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“O juro do cartão de crédito é uma agiotagem institucionalizada”, diz José Roberto Tadros, da CNC

Para o executivo que comanda a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), é abusivo cobrar 400% ao ano de taxa, mas o parcelamento precisa ser mantido para que o consumidor tenha condições de adquirir bens de valor mais alto

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José Roberto Tadros, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC): acabar com o cartão sem juros impactaria vendas de forma brutal (Crédito: Divulgação)

Por Sérgio Vieira

É preciso encontrar mecanismos para reduzir a cobrança de juros acima de 400% ao ano como ocorre hoje com o rotativo do cartão de crédito. Esse compromisso deve envolver o empresariado, o consumidor, os banqueiros, operadoras de cartões e o governo federal. A avaliação é de José Roberto Tadros, presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Para ele, o impacto desse índice é enorme no setor e afeta a população de baixa renda, que já tem enfrentado dificuldades em arcar com os seus compromissos financeiros. Além disso, a discussão em torno do fim do parcelado sem juros pode virar um enorme problema para o comércio. “Esse debate parte de quem tem interesse em acabar com o cartão sem juros, com o objetivo de faturar mais”, disse Tadros à DINHEIRO. Para ele, o fim dessa modalidade teria impacto brutal nas vendas. O presidente da CNC defendeu o programa Desenrola, elogiou a gestão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e criticou aspectos da Reforma Tributária.

DINHEIRO — Como o senhor tem visto a questão dos juros cobrados no cartão de crédito, que tem preocupado todo o setor?
José Roberto Tadros — O impacto é brutal no nosso setor. Nós dizemos há anos que o juro cobrado no cartão de crédito rotativo é uma agiotagem institucionalizada. Isso tem provocado uma situação muito perigosa. Temos hoje entre 13% e 14% da população brasileira totalmente inadimplente e o atual governo tem procurado, de uma forma oportuna, criar programas para diminuir esse número, como o Desenrola. Isso começou a significar uma preocupação com os endividados de baixa renda. O Brasil é, em grande parte, composto pela população de classe média baixa e de pobres. O que é um absurdo, porque um país rico como o nosso não deveria estar nessa situação. Hoje enfrentamos uma taxa de juros anual no cartão acima de 400%, o que é um índice absolutamente alto.

E qual seria um índice razoável, que poderia ser um pouco mais aceito pelo comércio?
Uma taxa decente igual ao que acontece em países em nível de desenvolvimento equivalente ao Brasil. Imagino percentual um pouco acima da taxa de inflação. Claro que entendemos que todos os setores precisam ganhar, inclusive os bancos e empresas de cartão de crédito, mas eles não podem transformar isso em uma exploração do consumidor, já que a atividade econômica gira em torno do consumo. Se você mata a galinha dos ovos de ouro, não sobra nada. É importante ter a noção de que mais de 80% do comércio fatura em cima do parcelado sem juros do cartão. Isso precisa continuar. Não sou contra o rotativo do cartão, mas o absurdo dos juros cobrados.

De quem deve partir essa discussão em torno de uma menor taxa de juros no cartão?
De todos os atores envolvidos nesse processo, que são o empresariado, o consumidor, os banqueiros que administram os cartões e o governo federal.

“O parcelamento sem juros representa aquela compra de bens duráveis. Deve ser entendido que a atividade econômica precisa girar via crédito”

O senhor entende que o governo tem demonstrado preocupação com esse tema?
Acredito que sim. Tanto que o Desenrola veio com esse objetivo. Apresentamos ao Ministério da Fazenda, no fim de setembro, um estudo sobre esse assunto, mostrando que precisamos ter uma economia equilibrada, com bom senso, e que o comércio precisa do parcelado sem juros.

Mas há quem defenda acabar com o parcelado sem juros. De quem parte esse tipo de debate?
Parte de quem tem interesse justamente em acabar com o cartão sem juros, com o objetivo de faturar mais. Acabar com essa modalidade teria um impacto brutal nas vendas. Imagina o que deve acontecer com os mais de 80% que usam esse formato. As vendas vão reduzir drasticamente. Na Argentina, por exemplo, o preço da carne subiu 39% e saiu da mesa do argentino, que é justamente um dos maiores exportadores de carne do mundo.

E para o consumidor, qual seria o impacto se o parcelado sem juros deixasse de ser uma opção de pagamento?
Todos iriam perder e ainda iria motivar o desemprego, já que comércio e serviços estão entre os maiores empregadores do Brasil. E levamos esse pleito também para o Ministério da Fazenda. O parcelamento sem juros representa aquela compra dos bens duráveis. Quando o comerciante vende esses produtos, já é embutido no preço dele muito dos juros, sem ser explícito, e consegue movimentar a indústria e o comércio. Isso é bom para todo mundo, inclusive o consumidor, que precisa desses produtos na sua casa. No Brasil não se compra televisão, geladeira, fogão, máquina de lavar pagando à vista. É parcelado. E sem juros. Nem nos Estados Unidos, a maior economia do mundo, a compra é feita à vista. Só que lá o dólar é estável, a economia é estável e o crédito é a grande mola propulsora dessa rotatividade.

Por que motivo foi possível avançar na discussão em torno da redução do juro do cheque especial mas não sobre o do cartão de crédito?
Por uma razão muito simples: o cheque especial no Brasil está restrito a uma elite, que tem conta bancária e sobre a qual o banco tem em mãos informações sobre rendimentos. Por outro lado, as compras no rotativo, que têm uma base muito maior e está à mercê da flutuação da economia, do emprego e do desemprego, são um risco. Quando você estimula essas vendas, está fazendo a atividade girar. Eles querem ter uma segurança de que não vão precisar entregar seus bens duráveis como garantia. Já o emprestador de dinheiro quer segurança. E é isso que faz criar essa situação. O que deve ser entendido é que a atividade econômica precisa girar via crédito.

O senhor já mostrou ser favorável ao programa Desenrola. E como tem sido na prática o resultado dessa ação para o comércio brasileiro?
A primeira fase, limpando o nome de quem devia até R$ 100, foi uma espécie de aperitivo, um estímulo para o processo principal, que é a chegada da rodada de renegociação de dívidas de até R$ 5 mil, que é o consumidor que, de fato, faz girar o comércio. Muita gente vai conseguir voltar a ter o nome limpo. Ainda tem gente muito pobre no Brasil. Somos um dos três maiores exportadores de alimentos e o trabalhador ganha míseros R$ 1.320. Vou morrer sem me conformar com isso.

Estudo recente da CNC mostra que 12,7% das famílias não têm como pagar as dívidas de meses anteriores. O que isso mostra?
São 27 milhões de brasileiros que estão inadimplentes. É necessário encontrar uma solução para esse contingente, que representa mais do que a população do Peru, do Chile, um pouco mais da metade da população da Argentina, quase a metade da Colômbia.

E qual sua avaliação dos primeiros nove meses da gestão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad?
O ministro está conduzindo a Fazenda com certa coerência, com equilíbrio, sem estrelismo. Ele está procurando caminhos. E é muito importante que todos entendam que sem democracia não há salvação. E o governo atual entende a importância da harmonia entre os poderes, para que as reformas e projetos possam ser aprovados. Tanto o Haddad quanto o próprio presidente Lula têm conseguido fazer isso. Aqui na CNC a gente defende democracia, livre mercado e segurança jurídica. Esse trinômio é fundamental para que a gente tenha um país estável.

Como o senhor tem visto a discussão em torno da Reforma Tributária?
Não sou muito adepto ao IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Estão copiando o modelo francês e a França é um estado unitário desde Luís XI (que foi rei da França de 1461 até 1483), quando ele acabou com o feudalismo. Eu sou amazonense e o estado do Amazonas é três vezes maior que a França. Não dá para introduzir uma sistemática de um país que corresponde a um terço da área de um estado brasileiro. Somos uma federação e não um estado unitário. É importante ter cuidado, principalmente em relação à concentração de renda.

E o que deveria ser diferente do que foi apresentado?
É necessário usar mecanismos que possam atender os estados menos favorecidos. Garantir mais receita para esses estados. Veja o que aconteceu em relação aos municípios, que se rebelaram. Isso precisa mudar. Não dá para aplicar uma norma geral para realidades diferentes. O Brasil é assimétrico, com estados desenvolvidos e com outros que ainda precisam se desenvolver. Os Estados Unidos fizeram integração, por meio de linhas ferroviárias, no século 19. O Brasil nem sequer está integrado territorialmente. Esta é a visão distorcida da realidade. O que está sendo discutido não é o ideal.

E o que já foi aprovado da reforma?
Muitos dos itens aprovados têm o dedo da CNC, como geração de crédito por empresas do Simples, estímulos fiscais para a Zona Franca de Manaus e áreas de livre comércio de Rondônia, Roraima, Amapá e Rio Grande do Sul, alíquota diferenciada para diversos segmentos de serviços, como restaurantes, hotéis e atividades artísticas. Essas foram propostas defendidas pela CNC e que foram aprovadas. E há outros itens em discussão no Senado. O relator, por exemplo, senador Eduardo Braga (MDB), que é meu conterrâneo, sabe que existem diferenças regionais brutais, como a Amazônia e o Nordeste. Vamos discutir sempre para tentar chegar ao ideal. Tenho certeza de que há espaço para isso. Esse governo é de diálogo.

“Teve gente dizendo que Sesc e Senac têm uma caixa-preta, o que não é verdade. Fizemos uma estrutura para beneficiar os menos favorecidos e isso provoca inveja”

Está superada a discussão que queria destinar parte dos recursos do Sistema S para a Embratur?
Não há mais receio que isso aconteça. Isso era desconhecimento de causa. Teve gente dizendo que Sesc (Serviço Social do Comércio) e Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) têm uma caixa-preta, o que não é verdade. Temos um conselho fiscal nacional com sete membros, dos quais quatro são do governo, um do trabalhador e dois do empresariado. O sistema é privado. Fizemos uma estrutura para beneficiar os menos favorecidos e isso provoca inveja. Ninguém conhece mais o Sistema S que o próprio presidente, que fez curso no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). E quando abordei esse assunto com ele, foi o primeiro a se manifestar favoravelmente ao meu pleito. Lula sabe a importância que o Sistema S representa para o Brasil.

A CNC acabou de divulgar pesquisa inédita sobre questões ligadas a ESG e o setor de turismo é o que mais conhece esses conceitos, com 50,7%. Por qual razão?
O turismo lida diariamente com estrangeiros, onde esse tema é mais avançado. No comércio, esse número é de 47,5%, e, no segmento de serviços, 43,2%. No caso das grandes empresas, o índice é de 58,3%, porque importam, exportam, já que há uma visão mais clara no mundo da importância da preservação ambiental, da responsabilidade social e da boa governança. Isso rende benefícios ao País. Cada vez mais o consumidor tem essa consciência, principalmente o consumidor internacional. Mas tenho certeza de que rapidamente iremos avançar nessa questão.