Economia

Desenrola, programa gigante contra o endividamento, ganha impulso

Varejistas e bancos privados entram na onda da renegociação e criam um ambiente propício para a retomada do consumo

Crédito:  Danilo Verpa

Desenrola: programa contra endividamento da população não pode se tornar início para novas aventuras do consumidor (Crédito: Danilo Verpa)

Por Paula Cristina

A história da economia prova que expectativa é determinante para a consolidação de um dado. Em algum momento, projetar um resultado faz com que toda a macroeconomia se mova em direção a ele. Parece místico, mas é bastante racional. A Hipótese das Expectativas Racionais, desenvolvida desde os anos 1960, comprova que, guiada por nortes matemáticos, a expectativa se torna precisa. E são essas expectativas que o governo Lula pretende elevar nos próximos meses para tentar fazer com que o País caminhe em direção a crescimento mais sólido do PIB. Uma das medidas para isso é o Desenrola, que nasce para tentar:
* reduzir o endividamento do brasileiro,
* abrir espaço para crédito novo (e mais barato),
* ativar o movimento da economia interna.

Os primeiros resultados têm se mostrado positivos. A Caixa já renegociou mais de 36 mil contratos, com valor de R$ 371 milhões desde o início do programa, dia 17 de julho. O banco do Brasil renegociou R$ 1 bilhão em dívidas. Os programas também ganharam espaço entre varejistas. Casas Bahia, Magazine Luiza, Ponto e Renner já entraram com campanhas próprias prometendo condições vantajosas para a quitação dos débitos dos clientes.

Segundo o cronograma do governo, o varejo poderia começar a divulgar sua participação no programa no começo de agosto, mas as redes anteciparam as condições para aproveitar o marketing positivo que a medida tem conseguido nas redes sociais.

Entre os bancos, além dos estatais, o Bradesco, C6, Itaú, LuizaCred, PicPay, Santander, Mercado Pago e Nubank também aderiram o programa e têm investido em publicidade nas redes sociais, ativação com influenciadores e até campanhas televisivas.

Euforia

Segundo o assessor da Secretaria de Reformas Econômicas, Alexandre Ferreira, o sucesso do programa fez com que a adesão fosse tão grande a abrangesse mais do que os bancos.

As estimativas do ministério da Fazenda dão conta de que cerca de 2 milhões de CPFs já estão no caminho para ficar limpo. De acordo com dados do Serasa, até o dia 25 de julho as buscas por renegociação tinham saltado 61% sobre um ano antes.

O surpreendente é que a maior parte dessa procura (59%) não entra no âmbito do Desenrola. “O devedor quer aproveitar o momento para quitar seus débitos”, informou o Serasa. Um levantamento deles mostrou que os descontos, que costumam ser de 44% na renegociação, estão agora em 48%.

Alexandre Ferreira, Assessor da Secretaria de Reformas Econômicas (Crédito: Pedro Ladeira)

“A adesão foi grande e temos um movimento com bancos privados e varejistas de antecipar suas renegociações.”
Alexandre Ferreira, Assessor da Secretaria de Reformas Econômicas

O economista Paulo M. Oliveira Jr, mestre pela University of Houston, vê que a convergência de fatores que envolvem estabilização da inflação e tendência de queda da Selic fazem com que a implementação do Desenrola tenha um timing ideal para um sucesso grande do governo.

“Isso pode auxiliar na retomada do acesso ao crédito e estimular a economia através do aumento do consumo”, disse.

A faixa escolhida, dívidas de até R$ 5 mil para famílias com até R$ 20 mil de renda mensal, também é vista como estratégica pelo economista. “Um aumento na faixa de renda representaria um gasto significativamente maior para o governo, que teria que assegurar um volume maior de dívidas através do Fundo Garantidor de Operações (FGO)”, disse.

Hoje o governo age como fiador do programa para os credores e cobre parte da dívida para sustentar o desconto. Para atender mais gente, o governo poderia garantir apenas o juro incidente sobre o principal das dívidas acima de 5 mil reais.

“Isto facilitaria o refinanciamento e a renegociação das dívidas com taxas de juros melhores para os devedores com dívidas maiores sem comprometer a sustentabilidade do FGO”, isso também estimularia os outros bancos a revisitarem suas taxas na renegociação, formando um ambiente melhor para quitação.

Cautela

Antes de resolver as dívidas e pensar na obtenção de novas, é preciso pensar com calma. Tanto o varejista ou o banco, na hora de ofertar, quanto o consumidor, ao assinar um contrato novo.

Segundo Roosevelt Lima Silva, diretor financeiro do Ceape Brasil, o Desenrola funciona como um alívio financeiro relevante, mas não pode servir apenas como escape para nova aventura.

“É preciso evitar que volta a mesma situação de descontrole financeiro e consequentemente a negativação em bureaus de crédito.”
Roosevelt Lima Silva, do Ceape Brasil

A melhor forma de dirimir tais erros está no próprio Desenrola. O programa atrela a adesão a um pequeno curso de finanças pessoais que precisa ser cursado antes do término do processo de renegociação. Isso pode ajudar a derrubar o indicador do Serasa que revelou que 71,3 milhões de brasileiros estavam inadimplementos em junho.

Para Paulo Oliveira, um exemplo a ser seguido são os Estados Unidos, onde a taxa de inadimplência não passa do um dígito, e há mais critérios na hora de compreender o perfil do crédito a ser liberado, a depender do cliente. “O mercado de crédito nos EUA tem também uma concorrência entre mais de 4 mil bancos e a cultura de educação financeira diferente do Brasil”, disse.

Por aqui, o Desenrola preenche uma lacuna importante ao facilitar a renegociação de dívidas para os mais necessitados. Mas não pode vir sozinho. “É importante que a iniciativa seja acompanhada por mais esforços para fomentar a concorrência no mercado de crédito nacional”, disse Oliveira. Uma dica de ouro para que, seguindo Hipótese das Expectativas Racionais, a escalada otimista não se torne uma onda pessimista e desande até com o Desenrola.