Política Fiscal e a Curva de Juros nos EUA
O presidente americano Joe Biden cometeu um erro estratégico, pois começou seu governo aumentando os gastos públicos. Perdeu capital político
Por Vitoria Saddi*
Os primeiros 13 pregões do mês de agosto foram marcados pelas quedas diárias de todos os índices americanos. Obviamente, igual movimento foi observado no Brasil. As razões para tal movimento se encontram na economia americana, mais especificamente na explosão dos retornos dos títulos de médio e longo prazo. À primeira vista tal movimento parece um paradoxo, pois o Fed está praticamente interrompendo o ciclo de alta de juros, que teve início em março de 2022. É preciso explorar as razões que explicam a queda da bolsa dos EUA e a explosão dos retornos dos títulos.
A alta de juros americana parece ter terminado. Nesse sentido, poderíamos esperar uma relativa estabilidade da curva de juros. Isso porque parece que o aperto monetário já chegou ao fim e as expectativas para o futuro deveriam ser positivas. E o que temos? O retorno dos títulos de dez anos está no maior nível desde 2007; o de 30 anos, desde 2011; e o de dez anos atrelado à inflação, desde 2009. A alta dos retornos dos títulos médios e longos poderia ser explicada pelo chamado ‘quantitative tightening’, processo de venda da carteira de títulos adquiridos pelo Fed durante o ‘quantitative easing’ da Covid, que levou o balancete dele atingir US$ 9 trilhoes. Mas tal hipótese não se verifica. Apesar de o Fed ter anunciado em março de 2022 que iria começar a redução do balanço juntamente da alta de juros, as vendas de títulos foram mínimas e não são capazes de explicar a alta dos retornos longos.
Assim, a alta brutal dos retornos dos títulos parece estar relacionada à piora fiscal do país. A relação dívida/PIB nunca esteve tão alta e atingiu 130%. Isso levou a Fitch a rebaixar o rating da dívida pública americana de AAA para AA+, que agora fica igual a da nota do S&P para o país. Nos Estados Unidos, o financiamento do déficit fiscal ocorre via venda de títulos públicos de diversos vencimentos. A venda de tais títulos leva a um aumento dos retornos e explica a alta dos títulos de médio e longo prazo. Esse fenômeno é conhecido como dominância fiscal. O problema emerge sempre que existe um banco central comprometido com a meta de inflação que está subindo juros (e portanto vendendo títulos) e um tesouro nacional que não tem compromisso com a estabilidade fiscal e precisa financiar seu déficit via venda de títulos públicos. Nesse sentido, a alta de juros por razões de política monetária termina sendo ainda mais exacerbada devido ao componente fiscal que está em curso. É um jogo não cooperativo que passa a exigir que o Banco Central aumente os juros ainda mais do que necessário para neutralizar o afrouxamento fiscal.
O atual presidente americano cometeu um erro estratégico, pois começou seu governo aumentando os gastos públicos. Aprendemos com O Príncipe, de Maquiavel, que ‘quando fizer o bem, faça-o aos poucos e quando for praticar o mal, faça-o de uma vez só’. A lição de Maquiavel para o ciclo político é clara: os governos devem promover seus ajustes mais recessivos no início do seu mandato quando sua credibilidade é alta. À medida que o tempo passa e a população percebe que tem diante de si ‘mais do mesmo’, o governo perde capital político e o ajuste fiscal se torna um problema para o novo presidente.
No caso do atual presidente americano, caso seja reeleito, dificilmente escapará de promover uma política austera logo no início do seu segundo mandato. A questão fiscal americana é tão grave que nos parece que, seja quem for o novo presidente, deverá conter na agenda um reequilíbrio das contas públicas americanas que exigirá uma queda de gastos e/ou aumento de impostos. No próximo final de semana teremos o encontro anual dos principais presidentes de bancos centrais do mundo, tradicionalmente realizado no resort localizado em Jackson Hole, no Wyoming, na última semana de agosto. Nesse contexto, o discurso mais esperado é o do presidente do Fed. E saber se ele dará alguma pista acerca da dominância fiscal e dos rumos da política monetária.
*Vitoria Saddi é PhD em Economia pela University of Southern California e estrategista da SM Futures. Foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. É colunista da DINHEIRO.