Escolha seus clientes, escolha o seu futuro
Por Luís Guedes
Escolher quais clientes atender (e, por consequência, quais não atender) é uma maneira não ortodoxa de pensar sobre um novo negócio, mas poucas coisas são mais importantes do que a escolha estratégica dos clientes que se pretende encantar. Pode parecer que atender o maior número de clientes (quaisquer clientes!) seja sempre uma boa alternativa. Bom, nem sempre esse é o caso…
O ápice do marketing é prover uma oferta tão acertada que os clientes sequer buscam alternativas a ela. Algumas marcas estão nesse lugar que é invejável, ao mesmo tempo que instável: Apple, Harley-Davidson, Havaianas e a cabelereira ou barbeiro que o cliente segue há anos. Alcançar esse patamar presume uma oferta excepcionalmente boa naquilo que um grupo de clientes acha fundamental.
Inovar não é somente uma questão de criar produtos, mas alcança a discussão de para quem os produtos são destinados. Nos primeiros anos do Google os esforços de vendas eram praticamente irrelevantes — os clientes compravam a oferta por conta própria, influenciados por pessoas de uma rede cada vez maior. A estratégia de monetização foi perfeitamente alinhada (ao menos naquela época) às necessidades dos clientes, levando a empresa a faturar bilhões e a mudar a história.
Compare esse cenário com uma dentista que abre seu consultório em uma pequena cidade no interior. Conseguir clientes é um desafio — será necessário muito trabalho para conquistar quem ainda não tem uma dentista e talvez mais trabalho ainda para convencer as pessoas a mudar… Os pacientes que nossa dentista consegue podem ainda demandar um nível de serviço impossível de alcançar e eventualmente esperam pagar o mínimo possível por isso. O poder de barganha, nesse caso, está quase todo do lado comprador — isso, definitivamente, não é bom para os negócios odontológicos em particular, nem para os negócios em geral.
Antes de investir em design, em infraestrutura ou em ferramentas sofisticadas, é fundamental que a liderança leve para a rua sua tese sobre o produto e pratique a conquista de alguns clientes
Uma organização equilibrada tem clientes que reconhecem sua proposta de valor, de modo que se pode construir, a partir das relações de consumo que venham a se estabelecer, um fundamento econômico sólido e um ambiente de trabalho positivo. Sobre esse último ponto, uma pesquisa com dados de empresas americanas dos últimos 25 anos identificou que aquelas com melhor clima organizacional têm consistentemente 3 pontos percentuais de upside sobre a valorização do preço das ações em relação ao grupo de controle — em outras palavras, o trabalho para criar um bom lugar para trabalhar importa, e muito!
Antes de investir em design, em infraestrutura ou em ferramentas sofisticadas, é fundamental que a liderança leve para a rua sua tese sobre o produto e pratique a conquista de alguns clientes, mesmo com uma oferta ainda incipiente. Voltar para casa com a resposta precisa sobre o que precisamos fazer para encantar os clientes que de fato queremos é o fundamento de uma inovação saudável.
O desenvolvimento de inovações deve partir da visão sobre o que irá encantar um segmento de clientes estrategicamente escolhido, com ofertas cada vez mais personalizadas.
Uma boa estratégia de seleção e atração de clientes de alto valor é praticamente a única coisa que todas as organizações de sucesso têm em comum.
Luís Guedes é professor da FIA Business School