Teremos um bom 2024

Não pelos motivos mais higiênicos, republicanos ou civilizados. E em parte graças ao Centrão. Mas nada que assuste na nossa história

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Edson Rossi: "No fim das contas, comprar o Centrão (calma, gente, é só no sentido figurado) foi o melhor dos negócios deste governo" (Crédito: Divulgação)

Por Edson Rossi

Ainda não encontrei uma pessoa sequer que tenha ficado entristecida com a aprovação da Reforma Tributária. O que escrevi não significa que não haja pessoas críticas à reforma. Eu sou uma dessas pessoas. Não por sua aprovação. (Nisso há mérito). Mas pelos buracos que ela deixa. Bater palmas para algo que somente se tornará realidade daqui a tanto tempo é temerário.

E mais temerário ainda é não sabermos quem vai ganhar desonerações, e muito menos saber quanto eles levarão — e sempre serão bilhões. Isso tem cor, textura, cheiro e formato de Brasil em véspera de Copa do Mundo (inclusive feminina). Uma quase unanimidade achando que existe um time mais forte do que de fato se mostrará a realidade. OK, de esperança se vive…

De qualquer maneira, essa reforma foi aprovada porque há consenso sobre o lixo legal que faz do pântano tributário brasileiro um lugar em que nem mesmo o azucrim (para citar uma palavra mais afeita à terra de Arthur Lira) teria coragem de abrir sua quitanda. Não conheço empresário brasileiro com experiência em multinacional que não tenha passado pela necessidade rotineira de explicar às matrizes por que suas áreas tributárias são tão desproporcionalmente maiores que às de outros países.

“Ter o Centrão será decisivo para a governabilidade. Com inflação caminhando para o controle (graças ao BC e não ao governo), com crescimento (mesmo não sendo espetacular), com bom nível de emprego (mesmo que o informal predomine), com Selic menor (mesmo que em dois dígitos)… Economia terá um bom cenário”

Ou por que seus custos com escritórios de advocacia tributária consomem tanto. Nem mesmo por que seus balanços e demonstrativos precisam provisionar tamanha bufunfa para questões tributárias. Isso tudo explica muito o motivo pelo qual o governo (este, e qualquer outro anterior) festeja mais um Carf na mão do que uma reforma voando.

O lobby é de tal tamanho que teve até coleguinha (coloque aqui o nome de um profissional liberal de sua profissão) quase se transformando em porta-voz de prefeitos e governadores questionando a desconstrução na relação entre “os entes federativos”. Affff… Para cada vez que se fala ou se escreve “ente federativo” uma cidade expele alguém tungando dinheiro público. Ora, se o nome da coisa toda era PEC (Proposta de Emenda Constitucional), é porque algo seria emendado. Foi.

Nosso lodo tributário era de tal forma tão letal que o simples fato de parecer que ele será mudado é bom sinal — mesmo sem sabermos se o resultado disso tudo vai se transformar em drama, comédia ou tragédia. O preço disso? O de sempre. Lula III cedeu de vez à realpolitik e terá nas suas mesas e palácios os comensais de sempre deste país de letras minúsculas. Podemos chamar de Centrão, como se os políticos danadinhos e impuros estivessem todos ali. Mas isso é uma parte da verdade. O PT tem sido mais Centrão que Psol e Novo, por exemplo. Para citar apenas um: quando as votações são sobre anistia a uso indevido de grana bilionária distribuída a partidos. E fora outras nove, que enumero em outra oportunidade. O ponto aqui é que ter o Centrão oficialmente dentro do governo foi a compra da vez. Um pegar ou largar que Lula III inteligentemente assimilou.

Não vale ficar chateado. Ter o Centrão no colo e bem alimentado (ou bem amamentado, dependendo do ângulo em questão) será decisivo para a governabilidade. Com inflação caminhando para o controle (graças ao BC e não ao governo), com crescimento (mesmo não sendo espetacular), com bom nível de desemprego (mesmo que o informal ou pejotizado predomine), com Selic menor (mesmo que em dois dígitos), com China podendo ganhar tração…

Há um combo favorável para entrarmos em 2024 espantando dois monstros: os anos perdidos desde Dilma Rousseff e a destruição de instituições desde Jair Bolsonaro. Não é pouco. Mostra que apesar de polimorfos perversos, como nação, pelo menos somos resilientes. No fim das contas, comprar o Centrão (calma, gente, é só no sentido figurado) foi o melhor dos negócios deste governo. E se não bater ciúme de Lula III para cima de Fernando Haddad — apesar de duvidar que nosso soberano se controle em sua vaidade — há boas chances de o Brasil de 2027-2030 ser algo perto da decência. A ver.