O Neoliberalismo no Chile e os Chicago Boys de Sebastian Edwards
Por Vitoria Saddi
O dia 11 de setembro ficou marcado no mundo por diversas razões. Em 2001 tivemos as torres gêmeas em Nova York e a mudança de postura dos Estados Unidos em relação ao Oriente Médio. No entanto, para os chilenos, o 11 de setembro de 1973 marca a data do golpe militar de Augusto Pinochet que conseguiu depor o então presidente Salvador Allende e inaugurou uma das ditaduras mais sanguinárias, que durou até 1990. O Chile era (e é) diferente de Brasil e Argentina no sentido de ser o país com a democracia mais duradoura da América Latina. Interrompê-la não foi algo simples. Na Argentina e no Brasil há indícios e suspeitas da interferência dos Estados Unidos. No Chile há provas, evidências, depoimentos. É nesse contexto que abordo o excepcional livro de Sebastian Edwards: The Chile Project: The Story of the Chicago Boys and the Downfall of Neoliberalism, Princeton University Press (maio 2023).
Um dos capítulos mais trágicos da história moderna da América Latina deu origem, sem dúvida, à sua experiência econômica mais bem sucedida. Essa difícil verdade é o tema central do livro. Como o título sugere, Edwards tenta não só considerar o legado do golpe de Augusto Pinochet de 1973, mas também ligá-lo aos debates políticos que ainda hoje ocorrem no Chile e, na verdade, em todo o mundo ocidental. É uma tarefa carregada de emoção e difícil, na qual o livro é admiravelmente bem-sucedido.
Os Chicago Boys eram um grupo de jovens economistas chilenos, muitos (embora não todos) dos quais se formaram na Universidade de Chicago e eram discípulos do maior expoente do livre mercado, Milton Friedman. Professor de Chicago e autor dos maiores tratados sobre a moeda, Friedman é referência obrigatória nos livros de macroeconomia até hoje. A visita dele a Santiago em 1975 parece ter convencido Pinochet de forma decisiva a colocar os “meninos” no comando da economia. É fascinante e revelador sobre a atual política no Chile que nenhum dos Chicago Boys que Edwards entrevistou para o seu livro se identifique hoje como um “neoliberal”, descrevendo seus projetos como mais socialmente orientado do que os críticos acreditavam. Mas, deixando de lado a terminologia, não há dúvida de que a agenda de privatizações, cortes tarifários, desregulamentação e adoção geral de um modelo favorável às empresas e de comércio livre era diferente de tudo o que alguma vez tinha sido tentado na América Latina antes.
O fato de terem feito isto durante uma época em que os dissidentes chilenos ainda eram metralhados e atirados de helicópteros ao mar é uma mancha que continua a assombrar o capitalismo latino-americano. No início do livro, Edwards reconhece o óbvio: “Dado o momento histórico”, escreve ele, “uma revolução neoliberal dessa magnitude não teria sido possível sob um regime democrático”. Setores nacionalistas das Forças Armadas resistiram fortemente, suspeitando que cediam a riqueza do país a interesses estrangeiros. Mas não há dúvida de que a repressão de Pinochet permitiu uma “terapia de choque”, mesmo quando o desemprego ultrapassou os 25%. O Chile de hoje tem renda per capita que é o dobro do Equador e 40% superior à da Costa Rica; os três países eram pares na década de 1980. Longe de ser “apenas” uma história de crescimento do PIB, ou apenas de os ricos ficarem mais ricos, o Chile também tem os índices de desenvolvimento humano mais elevados da América Latina e a segunda menor taxa de pobreza, atrás do Uruguai. Grande parte do progresso aconteceu depois do regresso da democracia, em 1990, mas poucos discordam de que as políticas dos Chicago Boys lançaram as bases.
O livro de Edwards surge num momento que tal legado está sendo questionado; ele é louvavelmente direto e honesto sobre as falhas do modelo chileno, sobretudo sobre a grave desigualdade social, que levou aos protestos de 2019 e às suas (incertas) consequências. Por tal motivo é um tanto decepcionante que Edwards demore até o final do capítulo sobre os anos Pinochet para perguntar: “Os Chicago Boys sabiam das violações dos direitos humanos?” e depois dedica apenas três páginas à resposta, concluindo de forma pouco convincente: “Nunca saberemos com certeza”. Isso não é apenas questão de registo histórico; a questão de saber se e como as economias da América Latina podem ser efetivamente reformadas sob a democracia é tão relevante como sempre no contexto atual de estagnação e agitação social. O livro de Edwards sugere, tanto no seu brilhantismo como nas suas deficiências que a resposta permanece tristemente evasiva.
*Vitoria Saddi é PhD em Economia pela University of Southern California e estrategista da SM Futures. Foi economista-chefe do Roubini Global Economics, Citibank, Salomon Brothers e Queluz Asset, em Londres, Nova York e São Paulo. É colunista da DINHEIRO.