ética no campo de IA? Um comitê de discussão, um board de consultores, ou algo deste tipo?
Sim, a ética em IA é um tema central para a Nvidia. Procuramos sempre nos adequar à ética e políticas dos países em que estamos. Nosso compromisso é ajudar a moldar um futuro em que a IA seja uma força positiva.
Quanto aumentou a demanda de 2023 para 2024? Quais os principais fatores que influenciaram esse aumento de vendas?
Houve um crescimento expressivo na demanda, impulsionado pela adoção de IA em diversos setores, incluindo saúde, finanças e varejo. Além disso, a expansão de supercomputadores e data centers alimentou uma necessidade crescente por GPUs de alto desempenho. Um exemplo disso é crescimento exponencial dos nossos balanços de resultados.
A América Latina e o Brasil especialmente contribuíram com quanto?
Não abrimos números específicos, mas posso dizer que América Latina desempenha um papel estratégico, com o Brasil e México liderando o caminho em termos de adoção de tecnologia. Os países têm se destacado em iniciativas de IA e computação de alto desempenho, e continuamos investindo para fomentar esse crescimento.
Em que ponto o Brasil é estratégico para a Nvidia?
O Brasil é um mercado-chave devido à sua crescente demanda por soluções de IA, especialmente em setores como energia, saúde, finanças, educação e varejo. Além disso, o país tem um ecossistema de startups vibrante e universidades renomadas, o que torna o ambiente propício para inovação.
É possível dizer que a IA vai puxar as vendas exponencialmente em 2025? Qual é a previsão?
Sim, a IA continuará a ser um catalisador para o crescimento. A previsão é de que a demanda por tecnologias relacionadas à IA cresça exponencialmente, especialmente em setores que estão apenas começando a explorar seu potencial.
Como a Nvidia se preparou para isso? Aquisições, novas fábricas, fusões, terceirização…
Nos preparamos com uma estratégia abrangente que inclui parcerias, aquisições estratégicas, expansão da capacidade de produção e pesquisa contínua. Um exemplo é o programa Inception, que apoia startups ao redor do mundo.