Entrevista

Ricardo Neves, CEO da NTT Data

“Ser um país multicultural é um ativo brasileiro”

Claudio Gatti

“Ser um país multicultural é um ativo brasileiro”

O executivo que comanda a operação brasileira da NTT Data aposta na diversidade como vetor de crescimento para a companhia que dobrou de tamanho no País e fatura US$ 25 bilhões no mundo

Editora Três
Edição 26/05/2023 - nº 1326

Por Edson Rossi

Recifense orgulhoso, Ricardo Neves comanda a operação da gigante japonesa de tecnologia NTT Data no Brasil desde abril de 2020. Sim, ele assumiu o cargo dias depois de o mundo se ver diante da pandemia de Covid-19. Para fazer a empresa mais que dobrar de tamanho por aqui, ele revisitou muitas das regras aprendidas numa sólida carreira na PwC, em corporações como IBM e passagens pelas consagradas Harvard e Duke University. Tem se guiado por valores que muitas vezes escapam dos manuais tradicionais dos C-Levels. “Meu pai dizia que o ‘conhecimento é das poucas coisas que ao se dividir se multiplica’ e aplicamos isso na NTT.” Sua experiência como CEO rendeu o livro CEO Virtual (Editora e-galáxia). Nesta entrevista, Neves traz exemplos de como soluções pautadas na autenticidade e na diversidade fizeram a operação brasileira crescer acima da média global — numa corporação cujas vendas líquidas totais saltaram 50% em dois anos, de US$ 16,7 bilhões (2020) para US$ 25,1 bilhões (2022).

DINHEIRO – Os C-Levels dificilmente usam palavras como vulnerabilidade ou similares. Fale um pouco desses ‘espinhos solitários’ da cadeira. Como você se preparou para ela?
RICARDO NEVES — Tive uma carreira longa na PwC, uma das chamadas Big Four, onde fui de trainee a sócio. Passei 30 anos ali e fiz uma aposentadoria antecipada como sócio da PwC porque tive a grande oportunidade de ser CEO da NTT Data. O que eu não esperava é que 15 dias antes de assumir a posição o mundo pararia por causa da pandemia. Eu me sentia uma pessoa muito bem formada, não só por meu histórico, mas também pelos cursos todos que fiz. Mas na prática o que aconteceu foi uma incerteza muito grande. E senti um pouco de medo. O peso da responsabilidade.

De seu desempenho?
Não. Ficava na minha cabeça que eu era responsável por 2,6 mil pessoas [número de funcionários à época]. Tudo num momento de muita incerteza. Toda noite o que vinha na minha cabeça era: ‘Você é responsável por 2,6 mil famílias’.

“Empresa em que existe diversidade, que mostra respeito pela pessoa, tem colaboradores mais engajados. E isso reflete no crescimento, no bottom line”

E o que você fez?
Ecoar as palavras que aprendi de meu pai: “Na incerteza se guie pelos valores”. E o que fiz foi me guiar pelos valores. Ao mesmo tempo, por mais que esse sentimento [de medo e incerteza] existisse em mim eu não podia transparecê-lo. Tinha de guiar as pessoas tanto pelo senso de realidade quanto o de esperança.

Motivá-las?
Mas sem parecer naiv. É nesse momento que a gente vê a fortaleza da colaboração.

Numa imersão tão intensa quanto a sua, que regra do manual de décadas de atuação profissional você teve de rasgar?
Foi a regra do terninho. Do padrão. E me agarrar ao contexto da autenticidade. Eu sou pernambucano. Gosto de pessoas, sou comunicativo, falo com todo mundo, e aí me vi nessa cadeira falando por uma telinha [por causa do distanciamento social]. Foi quando decidi aflorar essa autenticidade.

Houve um momento simbólico?
Tenho uma história internacional. Morei nos Estados Unidos, na Europa, fiz projetos em 11 países… Pensei na minha multiculturalidade e quis marcar essa autenticidade na primeira festa da empresa no cargo de CEO. Era uma festa junina, o marketing decidiu fazer on-line e me perguntou se eu me fantasiaria de caipira. Pensei, ‘um CEO fantasiado de caipira?’ Mas sou nordestino, adoro festa junina, decidi me fantasiar de caipira. Mas botei toda a diretoria junto. Isso criou com as pessoas uma conexão fantástica. Ali eu vi que minha autenticidade, minha alegria, minha forma de ser, era a forma como eu iria me conectar. Acho que eu rasguei os padrões, que eram muito fechados.

Isso foi visto como?
Naturalmente. Não rasgamos os valores. A retidão, a visão, a ética. É impressionante como teve retorno das pessoas.

É comum pessoas em cargos como o seu darem respostas de media training: esvaziadas e previsíveis, que muitas vezes parecem descoladas da realidade. Como enxerga essa distância entre discursos e prática?
Eu ainda vejo e sempre vi na minha carreira lideranças que ficavam lá na torre de marfim, distantes da realidade, né? Talvez por pressões, mas muitas vezes pelo ego. O ego começa a inflar e parece um balão. E aí você vai se distanciando da Terra. Porém, o que eu tenho visto cada vez mais nos fóruns de que participo é menos essa postura. Vejo cada vez mais líderes autênticos, conectados com a realidade, que entendem os problemas, conhecem o que está acontecendo na sociedade. Tenho a impressão de que, desde que comecei como consultor, há mais de 30 anos, olhando todos os clientes em que passei, todas as inúmeras empresas em que vivi, é que esse número de novas lideranças com outros olhares está aumentando.

O que tem levado a isso?
Com as redes sociais, com tudo o que está acontecendo, a visibilidade geral aumentou muito. Talvez hoje o cara se sinta um pouco mais pressionado pelo entorno. No momento em que você vê 50 CEOs num evento na Zumbi dos Palmares ouvindo a viúva do Nelson Mandela [Graça Machel, que em novembro participou em São Paulo do Fórum Internacional Empresarial pela Equidade Racial], e um olha pro outro ali, você diz: ‘Poxa, isso é importante’. Faz com que todo mundo avance. Esse processo de peer pressure (pressão dos colegas) é importante.

Mas ainda não rola aquela desconfiança sobre o efetivo resultado financeiro disso?
Outro dia eu tive um bom papo sobre o tema da diversidade. E me perguntaram: ‘Ricardo, e no bottom line? Onde essa diversidade no final das contas aparece?’ Eu falei que está diretamente ligado ao engajamento das pessoas. E quando a pessoa está numa empresa em que sente haver diversidade, respeito pela individualidade de cada um, ela está engajada, ela acredita naquilo que está fazendo. Empresas são feitas de pessoas, e pessoas engajadas fazem a produtividade crescer.

Uma B2C pode estar mais sob pressão para adotar essa agenda que uma B2B?
Realmente. Talvez o tema esteja mais presente em empresas próximas do consumidor final ou dos clientes dos clientes, ou as que têm de criar soluções cada vez mais aderentes à diversidade da sociedade. Porque se você não tem diversidade interna não vai criar solução para as diversidades da sociedade. Porém, volto ao lema de que todo o ecossistema é composto de pessoas. Então, mesmo numa petroleira, numa mineradora, o nível de engajamento é importante para a produtividade.

Mas nem sempre é fácil em todo setor, não?
Há diferentes aspectos de diversidade. Não é apenas de gênero, ou de cor. Há diversidade de pensamento, diversidade geográfica, diversidade geracional….

“Temos déficit de 100 mil vagas de TI por ano. E para avançar em produtividade precisamos de tecnologia” (Crédito:istockphoto)

A pandemia acelerou especialmente o segmento em que a NTT Data atua. O quanto isso ajudou em sua forma de agir como CEO?
Depois de passados os primeiros meses de muita incerteza em relação ao começo da pandemia, as empresas viram que precisavam acelerar os investimentos em tecnologia para permitir que os negócios continuassem operando mesmo sem o lado físico. Todo mundo foi em cima de acelerar seus processos, fazendo com que a demanda começasse a explodir. Quando assumi, há três anos, éramos 2,6 mil funcionários. Hoje, somos mais de 5,4 mil pessoas. O faturamento passou da casa dos R$ 2,5 bilhões e a rentabilidade cresceu [proporcionalmente] acima disso. Mas a grande sacada nossa, que era fator crítico, foi a captura de mão de obra para o crescimento.

O que vocês fizeram?
Pelo jeito tradicional, chamar uma turma de trainees para formar e contratar, não conseguiríamos. Decidimos formas pessoas. Buscamos novas soluções. Desde uma startup fora dessa área a parcerias. Houve demissão em vários outros setores da economia, pessoas inteligentes, muito boas. Pensamos ‘como a gente converte essa gente para a tecnologia?’

Sanaram o problema de mão de obra em TI formando ‘migrantes’ de outras carreiras?
Fizemos nesses três anos oito cursos diferentes, com 80 mil bolsas e 4 mil pessoas certificadas. Logo nos primeiros meses da pandemia, foram 15 mil pessoas inscritas. Formamos 300, das quais contratei umas 40. Aí você pergunta, ‘mas de 15 mil formaram apenas 300?’ OK, mas outras 14,7 mil deram o primeiro passinho em sua formação para a tecnologia. No fim das contas, tivemos parceria para pessoas negras (com Educafro), fizemos hackatons, programas para mulheres (com o projeto PrograMaria). Com isso avançamos em duas frentes. A primeira ao resolver a nossa própria necessidade. A segunda, a do mercado. Porque meus competidores sentiam a mesma necessidade. Eu uso muito uma frase que é “quando a maré sobe todos os barcos navegam”.

E a reação foi qual?
Fico muito orgulhoso de dizer que depois que a gente começou vários outros competidores entraram. E eu dei a referência para eles entrarem nos processos de formação.

Minimizaram o déficit na TI…
A gente fala num déficit de 100 mil postos de TI por ano. E não formamos no Brasil nem 5 mil. Num país que tem gap de produtividade grande como o nosso é grave. A gente precisa da tecnologia pra melhorar nossa produtividade. Ou seja, em vez de ficar sentado reclamando que não tinha gente no mercado a gente foi lá e fez. Essa parte da formação nos deu, além de tudo, a fama de uma marca empregadora forte.

O que atrai diversidade cada vez mais…
Tenho hoje colaboradores em 320 cidades, e 80% das pessoas daqui trabalham de casa.

E tem funcionado sem travas ou gargalos?
Criamos um conceito de hub em que elas precisam estar até 100 km de um desses sete hubs espalhados pelo Brasil. Há gente boa neste País inteiro. Nossa diversidade geográfica, a multiculturalidade, é um ativo.

Houve efeito negativo nessas decisões?
Quando você espalha as pessoas, e elas trabalham de casa, você perde a conexão. É o lado mais difícil. A falta de sociabilidade leva a um tema muito sério, o da saúde mental.

Como vocês têm lidado com isso?
A gente criou um programa de socorristas mentais. A meta é formar um socorrista certificado para cada 50 colaboradores. São pessoas atentas aos sinais [para identificar e dar suporte a funcionários com sintomas de burnout, boreout, depressão e ideações suicidas]. E há todo um protocolo de atendimento, que garante a privacidade.

Uma forma de liderar que ultrapassa a NTT Data.
A empresa é o que as pessoas precisam que ela seja. Assim tem de ser.

O quanto as empresas têm de se engajar na resolução de problemas estruturais brasileiros?
As empresas cada vez mais têm consciência de que não estão aqui somente pelo lucro, estão aqui pelo lucro e pelo impacto positivo na sociedade. Vejo mais e mais empresas trabalhando nisso. É o lado bom. Mas não se pode perder de vista que o Estado tem o poder e o dever de fazer seu papel. Na saúde, na educação, na parte social. O que temos de fazer é lutar para que a atuação [do Estado] seja mais efetiva e para que haja uma conexão desses dois mundos [público e privado]. A gente, como empresa e sociedade, tem de cobrar o Estado.