Sob pressão, Jeep tem novo comando. E um desafio gigante
Marca busca Antonio Filosa, presidente da Stellantis na América do Sul, para recuperar share. Produção do elétrico Avenger no Brasil não está descartada
Por Angelo Verotti
Até pouco mais de dois meses, Antonio Filosa estava com a vida estabilizada no Brasil. À frente da Stellantis na América do Sul, o italiano tinha adquirido recentemente uma casa de praia na Bahia, para curtir momentos ao lado da família. Mas quis o destino e o português Carlos Tavares, CEO global, que o executivo assumisse outro importante desafio e, ao que tudo indica, bem mais complicado na atualidade: recuperar mundialmente as vendas da Jeep, uma das marcas mais renomadas entre as 14 que integram o portfólio do grupo automotivo, mas que tem perdido mercado nos últimos anos.
“A minha missão é crescer organicamente, balanceando rentabilidade e volume, e fazer isso agregando valor à marca”, disse Filosa durante entrevista on-line com a imprensa. “Foram eixos adotados no Brasil e na América do Sul que vou perseguir globalmente.” Ele vai assumir o cargo no próximo dia 1º de novembro em substituição ao francês Christian Meunier, que vai se dedicar a projetos pessoais.
A promoção é um reconhecimento a Filosa pelos resultados alcançados desde 2018. Nos últimos seis anos, período em que ocupou a presidência da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) na América Latina e, a partir de 2021, o mais alto posto na Stellantis na América do Sul, o executivo levou a Fiat e depois o conglomerado europeu à liderança do mercado brasileiro e do continente.
“Somos os líderes nos três principais países da América do Sul: Brasil, com 32,2%, na Argentina (31,3%) e no Chile (12,3%)”, disse o presidente. No mercado nacional, a participação do grupo passou de 16,7% para 23,8% em cinco anos.
Filosa revelou ter sido pego de surpresa pelo convite para assumir a Jeep. “Eu tinha acabado de comprar uma casa no Sul da Bahia e estava instalando o wi-fi”, afirmou. Ele trocará a cidade de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, por Alburn Hills, em Michigan, nos Estados Unidos.
• Um dos primeiros objetivos do presidente será “proteger o core” da Jeep, que tem, segundo ele, uma comunidade de clientes que a veneram.
• Numa segunda etapa a meta será alcançar novos mercados.
As estratégias se mostram mais do que necessárias. A Jeep enfrenta uma sequência de queda nas vendas pelo mundo após alcançar a marca de quase 1,6 milhão de unidades comercializadas em 2018.
No ano passado, foram negociados pouco mais de 1,1 milhão de automóveis, montante 12% inferior ao de 2021. Pior: o número foi menor até do que o total de 1,2 milhão comercializado em 2020, na pandemia.
Uma das causas para a redução dos negócios é a dificuldade enfrentada pela empresa para ganhar penetração na China, o maior mercado do mundo, que registrou queda de 59% nas vendas no ano passado.
O motivo é a lentidão da Jeep em implantar a eletrificação, em plena expansão no país asiático. A marca hoje possui apenas um veículo 100% elétrico no seu portfólio, o Avenger, comercializado no mercado europeu.
“A minha missão é crescer organicamente, balanceando rentabilidade e volume, e fazer isso agregando valor à marca Jeep.”
Antonio filosa, presidente da Stellantis da América do Sul e futuro CEO global da Jeep
Para o CEO global Carlos Tavares, a culpa pela queda nas vendas está relacionada a estratégias de marketing pouco eficientes e à oferta errada de versões nas concessionárias. Em entrevista recente ao Automotive News Europe, o português afirmou que “um exemplo disso” é a maior oferta de Avenger elétrico na Europa do que de versões a combustão, sendo que os consumidores se interessam pelo modelo turbo.
“Não aceitamos o fato de termos perdido participação. É só seguir o caminho correto porque bons produtos nós temos”, afirmou. O executivo também criticou o fato de modelos como o Wrangler 4xe e Grand Cherokee 4xe, líderes nos EUA, dificilmente serem encontrados para pronta-entrega.
Os Estados Unidos e o Canadá compõem o principal mercado da Jeep no mundo, com 66% de share. Mas a região registrou queda de 12% nas vendas em 2022 na comparação anual. Para complicar, o Wrangler tem perdido espaço nos EUA para o Bronco, da rival Ford.
A redução na comercialização já supera os 15% no acumulado deste ano enquanto o modelo da concorrente apresenta alta de quase 40%. Uma disputa saudável e na qual Filosa se mostra mais do que preparado para comandar.
Com pleno conhecimento das operações da Stellantis no continente, Filosa já faz planos para a Jeep e não descarta a produção do eletrificado Avenger no Brasil. “A ideia não me parece ruim”, disse ele. Outra opção seria uma versão eletrificada do Renegade.
O Brasil, diferentemente do que acontece na Ásia e na Europa, tem sido um porto-seguro para a Jepp. Não à toa o País se tornou o segundo maior mercado da montadora no mundo.
A marca saltou do nono lugar em emplacamentos de automóveis e comerciais leves em 2019, com 129,4 mil unidades, para o sexto em 2022, com 137,5 mil. Este setembro deste ano, foram negociados 97,1 mil veículos.
Outra boa notícia para a marca é que dois dos modelos vendidos no País aparecem na liderança até o final do terceiro trimestre. É o caso do Compass entre os SUVs médios, com 44,7 mil emplacadas até setembro, e do Commander entre os SUVs grandes, com 15,3 mil.
Mas nem tudo é alegria. O Renegade ocupa o quinto lugar entre os SUVs compactos, com 36,6 mil. O modelo chegou a vender 73,9 mil exemplares em 2021, mas viu o número cair para 51,3 mil no ano passado.
Região
Na América Latina, apesar da queda de 6% nas vendas em 2022, a marca goza de prestígio entre a Geração Z, nascida entre 1995 e 2010. Foi o que mostrou pesquisa da another, agência de comunicação estratégica com atuação na região, que levou em conta a opinião de 150 mil centennials (como também são conhecidos) entre os mais de 8,6 milhões de seguidores que responderam às perguntas de influenciadores latino-americanos, em setembro, em relação a quatro temas: mobilidade, consumo de eletrônicos, videogames e entretenimento.
Em mobilidade, os jovens pertencentes à Geração Z, culturalmente usuários de transporte público, revelaram a preferência pela Jeep quando questionados a respeito da marca de carro que gostariam de ter. Dentre as 46 mil respostas analisadas sobre o assunto, a bandeira teve 55% das indicações, seguida pela Nissan, em segundo lugar (17%), e pela Hyundai, em terceiro (8%).
Realidade
Se no mercado norte-americano a Ford é uma pedra no sapato da Jeep, no Brasil a marca busca ampliar a presença. As vendas caíram desde o fechamento das plantas e o consequente encerramento da produção no País em 2021. E isso está refletido nos números.
Em 2019, antes da pandemia, a montadora americana emplacou 218,5 mil unidades, volume que caiu para 20,8 mil no ano passado. A fabricante tem priorizado veículos de maior valor agregado. Até setembro deste ano, vendeu 19 mil exemplares, com destaque para a picape Ranger, com 13,1 mil.