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Uber: a multa de R$ 1 bilhão e o destino empresa no Brasil

Se a empresa for obrigada a assinar a carteira de trabalho de mais de 1 milhão de motoristas, custo bilionário poderá inviabilizar a operação no País

Crédito: Guilherme Dionizio

Uber: empresa acredita que decisão da justiça não se sustenta (Crédito: Guilherme Dionizio)

Por Hugo Cilo

• Decisão da Justiça sobre vínculo empregatício pode inviabilizar operação brasileira da Uber
• Empresa e especialistas veem “insegurança jurídica” pelo fato de veredito não seguir decisões precedentes
• Sindicato dos motoristas comemora e diz que tese é embasada
• Empresa vai recorrer

 

Prestes a completar uma década de operação no Brasil, em 2024, a Uber vive algo parecido com o que na astrologia é conhecido como inferno astral. O maior e mais popular aplicativo de transporte do País e do mundo recebeu da Justiça do Trabalho, na semana passada, multa de R$ 1 bilhão por danos coletivos, sob o argumento de precarizar a relação trabalhista com os motoristas cadastrados na plataforma.

A empresa informou que vai recorrer da sentença proferida pelo juiz do Trabalho Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, até que todos os recursos cabíveis sejam esgotados. Em caso de vitória, vida que segue. Se perder, a empresa terá de reconhecer o vínculo empregatício de mais de 1 milhão de motoristas – custo estimado em mais R$ 2,7 bilhões por mês e que pode inviabilizar a operação em seu modelo de negócio atual.

Assim, a Uber se tornaria a maior empregadora do Brasil. Como comparação, a JSB, líder em número de funcionários no País, tem 151 mil colaboradores.

O cálculo considera uma renda média de R$ 5 mil mensais. Em encargos trabalhistas, a empresa teria de desembolsar R$ 2.747 por trabalhador. Para formalizar a contratação, a Uber teria de pagar 8% de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), 27,5% de cota patronal para o INSS, 1/12 mensal para o 13º terceiro e 1/12 do salário por mês para as férias, acrescido de 1/3. No entendimento do juiz, a Uber “sonegou direitos mínimos, deixou colaboradores sem proteção social e agiu dolosamente no modo de se relacionar com seus motoristas.”

Com tanto dinheiro em jogo, a Uber, comandada no Brasil pela executiva Silvia Penna, afirmou que vai lutar até o fim contra a decisão que a empresa considera arbitrária.

Em nota, a Uber informou que não vai adotar nenhuma das medidas na sentença. “Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra plataformas, como nos casos envolvendo Ifood, 99, Loggi e Lalamove, por exemplo”, disse a empresa.

Sob a direção da executiva Silvia Penna, a Uber no Brasil terá de enfrentar uma batalha jurídica para evitar custos bilionários (Crédito:Divulgação)

Na avaliação de Silvia Monteiro, especialista em Direito do Trabalho no escritório Urbano Vitalino, a existência de vínculo empregatício entre motoristas e aplicativos é um tema controverso, mas é legítimo que os trabalhadores tenham amparo da previdência. “Se não houver proteção previdenciária, quando estes trabalhadores estiverem sem condições de trabalho em decorrência da idade ou de alguma patologia, teremos uma sociedade equivalente à da época da Revolução Industrial, empobrecida, sem amparo do estado, o que implicará no aumento da miséria e violência.”

Para ela, no entanto, a multa à Uber não é o melhor caminho para se criar um ambiente de maior equilíbrio entre a empresa e seus prestadores de serviço. “A decisão perpetrada revela uma importante insegurança jurídica, o que, sob o ponto de vista econômico, sem dúvidas ocasiona a evasão de investimentos no País, e acarreta evidente retrocesso”, afirmou. “Espero que a regulamentação deste tipo de trabalho seja feita o mais breve possível pelo Poder Legislativo, para que as empresas que pretendem investir nessa atividade tenham clareza e segurança.”


Se perder a disputa com a Justiça do Trabalho, a empresa terá de reconhecer o vínculo empregatício e recolher FGTS, INSS e outros encargos (Crédito:Diego Padgursch)

Nesse mesmo sentindo, Marcelo Crespo, coordenador e professor do curso de Direito da ESPM e especialista em Direito Digital e Penal, teme que a radicalização contra a empresa traga mais problemas do que soluções. “A decisão reflete uma interpretação singular e em desacordo com o precedente estabelecido pela segunda instância do Tribunal Regional de São Paulo desde 2017, assim como por outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho.”

Para o especialista, essas divergências podem ter impactos significativos na definição do status de empregado ou autônomo dos trabalhadores que atuam nessas plataformas. “É essencial que haja clareza e uniformidade nas interpretações legais para garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores e a segurança jurídica para as empresas”, disse Crespo.

Interpretações jurídicas à parte, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativo do Estado de São Paulo (Stattesp), Leandro da Cruz Medeiros, comemora a decisão da Justiça. “É uma situação que cabe recurso, mas é uma grande vitória para a classe trabalhadora. A gente sempre vem falando sobre a existência desse vínculo. A tese do juiz está bem embasada”, disse.

Seguindo em frente

Confiante em um desfecho favorável à empresa, a Uber decidiu lançar um novo programa de assinatura no Brasil. O Uber One inclui viagens com cashback e entrega grátis, no caso de pedidos de mercado.

A iniciativa chega para substituir o Uber Pass, que será descontinuado. O programa custa R$ 19,90 por mês ou R$ 198 no plano anual, enquanto o valor mensal do Uber Pass era de R$ 24,99.

O Uber One já está presente em mercados como México, Alemanha, Espanha e EUA, onde a empresa já adota também carros autônomos — o que seria uma solução para o impasse no Brasil.

Nos EUA a empresa já utiliza carros autônomos, o que seria uma solução para o impasse trabalhista no Brasil (Crédito:Tayfun Coskun)

Segundo a companhia, os usuários do Uber One terão acesso a cashback de 10% em créditos Uber para todas as viagens na plataforma, exceto na modalidade Uber Moto.

O programa inclui também entrega grátis em compras acima de R$ 100 de mercados, farmácias e demais lojas especializadas disponíveis no aplicativo.

O Uber One prevê ainda R$ 15 em créditos Uber se um pedido chegar depois do limite de previsão de entrega estimado, assim como acesso ao suporte em tempo real, via chat.