Na saga da Disney, Bob Iger contra-ataca

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Norberto Zaiet: "Parceria estratégica para a ESPN é um ‘game changer’ para a companhia" (Crédito: Divulgação)

Por Norberto Zaiet

Muita coisa aconteceu com a Disney (NYSE: DIS) nos últimos três anos. Após uma temporada de crescimento acelerado marcada pela aquisição de ativos formidáveis como Pixar, Marvel e 21st Century Fox, pela expansão para mercados importantes como a China e pela criação de serviços de streaming como Disney+, havia chegado a hora de arrumar a casa.

Essa arrumação começou em 2020, com a ‘aposentadoria’ repentina de Bob Iger, o CEO que, desde 2005, havia conduzido todo esse crescimento. O anúncio pegou o mercado de surpresa, especialmente porque aconteceu ao final de fevereiro, sem nenhuma preparação e pouco antes do estouro da pandemia de Covid-19. O board elegeu em seu lugar Bob Chapek, executivo com extensa carreira na empresa e, supostamente, escolhido pelo próprio Iger. Naquele momento parecia claro que o tecido corporativo da companhia estava rasgado. Nas palavras do próprio Iger: “Quando as pessoas no topo de uma companhia têm uma relação disfuncional, não há como o resto da companhia ser funcional”.

Foi natural, portanto, que depois da saída de Iger a companhia tenha mudado processos e pessoas. Chapek trocou estruturas inteiras da empresa e demitiu uma série de executivos, impondo um estilo de gestão focado em ganhos de eficiência e, diferentemente de seu antecessor, menos preocupado com a produção de conteúdo. Seus ajustes, entretanto, provocaram efeito contrário ao desejado: os números da Disney começaram a piorar, frustrando expectativas. Chapek não havia se dado conta de que o legado de Iger era muito forte e, consequentemente, sua margem de manobra era muito pequena: qualquer erro o deixaria extremamente vulnerável. De fato, em novembro de 2022 o board da Disney decidiu por sua demissão e a volta de ninguém menos que o próprio Iger, agora aos 71 anos, para arrumar a casa. Quem subestimou Bob Iger errou.

Sua volta ao comando marca uma nova época para a Disney. Protegido por um afastamento de 11 meses, o Iger de hoje tem liberdade para questionar estratégias e posicionamentos corporativos que, caso tivesse continuado no comando, não teria. Segundo ele, tudo está na mesa.

Ele reconhece que a estratégia de lançamento do Disney+ foi errada pois privilegiou ganhar o maior número de assinantes no menor espaço de tempo possível, em detrimento da rentabilidade e da capacidade de manutenção desses assinantes. Que o negócio de televisão tradicional está em franca decadência e manter ativos como a rede ABC não é mais estratégico para a companhia. Que a estrutura de custos da empresa é ineficiente e precisa ser revista urgentemente. Que a ESPN é um ativo excepcional, mas parceiros estratégicos serão necessários para desenvolver o total potencial do negócio. Não há tabus: Iger voltou para, de fato, arrumar a casa e, quando eventualmente deixar o comando da empresa, ser aclamado unanimemente como o CEO mais bem-sucedido da companhia desde Walt Disney.

O mercado, no momento, não acredita. Até agora o que se viu foi muito discurso e pouca atitude. Os cortes de despesas foram bem recebidos, mas é certo que não darão conta do recado no longo prazo, ainda mais considerando que a produção de conteúdo de qualidade é uma atividade que demanda capital de maneira intensiva. A ação negocia atualmente por volta de US$ 85, tendo chegado abaixo dos US$ 80 na semana passada, patamar equivalente ao que se observou em março de 2020.

Do meu ponto de vista, o anúncio de uma parceria estratégica para a ESPN é um ‘game changer’ para a companhia. Além disso, todos sabemos da proximidade de Iger com a Apple desde os tempos de Steve Jobs — parceiro estratégico melhor não há. Obviamente é pura especulação da minha parte, mas não descartaria uma surpresa positiva nesse sentido. O negócio de parques e resorts é forte e emblemático e, além deles, a Disney+ é mais um canal direto da empresa com o consumidor. Os caminhos parecem estar abertos para tempos melhores. Há riscos de execução, sem dúvida nenhuma. Muitos deles, porém, parecem já estar embutidos no preço.

O mau humor do mercado com a falta de fatos pode ser uma oportunidade para quem tem paciência — e para quem não subestima Bob Iger.

Norberto Zaiet é economista, ex-CEO do Banco Pine e fundador da Picea Value Investors, em Nova York