Economia

A estratégia de Haddad para o IR

Ministro da Fazenda opta por postergar a batalha pela mudança no imposto de renda para esperar bons frutos da reforma Tributária

Crédito: Pedro Ladeira

Haddad: "Queremos seguir o mesmo protocolo de diálogo e calma para que os processos resultem em algo produtivo e estruturado" (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Paula Cristina

Se o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, achou difícil a batalha para aprovação da Reforma Tributária, ele não sabe o que o aguarda. Ou melhor. Sabe. Em um primeiro momento, o plano do homem da Economia de Lula era engatar uma reforma na outra e já enviar o texto para alterar também os parâmetros do Imposto de Renda (IR).

Ele, no entanto, foi desaconselhado a seguir esse caminho pelo próprio presidente da República, que sugeriu pisar no freio, mudar o tom e postergar a nova luta e assim curtir os louros das vitórias no âmbito fiscal enquanto aguarda alguma reação da economia e queda nos juros. A estratégia, à Maquiavel, é dar visibilidade a resultados bem vistos pelo empresariado para, só então, fazer o que pode ser mal digerido numa tacada só.

Com aumento do Imposto de Renda para os mais ricos e taxação de lucros, dividendos e grandes fortunas, governo pode arrecadar até R$ 80 bilhões a mais

Nas próximas semanas o ministro irá avançar no lançamento de alguns pacotes de estímulo. O primeiro deles aconteceu na quinta-feira (20), quando foram anunciadas medidas para desburocratizar o mercado financeiro, reduzir entraves e baratear os custos de ofertas públicas de títulos de renda fixa.

Passada essa fase, Haddad tem nas mãos a chance de entregar um texto que promova o que ele chama de justiça tributária e eleve a arrecadação entre R$ 75 bilhões e R$ 80 bilhões ao ano. Apesar da cifra alta, o ministro decidiu que irá agir com parcimônia. Isso porque o presidente da Câmara, Arthur Lira, indicou que não seria necessário que o governo federal entregasse um texto próprio de reforma do IR já que, em junho de 2021, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, havia protocolado o Projeto de Lei 2337/2021, que versa sobre o mesmo tema.

De acordo com a proposta do governo Bolsonaro, a faixa de isenção do IR passaria para R$ 5 mil e haveria uma tributação em lucros e dividendos na ordem dos 20%, ao passo que o tributo sobre Imposto de Renda da Pessoa Jurídica teria redução média de 5%. Este texto já foi aprovado pela Câmara e segue parado no Senado.

Texto com as novas diretrizes para o IR só deve chegar à Câmara no final do ano (Crédito:Gabriela Biló)

A questão é que o time econômico atual avalia o projeto de Guedes como insuficiente e prepara um novo texto, cujos parâmetros e medidas ainda não foram revelados.

Estima-se, porém, que além de lucros e dividendos ele carregue diretrizes para tributação de grandes fortunas e uma faixa de isenção gradativa que supere os R$ 5 mil propostos pelo governo Bolsonaro.

Por fim, para justificar uma nova proposta, Haddad quer incluir no texto os parâmetros de uma nova desoneração da folha de pagamento.

Em junho, foi aprovada pela CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado a prorrogação até 2027 da desoneração para 17 setores.

À época, Haddad disse não ter pressa para discutir o tema, e que essa política de desoneração deveria ser encarada pelo governo somente depois de aprovada a Reforma Tributária.

Na terça-feira (18), em Brasília, o ministro confirmou que a desoneração e a reforma do IR seriam enviadas juntas ao Congresso.

“Ela [a desoneração da folha] deve vir combinada [com a reforma do Imposto de Renda], mas descolada da reforma do consumo [tributária]”.
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad

Na prática ele temia que setores que se sentissem prejudicados pela criação do imposto único pudessem manobrar para obter desonerações desproporcionais e que causariam ao governo um rombo ainda maior nas receitas.

“E para fazer tudo com calma, vamos enviar essa segunda etapa mais para o final do ano.” Ele garantiu que a perspectiva de aumento na arrecadação proveniente das mudanças não seria essencial para que o governo atinja as metas fiscais determinadas pelo Arcabouço Fiscal, que deve ter sua tramitação no Legislativo terminada ainda até setembro.

5,2%
é a cifra média paga de imposto de renda pelos mais ricos no brasil. O meio da pirâmide paga entre 11% e 27%

Andamento

Para o consultor tributário Luis Wulff, CEO do Grupo Fiscal do Brasil e do Tax Group, a discussão sobre um novo modelo de Imposto de Renda não está tão madura ou perto de um consenso de necessidade de mudança quanto a primeira fase da Reforma Tributária.

Segundo ele, alguns assuntos que deverão pautar a discussão serão os eventuais impactos de mudanças na atratividade do Brasil para investimentos estrangeiros e a proporcionalidade e incidência em empresas de portes e segmentos distintos.

De acordo com o especialista em contas públicas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Manoel Pires, o sistema tributário brasileiro pode ser definido da seguinte forma: “Ele tem iniquidade vertical (quem recebe mais paga menos) e tem iniquidade horizontal (pessoas com mesmo nível de renda sofrem incidência de tributação completamente diferentes).”

Rodrigo Orair, um dos autores do livro Progressividade Tributária e Crescimento Econômico, da FGV, explica tais distorções. Uma delas se dá pela isenção de dividendos. Como é hoje, a alíquota efetiva do IRPF dos 1% mais ricos em 2019 fica em 5,25% (a população em geral paga entre 11% e 27%). Isso ocorre porque no grupo dos 0,1% mais ricos, 58% dos rendimentos são recebidos na forma de lucros e dividendos.

Outra questão que precisa ser revisitada é a incidência de impostos. Antes da Reforma Tributária, em média, uma empresa pagava 34% de IRPJ/CSLL (entre as mais altas do mundo), mas após uma série de deduções, desonerações e “quinas legais” essa cifra pode cair para 21,7% (entre os mais baixos do mundo, fora os paraísos fiscais).

“Mas nem todos conseguem achar o caminho no emaranhado de regras e benefícios que existem na nossa legislação. Menos ainda empresas estrangeiras”, disse Orair.

Com as duas reformas, a ideia é que esse tipo de disparidade deixe de existir.

A estimativa da FGV com essas eventuais mudanças é que projeta o impacto de receita para os cofres públicos entre R$ 75 bilhões e R$ 80 bilhões.

Por mais que Haddad afirme que as metas fiscais não dependam disso, trata-se de um modelo efetivamente mais justo.