Tecnologia

O fim do cabo de guerra da Apple

Ao lançar o iPhone 15 com carregador padrão exigido pela União Europeia, Apple afirma ter sido obrigada a seguir uma decisão que prejudica consumidores e limita a inovação. Será?

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Apple: problemas com reguladores europeus e com o governo da China (Crédito: Divulgação)

Por Victória Ribeiro

Mais uma vez, seguindo a tradição, o mês de setembro ficou marcado pelo evento anual da Apple para divulgação das suas novidades. Desta vez, as expectativas giraram em torno do novo iPhone 15 e do sistema operacional iOS17. No caso do smartphone, a big tech exaltou o brilho exterior do aparelho, o design de suas câmeras e a evolução de seus processadores, mais rápidos e eficientes. A novidade que mais chamou atenção, no entanto, não pôde ser considerada tão inovadora assim.

Os designers e engenheiros de elite da marca da maçã direcionaram o seu processo criativo e a extravagância do marketing às exigências de design dos reguladores europeus, que aprovaram uma regra que obriga a adoção do carregamento USB-C, amplamente utilizado pelo mercado de tecnologia desde 2016. “Um carregador padrão é senso comum para os muitos dispositivos eletrônicos em nosso dia a dia”, escreveu o comissário europeu Thierry Breton.

A justificativa que embasa a exigência da União Europeia (UE) para que todos os dispositivos eletrônicos que circulam no bloco possuam o padrão USB-C é simples: gerar mais praticidade e menos lixo eletrônico, com menos cabos de diferentes tipos e formatos em circulação.

Segundo Breton, 11 mil toneladas de lixo eletrônico foram geradas a partir do mau uso de carregadores.

Na visão de especialistas, a mudança é vantajosa para consumidores, que poderão utilizar o mesmo tipo de entrada independentemente da marca. Ou seja, não vai importar se o dispositivo é da Apple, Samsung, Motorola ou de outra empresa.

O decreto, contudo, colocou a Apple em uma saia justa. Desde 2012, a big tech é a única fabricante a ter um formato próprio de entrada: o Lightning. Adotar uma entrada universal, na visão da gigante norte-americana, seria o mesmo que frear seu pacto com a inovação no mercado de tecnologia.


Desde 2012, a big tech é a única fabricante a ter um formato próprio de entrada em seu carregador, o Lightning (Crédito:Divulgação)

Prevendo as polêmicas e em meio à possibilidade de se curvar ao padrão, a Apple havia tentado barrar o decreto europeu. Em debate realizado pela Comissão Europeia em novembro de 2021, um porta-voz se posicionou contra a medida diante de políticos europeus.

“A regulamentação prejudicará os consumidores europeus ao desacelerar a introdução de inovações benéficas nos padrões de carregamento, inclusive aquelas relacionadas à segurança e à eficiência energética”, declarou o porta-voz.

Apesar do fracasso para conter a medida, romper com a União Europeia não foi uma opção. De acordo com o último balanço financeiro da empresa, divulgado em agosto, a Europa foi o segundo mercado que mais contribuiu com sua receita global, com vendas na região totalizando US$ 71 bilhões entre outubro de 2022 e junho de 2023.

No ano passado, já sabendo do prazo de vigência do decreto, o vice-presidente de marketing da Apple, Greg Joswiak, afirmou que a companhia não teria escolha. “Assim como fazemos no mundo, vamos cumprir a legislação local”, disse, em conferência promovida pelo jornal americano Wall Street Journal.

No passado, essa discussão já opôs Steve Jobs e o cofundador da Apple Steve Wozniak, que defendia usar os padrões existentes para democratizar o acesso e aumentar o mercado.

O argumento de Jobs era desenvolver sistemas próprios para garantir receitas com produtos secundários, justamente o caso dos adaptadores e cabos que só ela adota.

No Brasil, o Lightning custa cerca de R$ 220. Os novos iPhone 15 têm preços que começam em R$ 7.299 (com 128 GB) e vão até R$ 13.999 (versão Pro Max, de 1TB).

Para o diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral, Heiko Hosomi Spitzeck, “a padronização permite um uso mais sustentável, com mais aplicabilidade em mais mercados e melhor reaproveitamento”. No entanto, ele entende o argumento da Apple pela inovação. “Estão defendendo basicamente as receitas deles, o que é legítimo, mas politicamente complexo”, afirmou.

Novidades do aparelho, como design das câmeras e a evolução dos processadores, foram ofuscadas pela obrigatoriedade do carregamento USB-C (Crédito:Divulgação)

Fala da China não recupera valor das acões

A guerra dos cabos não foi o único dissabor das últimas semanas para a Apple. Depois de boatos de que o governo chinês havia proibido o uso de equipamentos eletrônicos estrangeiros por parte dos seus funcionários, as ações da big tech recuaram a ponto de a empresa perder US$ 200 bilhões em valor de mercado.

E não se recuperaram nem após o desmentido. “A China não promulgou leis, decretos ou regulações que proíbam a compra ou uso de eletrônicos estrangeiros, incluindo o iPhone, da Apple”, disse porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Mao Ning. Na quarta-feira (20), os papéis da empresa valiam US$ 175,49, ante a máxima de US$ 195,83 em 24 de julho.

O motivo talvez seja algo nas entrelinhas da fala de Ning.“Percebemos muita atenção midiática relacionada a incidentes de segurança relacionados com os celulares da Apple”. disse. “O governo da China dá grande importância à segurança da informação e trata as empresas domésticas e estrangeiras como iguais”. Para o mercado, “incidentes de segurança” significam riscos. Até para a Apple.