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Com aposta em liberdade individual e agilidade, produtora Cine foca o futuro

Após quase 30 anos como protagonista no mercado de filmes publicitários, a premiada produtora de Raul Doria adapta o próprio roteiro para viver um novo papel em meio às transformações do setor

Crédito: Marco Ankosqui

O produtor Raul Doria na nova sede de sua empresa, agora bem mais enxuta do que foi no passado. Para ele, proposta atual combina maturidade e novidade (Crédito: Marco Ankosqui)

Por Celso Masson

Uma festa na casa noturna Love Cabaret, reduto underground no centro de São Paulo, apresentou ao mercado publicitário e a potenciais clientes as novas faces da produtora Cine, criada há quase 30 anos pelo empresário Raul Doria. A insólita escolha do local não foi um deslize e sim intencional. A boate evoca o tema desejo a partir de fetiches assumidamente orientados para público LGBTQIA+. Bem distante do clima de um coquetel ambientado em qualquer bufê chique da cidade, como seria previsível em um evento do gênero, o efeito esperado era provocar os covidados para repensar seus próprios conceitos (e preconceitos). Com isso, a Cine explicitou uma mensagem: ela mudou e agora está ainda mais antenada aos novos comportamentos e demandas da sociedade brasileira.

O próprio anfitrião foi impactado pelo cenário e pelas performances da noite. “Eu percebi o desconforto de algumas pessoas naquele ambiente”, disse Doria. “Ninguém comentou, mas até o João foi embora logo”, afirmou, referindo-se ao irmão e ex-governador paulista João Doria, presidente global do Lide. “Mas a ideia era mesmo sinalizar nosso compromisso com a liberdade individual e a criatividade, valores que estão no centro dessa nova fase da Cine.”

Para atenuar o choque da experiência, o evento também teve conteúdo. A partir de QR Code era possível acessar uma landpage da produtora e assim compreender melhor não só o sentido daquilo tudo como também o propósito das mudanças, resumidas na seguinte frase: “Somos tudo o que um projeto precisa ser. Consistentes e em eterno crescimento”.

Fundada em 1994 por Doria em sociedade com o diretor Clovis Mello, a Cine se tornou uma das líderes do segmento publicitário no País e se mantém entre as produtoras mais premiadas ano após ano, desde a sua fundação.

Conquistou 16 Leões no Festival de Cannes (o troféu mais cobiçado do setor no mundo), 12 Profissionais do Ano (prêmio concedido pelo Grupo Globo), dois Caboré (o Oscar da propaganda no Brasil), além de medalhas nos festivais de Londres e Nova York, Clio, e El Ojo, entre outros.

Em 2014, o indicador inglês Gunn Report classificou a Cine entre as 20 produtoras de filmes mais importantes do mundo.

Seu acervo soma cerca de 6 mil comerciais, dos quais mais de 150 para as sandálias Havaianas. Na lista de clientes estão as principais montadoras de automóveis, as maiores cervejarias, redes varejistas e gigantes globais como Google e Amazon, com uma campanha estrelada pela apresentadora Xuxa. Segundo Doria, são “peças que constroem marcas e se tornam parte da cultura popular brasileira”.

Mas os tempos mudaram e a forma de comunicar também. A Cine precisava inovar para encontrar seu papel em uma nova cena do audiovisual. Primeiro, para se adaptar aos sucessivos cortes nos orçamentos.

Se, no passado, havia verbas milionárias para rodar um comercial, hoje há pressão para entregar os mesmos resultados com bem menos dinheiro. “Quando começamos, era preciso investir ao menos US$ 1 milhão para montar uma produtora. Hoje seu celular tem três câmaras e grava vídeos em 4k.”

Agilidade

Para se ajustar à atual realidade de custos sem abrir mão da qualidade, a produtora passou por uma reestruturação completa, desde as instalações até a maneira de trabalhar.

A sede, que ocupava um palacete da década de 1940 construído pela família Bonfiglioli na Avenida Faria Lima, deu lugar a um escritório bem mais modesto onde não há nem mesmo secretária.

Os grandes estúdios em São Paulo e no Rio de Janeiro, assim como a fábrica de cenários, deixaram de fazer diferença. Com uma estrutura mais enxuta, a Cine ganhou agilidade, com núcleos dedicados a abarcar nichos específicos. “São perfis distintos, prontos para atender demandas variadas do mercado”, disse Doria.

Mais importante que se adaptar aos novos padrões de custo, a decisão transformou o negócio. Cada diretor associado ganhou uma produtora com nome próprio. Assim nasceram várias novas Cines: CineLab, CineInspira, Cine Mello (comandada por Clovis Mello), Cine Vida (por Cris Vida)…

“Combinamos maturidade e novidade, certeza e contradição”, afirmou Doria. Essa reformatação vai muito além de um ajuste para preservar a sustentabilidade financeira da produtora que se tornou uma holding. Ela reflete um compromisso com causas que hoje são caras às novas gerações, como a diversisdade.

“Tudo que eu faço aqui preza a inclusão social. Não porque o mercado está querendo, mas porque eu não acredito em outra forma de trabalhar”, afirmou Doria.

Ele cita como exemplo os comerciais em que a diversidade está restrita ao elenco, mas mostra famílias que não existem na vida real.

Para evitar escolhas com viés apelativo, a Cine passou a trabalhar junto a profissionais que, além de talento, tenham conexões com as comunidades com as quais desejam se comunicar.

É o caso do coletivo Mooc Studios, uma rede de colaboradores unidos pela criatividade, inovação, inclusão e diversidade. Entre as parcerias do Mooc com a CineLab estão peças para marcas como Bradesco, Converse e Skol, caso da campanha Skolors.

Para o ex-ministro da Cultura Sérgio Sá Leitão, a Cine se consagrou como uma das produtoras mais criativas e competentes do País no campo da publicidade e do branded content.

“Agora, diante do impacto das novas tecnologias e das mudanças profundas que estão transformando radicalmente o mercado, faz um movimento inteligente para se manter à frente, injetando sangue jovem e expandindo a atuação no campo do conteúdo e do entretenimento, com projetos arrojados de séries e filmes”, afirmou à DINHEIRO.

No segmento de longas-metragens, a última produção da Cine foi Divaldo — o mensageiro da paz. O filme de temática espírita (fé que Raul Doria adotou há décadas) teve uma carreira curta nos cinemas devido à pandemia. Mas voltar aos filmes autorais não está fora dos planos da Cine. “Estamos buscando editais para obter os recursos e devemos ter novidades em breve”, afirmou. Nessa nova fase, mais diversa e plural, cabe tudo.

Novas cenas e direções

Produtora inova ao abrir espaço para que novos talentos trabalhem com autonomia em projetos que valorizam inclusão, diversidade e experimentação

CINELAB

(Divulgação)

Uma das parcerias com o coletivo Mooc Studios é a campanha Skolors, da cervejaria Skol. Ícones da cultura brasileira como Ludmilla e Elza Soares estrelaram outras produções da divisão mais experimental da Cine

CINE MELLO

(Divulgação)

Comandada pelo diretor Clovis Mello, que fundou a Cine com Raul Doria em 1994, a unidade atende a clientes como as sandálias Havaianas, para a qual a produtora já realizou mais de 150 peças publicitárias

CINE VIDA

(Divulgação)

Mais que o sobrenome da diretora Cris Vida, a palavra é a força motriz de seus trabalhos, que se caracterizam pelo estilo realista e profundo, caso da peça para o Dia dos Namorados criada para a rede varejista Casas Bahia