Surf brasileiro é espetáculo no mar e nos negócios
Performance dos surfistas brasileiros atraem marcas e fãs para a modalidade. Conheça a estratégia da WSL para manter o País em evidência
Por Beto Silva
De 1976 a 2013, a liga profissional de surfe foi amplamente dominada por americanos e australianos, que foram campeões em nada menos do que 36 dos 38 campeonatos mundiais realizados no período. Na última década, porém, os brasileiros despontaram e acabaram com essa hegemonia. Das oito edições realizadas de 2014 a 2022, os surfistas do País fecharam a temporada em primeiro lugar em seis oportunidades. Os troféus foram conquistados por Gabriel Medina (2014, 2018 e 2021), Adriano Souza (2015), Ítalo Ferreira (2019, e também medalha de ouro no surfe olímpico, em 2021) e Filipe Toledo (2022).
Essa geração que se destaca no cenário global da modalidade ganhou a alcunha de Brazilian Storm, a tempestade brasileira, em tradução livre. E não só isso. Os espetaculares resultados dentro da água reverberaram em terra firma, com aumento do número de fãs do esporte, na presença de mais marcas patrocinadoras de eventos e atletas e mais negócios.
De acordo com levantamento da Sponsorlink, do Ibope Repucom, especializada em perfil e comportamento dos fãs de esporte no Brasil, em 2013 eram 26% dos brasileiros que se declaravam fãs de surfe (interessados ou muito interessados pela modalidade), o que representava pouco mais de 14 milhões de pessoas. Já em novembro de 2021, esse volume atingiu pico histórico de 41% de fãs de surfe, cerca de 45,3 milhões de brasileiros.
Estudo da Expert Market Research, empresas de pesquisa de mercado e inteligência de negócios, aponta que o mercado global de equipamentos de surfe movimentou US$ 4,4 bilhões em 2022.
A estimativa é de que o Brasil, com um litoral de aproximadamente 7,5 mil quilômetros e 4 milhões de praticantes, seja responsável por cerca de 30% desse montante.
“Temos trabalhado para desenvolver o esporte, elevar a voz dos nossos atletas, ganhar cada vez mais mídia e obviamente obter crescimento financeiro”, disse à DINHEIRO Ivan Martinho, CEO da World Surf League (WSL) no Brasil e América Latina.
Com experiência em organização e promoção de eventos esportivos e de entretenimento como grandes shows musicais e StockCar, e passagens por empresas como Cinemark, Traffic Sports, Fox Networks Group e Time for Fun, o executivo assumiu o posto em 2019 para estruturar a WSL na no País e na região.
Até então, a entidade responsável pelo campeonato mundial de surfe apenas realizava a etapa brasileira do global tour. Desembarcava no País, ficava uma semana e ia embora.
“Não havia uma presença 365 dias por ano para, de fato, desenvolver a modalidade como uma plataforma”, afirmou Martinho.
Com a mudança, os resultados apareceram. A etapa do Brasil do circuito mundial tinha alguns patrocinares de marcas ligadas ao surfe e apenas uma fora desse nicho, a companhia de telecomunicações Oi. Já o evento realizado entre os dias 23 de junho e 1º de julho, em Saquarema (RJ), teve aporte de empresas como:
* Vivo,
* Corona,
* Banco do Brasil,
* Natura Kaiak,
* TikTok,
* Australian Gold,
* Oakberry,
* Red Bull,
* EY,
* YETI,
* Apple,
* True Surf.
Cerca de 300 mil pessoas estiveram na praia para assistir as rasgadas, floaters, laybacks, tubos e aéreos dos melhores surfistas do mundo. No final, o brasileiro Yago Dora sagrou-se campeão da etapa.
Quem também ganhou foi o município de Saquarema, cuja cultura do esporte proporcionou à cidade o apelido de Maracanã do Surfe.
A expectativa é de que neste ano a atividade econômica pela passagem do circuito tenha superado a de 2022, quando movimentou R$ 73 milhões e ocupou 100% da rede hoteleira, com impactos também nos setores gastronômico, de transporte e outros serviços, que geraram 500 empregos para a comunidade local.
A etapa foi transmitida ao vivo pelo SporTV, Globoplay, WorldSurfleague.com e aplicativo e canal da WSL no YouTube.
Sobre audiência geral, o Brasil corresponde a 35% do público global que assiste às etapas. São 9,1 milhões de visualizações nas plataformas de streaming pelos brasileiros.
Hype
Para Armênio Neto, especialista em negócios do esporte e sócio-fundador da Let’s Goal, o surfe, que já foi marginalizado, passa atualmente por um “hype impressionante”. “Isso não acontece do dia para a noite e sem um trabalho de fôlego, mas sim porque houve o desenvolvimento de todo um ecossistema altamente profissional”, disse o especialista. “Isso vai desde a preparação de alto nível dos atletas até a organização dos eventos que, turbinados pelas novas formas de consumir conteúdo, provocaram esse crescimento exponencial”, afirmou.
As marcas percebem a evolução da qualidade do produto, seu alcance e a solidez da modalidade, que passa a ser enxergada como uma oportunidade de branding. “Tudo isso faz do Brasil um mercado estratégico para a WSL e abre uma possibilidade gigantesca de engajamento para marcas que buscam se conectar com o surfe, que é mais que um esporte, e lifestyle”, disse Armênio Neto.
Formação
O desafio de Ivan Martinho à frente da WSL Brasil é mais do que manter a relevância da modalidade e o engajamento do torcedor. O CEO visa aumentar a base de fãs e garantir os sucessores de Medina, Adriano, Ítalo Filipinho e companhia.
O executivo quer evitar o que o ocorreu com o tênis pós-Gustavo Kuerten ou com o UFC pós Anderson Silva, que registraram menor interesse da mídia e de admiradores após a aposentadoria desses ídolos.
Para não tomar uma ‘vaca’ na onda dos negócios, Martinho e a WSL alinharam algumas estratégias. Entre elas está a formação de novos surfistas.
Além do Championship Tour (CT), competição dos profissionais, também são realizadas a Challenger Series (CS), espécie de segunda divisão do surfe, e a Qualifying Series (QS), de formação de jovens atletas.
Sete regiões fazem parte do QS: África, Ásia, Austrália/Oceania, Europa, Havaí, América do Norte e América do Sul. Por aqui, são realizadas etapas no Brasil, Chile, Equador e Argentina. “Temos de dar oportunidades aos talentos. Estamos plantando desde já as sementes que vão ser as próximas gerações surfe.”
Além disso, o surfe tem invadido condomínios pelo Brasil com as piscinas de ondas artificiais. Essa inovação, inclusive, tem uma etapa do circuito mundial na Califórnia (EUA), no Surf Ranch, conhecido como “piscina do Kelly Slater”, pois fica no quintal da casa do maior surfista de todos os tempos.
Há uma outra desse mesmo tipo sendo construída em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, que entrará no circuito quando estiver pronta. No Brasil, já existem duas em funcionamento no interior de São Paulo (Boa Vista Village, em Porto feliz, e Praia da Grama, em Itupeva).
Outras duas estão sendo montadas na capital paulista (uma pela JHSF e outra com participação do BTG Pactual). Há ainda previsão de inauguração de outra em novembro, em Garopaba (SC).
“Esses condomínios de alto padrão eram dominados pelo tênis e pelo golfe”, disse o CEO da WSL Brasil. “Seremos o país com o maior número de piscinas com ondas artificiais do mundo.”
Assim, a onda do surfe brasileiro continuará rendendo resultados.