Economia

O próximo nó de Haddad

Vitória do governo Lula no Arcabouço Fiscal está longe de ser definitiva — e batalha que envolve estrutura fiscal terá tom de final de Copa do Mundo

Crédito: Sergio Lima / AFP

Fernando Haddad Ministro da Fazenda: "O resultado [do Arcabouço Fiscal] foi expressivo. Agora vamos para a próxima batalha, a Reforma Tributária” (Crédito: Sergio Lima / AFP)

Por Paula Cristina

Não que as batalhas travadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenham sido brandas na corrida pela aprovação do novo Arcabouço Fiscal. Nem mesmo que sua vitória no Congresso não mereça congratulações. Mas quando se trata de Brasil, o desafio adiante é sempre o mais importante. E a bola da vez agora é a Reforma Tributária. Muito longe de um consenso, as diretrizes que vão nortear a estrutura fiscal brasileira ainda são um mistério. Políticos, empresários, economistas e tributaristas não conseguem chegar perto de um coro uníssono e qualquer resultado, invariavelmente, vai desagradar alguém. “Queremos aprovar a Reforma Tributária antes do recesso dos parlamentares. Vamos continuar o diálogo amplo com a sociedade e com o Congresso”, disse Haddad, em sua primeira aparição após aprovação da âncora fiscal.

Mas o caminho do diálogo não será tão fácil quanto parece. Na prática, cada um dos lados envolvidos advoga em causa própria. Empresários falam de aumento de 22% dos impostos. Governadores estimam perdas de arrecadação superiores a R$ 15 bilhões, economistas e tributaristas garantem que sem mudança o sistema atual é insustentável e trava o País.

Tudo isso forma uma polarização replicada no Congresso Nacional e que reflete diretamente no andamento da pauta. Arthur Lira (presidente da Câmara) e Rodrigo Pacheco (do Senado) possuem posições distintas sobre qual melhor Reforma Tributária adotar. Se a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019, que tramita na Câmara, ou a PEC 115/2019, que é avaliada no Senado. Em um mundo ideal as duas seriam fundidas, mas esse caminho está longe de acontecer. Os dois se aproximaram durante a votação da âncora fiscal de Haddad, mas há uma disputa interna quando o assunto são as normas tributárias. O governo, por sua vez, tem preferência pela PEC 45, que foi desenhada por Bernard Appy, hoje secretário extraordinário da Reforma Tributária, mas não descarta desemembrar o texto para garantir alguma aprovação em 2023.

SOLUÇÕES Geraldo Alckmin deve promover uma via sacra entre empresários, prefeitos e governadores para mitigar riscos da Reforma (Crédito:Suamy Beydoun)

Em entrevista recente à DINHEIRO, Appy afirmou que sabe dos desafios para a aprovação, mas acredita haver espaço ao diálogo. “Precisamos olhar para as convergências. Muitas vezes nos forçamos a olhar para o que discordamos, mas esse tempo passou”, disse. E o termo convergência também foi usado por Lira, que em seu balanço após a votação do Arcabouço afirmou que falta pragmatismo no governo federal. “Faltou um pouco de comunicação, buscar uma convergência e aceitar que o Parlamento tem muito a contribuir”, afirmou.

No Executivo, o presidente Lula deixou nas mãos de Haddad a condução da Reforma Tributária, o que é bem visto pelo mercado, mas encarado como descaso pelos deputados e senadores. Isso pode provocar alguma resistência do Centrão a apoiar o governo na próxima pauta estruturante. O que também versou contra as premissas do governo na semana do Arcabouço foi a expectativa do Ministério da Fazenda de aumento do déficit nas contas públicas em 2023. Haddad havia prometido um resultado negativo em 0,5% do PIB e ele subirá para 0,58%. Porcentualmente, parece pouco. Mas isso ocorreu em apenas dois meses — abril (fechado) e maio (projetado). Segundo dados da própria Pasta esse há R$ 28 bilhões em gastos extras, levando o rombo para R$ 136,8 bilhões.

Esperança e receio

Fora de Brasília o andamento da Reforma Tributária é visto com um misto de esperança e receio. Há um consenso que o atual sistema é ineficaz, inadequado e incapacitante. Mas ninguém tem a fórmula exata da solução. Para debater este tema, o Lide-Grupo de Líderes Empresariais, convidou governadores, prefeitos, empresários e políticos para discussão, e a resposta foi a mais socrática possível. Há muitas dúvidas, muitos lados, muitas ponderações e zero verdade absoluta. “Não à toa estamos há três décadas fazendo a mesma discussão”, disse Luiz Fernando Furlan, economista, ex-ministro e chairman do Lide. Para ajudar a avançar o tema entre os empresários, o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, deve reforçar a agenda com a cadeia produtiva.

Entre os políticos, a fala de Ronaldo Caiado, governador de Goiás, talvez tenha sido a mais enfática. Ele afirmou que não há viabilidade em aprovar toda a reforma de uma vez, sendo necessário fatiar o projeto. “Do jeito que está posto Goiás teria um rombo de R$ 400 milhões”, disse. Segundo o governador isso compromete a manutenção de serviços básicos, como o transporte público. A visão foi compartilhada pelo prefeito de Ribeirão Preto (SP), Duarte Nogueira. “Minha estimativa é de perda de 11% da receita com a reforma atual.”

Longe de uma solução que agrade gregos e troianos, há grandes chances de o governo federal optar por desmembrar a reforma tributária para ter mais garantias de aprovação ainda em 2023

DÚVIDAS Gestores públicos acreditam que Reforma pode tirar subsídios para serviços públicos e empresários temem alta dos impostos (Crédito:Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)
(Bruno Santos)

Entre os nomes mais relacionados com a cadeia produtiva, como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, a discussão precisa avançar de uma forma ou de outra, ou o Brasil não crescerá. “Estamos em um forte ritmo de desindustrialização que só será interrompido quando o sistema tributário for mais justo”, afirmou. Luiz Cláudio Caravalho, que foi secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, e atuou como fiscal de renda no estado de São Paulo por 20 anos, o problema central reside na incerteza.

Não há no projeto nenhuma alternativa ou saída para compensação arrecadatória. Também não há a opção prevista no texto de o Estado diminuir de tamanho. “Não esclarece quem será o gestor do tributo. Qual a parte ficará com cada ente federativo? Hoje são os três”, disse.

Por fim, ele entende haver distorções que vão aprofundar a distância entre gestões públicas maiores e menores, e isso também acontecerá em alguma escala entre as empresas. “Ou todo mundo perde, ou ninguém perde.” Uma versão abrasileirada e contemporânea do “só sei que nada sei”.