China: reforma no mercado de capitais deve impactar o mundo todo
Governo do país quer atrair o capital estrangeiro para o seu mercado de capitais, tudo isso enquanto enfrenta os reflexos das decisões que tomou lá na crise de 2008
Por Paula Cristina
Define a teoria do caos que um único evento pode ser capaz de modificar a realidade a quilômetros de distância em curtos ou longos períodos de tempo. E um desses reflexos parece acontecer na China neste momento. O mercado de capital chinês, tradicionalmente fechado e não tão palatável para investidores deverá mudar em breve. A reguladora dos mercados de valores mobiliários na China (CSRC) anunciou reformas e de novas medidas que visam “aumentar a confiança dos investidores no mercado de capitais”, segundo comunicado feito sexta-feira (18). O motivo? A China precisa do capital estrangeiro para driblar o alto endividamento das empresas e, em tese, do governo central — oficialmente, a dívida está em 24% do PIB.
Já para o JP Morgan, em 282% do PIB. Seja um número ou outro, ou algo entre eles, Pequim precisa de retorno rápido. Para isso a comissão disse que considera a ampliação no horário de negociação nos pregões e a redução nas taxas de transações.
O regulador afirmou ainda que vai encorajar a recompra de ações. Isso se dá em um momento em que a bolsa de Hong Kong teve queda de 2% no primeiro semestre, desempenho abaixo de seus pares por Europa, Estados Unidos e até Brasil.
Para apresentar essa nova postura ao mundo os chineses aproveitaram a 15ª Cúpula dos Brics, que aconteceu em Joanesburgo, na África do Sul.
Com o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia e África do Sul, a China divulgou suas intenções e recebeu apoio dos pares emergentes. No encontro foram anunciadas medidas como:
* relaxamento de restrições para índices acionários e futuros de títulos do Tesouro da China;
* redução nas taxas de gerenciamento;
* aumento na proporção de fundos de ativos emitidos;
* promoção do crescimento das ofertas públicas e do escopo de investimentos.
O presidente da China, Xi Jinping, afirmou que o país tem trabalhado em direção a um desenvolvimento de alta qualidade da Bolsa de Pequim. “Vamos apoiar as medidas indicadas pela CSRC porque convergem com o plano chinês de desenvolvimento progressivo”, disse Xi.
É preciso mais
Apesar de aparente boa vontade em abrir o mercado, os Estados Unidos ainda se mostram reticentes quanto às medidas chinesas. O secretário de Segurança da Casa Branca, Jake Sullivan, desse que faltam dados claros sobre a economia do país asiático e que isso afasta empresários e acordos comerciais.
“Para atrair confiança global, previsibilidade e investimento do resto do mundo, é importante que a China mantenha um nível de transparência na divulgação de seus dados”, disse, ressaltando que faltam estatísticas auditadas.
Sinais de colapso?
Não oferecer isso ao mercado nunca foi um problema para a China, mas agora é um momento peculiar. Ainda que o país siga com taxa de crescimento na casa dos 5%, há indícios de rachadura no paredão asiático.
A constatação de inadimplência da Country Garden, que já foi a maior incorporadora do país, e da Zhongrong Trust, importante empresa fiduciária, foi um alerta global, ainda que bancos como o UBS e Morgan Stanley cravem que não há sinais de colapso.
O episódio com a Country Garden envolveu o não pagamento de juros em dois títulos em dólares americanos, o que remeteu investidores ao caso da Evergrande, cujas inadimplências em 2021 sinalizaram o início da crise imobiliária.
Há também estimativas da OCDE que dão conta que a inadimplência das incorporadoras imobiliárias parece ter se espalhado para a indústria de fundos de investimento e somem US$ 2,9 trilhões.
Segundo Julian Evans-Pritchard, chefe de economia da China na Capital Economics, mais perdas no setor imobiliário podem resultar em um “risco grande de se espalhar para uma instabilidade financeira mais ampla”, disse.
Já o professor de economia da Washington State University e especialista em países asiáticos Michael Brady alerta que o problema da China não envolve um risco de recessão, mas o alto endividamento do governo central que começou há 15 anos, fragiliza a economia local e espalha incerteza para o resto da economia global.
“Esse estresse fiscal reduz a capacidade do governo de estimular o crescimento e tira o apetite dos estrangeiros.”
Michael Brady, professor da Washington State University
O que acontece agora reflete as decisões tomadas pela China para enfrentar a crise global de 2008. Na época, Pequim decidiu montar o maior pacote de estímulo de todo o planeta, injetando US$ 1,1 trilhão na economia. E como acontece quando há fortes emissões do Estado, o endividamento cresceu de forma robusta. Uma decisão, na década retrasada, que mostra por que a teoria do caos é tão relevante.