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“O Porto de Santos está longe de ficar saturado”, diz Sepúlveda, da Santos Brasil

Executivo reponsável pelo maior terminal de contêineres da América do Sul entende que os investimentos previstos irão ampliar a capacidade de movimentação portuária. A empresa conclui em 2031 ciclo de R$ 2,6 bilhões em obras para ampliar o berço de atracação e eletrificar os equipamentos no pátio e no cais santista

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Antonio Carlos Sepúlveda, CEO da companhia Santos Brasil (Crédito: Divulgação)

Por Sérgio Vieira

Responsável por 30% da movimentação da balança comercial brasileira, com 162,4 milhões de toneladas e 4,9 milhões de TEUs (unidade de medida equivalente a um contêiner de 20 pés) em 2022, o Porto de Santos ainda está distante de ficar saturado, principalmente pelos investimentos privados previstos para a extensão e modernização dos terminais.

A avaliação é de Antonio Carlos Sepúlveda, CEO da companhia Santos Brasil, responsável por 40% da movimentação de contêineres no porto (e 18% do total no Brasil), e que tem o ambicioso plano de concluir em 2031 um ciclo de investimentos, iniciado em 2019, no valor de R$ 2,6 bilhões para garantir ainda mais espaço e eficiência na movimentação de cargas.

Desse total, R$ 1 bilhão foram aportados na construção de berço de atracação e no processo de eletrificação de guindastes, que irá contribuir no compromisso da empresa de ser carbono neutro em 2040.

Para o executivo, os principais gargalos do setor são os acessos rodoviários e marítimos. Sepúlveda defende a necessidade de ação imediata para a construção de uma terceira estrada de São Paulo para o litoral e mais investimentos na dragagem do cais. Sobre a troca do ministro de Portos e Aeroportos em menos de um ano de governo, ele entende ser ruim, mas acredita que não haverá mudanças nos projetos.

DINHEIRO — Em capacidade, o Porto de Santos está perto de ficar saturado?
Antonio Carlos Sepúlveda — O porto vai ultrapassar neste ano, seguramente, 165 milhões de toneladas movimentadas. O sistema portuário brasileiro evoluiu muito nas últimas duas décadas, e o de Santos inclusive. Quando a gente olha para o segmento de contêineres, há três terminais muito bem equipados lá e dois deles com plano de investimentos, que são Santos Brasil e DP World, e a BTP às vésperas de prorrogação de contrato. Santos ainda não utltrapassou 5 milhões de TEUs e, com os investimentos, a capacidade do porto deve chegar a 6 milhões de TEUs em no máximo cinco anos. Isso mostra uma situação relativamente confortável. Na Santos Brasil operamos sem fila e a gente acaba operando navios de outras empresas em alguns momentos de estresse. E o olhar precisa estar sempre voltado para o futuro. A gente tem que pensar no porto como uma alavanca de desenvolvimento do País. Então, digo que o porto de Santos não está saturado. Está longe de ficar saturado. E, com nossos investimentos de crescimento, devemos ficar com uma capacidade de ociosidade da ordem de 50%. Hoje temos 70% de ocupação.

E como será esse plano de investimentos da empresa?
É um plano de R$ 2,6 bilhões, entre 2019 e 2031. Até aqui, já gastamos R$ 1 bilhão neste projeto, que leva o nosso terminal à capacidade de 3 milhões de TEUs. Nossa expectativa é terminar o ano com capacidade de 2,4 milhões, mas devemos chegar em 2 milhões de TEUs em movimentação.

Então por que há quem afirme que o Porto de Santos chegou ao limite?
Há avaliações muito superficiais, que não levam em conta capacidade que está sendo construída. Existem visões que fazem projeções de crescimento muito maior do que de fato tem acontecido. Por exemplo, a movimentação esperada em contêineres para o Porto de Santos no ano que vem é inferior ao que foi movimentado em 2021. Há estudo que aponta para demanda daqui dois anos que é incoerente com a realidade, desconectada com os projetos de investimentos do porto. E a Santos Brasil continua investindo para estar cada vez mais à frente da demanda. O Brasil perdeu boa parte de sua indústria, tem exportado muito commodity em contêiner, e a economia não tem crescido muito nesse mercado de carga conteinerizada, principalmente no cenário pós-pandemia.

De qualquer forma, a Santos Brasil tem registrado aumento na receita. Sem crescer muito os volumes, qual a explicação para esta alta?
Nossa movimentação está estabilizada. No caso do Tecon Santos, os preços foram realinhados e os contratos foram reequilibrados. No fim do governo Dilma Rousseff, houve um período de queda de PIB e isso contribuiu na redução de volumes, o que causou desequilíbrio grande entre oferta e demanda. A partir de 2019, essa oferta voltou a ficar mais equilibrada e fez com que os preços voltassem a patamares anteriores. Mas também teve aumento na nossa área de logística, produtos de maior valor agregado, e de graneis líquidos. Agora nossa expectativa é de aumento de volume, com esse crescimento na capacidade em Santos.

Do total de R$ 1 bilhão já investidos neste ciclo atual, o que foi feito pela companhia em Santos?
Basicamente nós construímos mais um berço de atracação no terminal, trocamos guindastes de cais e compramos quatro. Ainda vamos comprar mais quatro, que vão se juntar aos seis que já temos, capazes de operar navio de 366 metros, que podem movimentar até 15 mil TEUs, a maior configuração no Porto de Santos. E o Tecon foi preparado para operar três navios desse tipo ao mesmo tempo. Fizemos também investimentos no pátio. Esses aportes vão na direção da descarbonização do terminal, em um projeto que contempla redução drástica de emissão de carbono. Nosso objetivo é chegar a 2040 em carbono neutro, em um caminho que a gente viu que é possível. A gente reduziu, nos últimos cinco anos, de 14 quilos de CO2 equivalente por TEU para nove quilos. Agora, a gente vai receber nossos primeiros equipamentos 100% elétricos de operação em pátio, que saíram da China no começo de outubro e chegam no fim de novembro.

Qual o diferencial desses equipamentos, além de serem elétricos?
Eles são operados remotamente, de dentro do escritório. É um conceito novo de operação. Agora estão chegando os primeiros oito de um total de 40. Um operador pode operar mais um guindaste. O equipamento opera organizando os pátios, de uma forma muito mais moderna. Esses equipamentos comprados estão nesse pacote de R$ 1 bilhão de investimentos feitos.

“Com investimentos, a capacidade do porto deve chegar a 6 milhões de TEUs em no máximo cinco anos. No caso da Santos Brasil, nós operamos sem fila’’

E onde irão os outros R$ 1,6 bilhão?
Eles virão em mais equipamentos de cais e todo esse processo de eletrificação do pátio. Em vários portos do mundo, quando o navio atraca, já desliga as máquinas e é conectado a uma fonte de energia elétrica. Então, os nossos três berços estarão aptos a fornecer energia elétrica para os navios. Isso representa uma redução drástica de emissão de carbono.

Voltando na capacidade do porto, o problema maior então tem a ver com logística, em relação aos acessos?
O grande problema dos portos está nos acessos. E, no caso de Santos, o porto está em duas cidades, em Santos e Guarujá. Os acessos rodoviários, principalmente o last mile (última milha), são complicados. No caso do Guarujá, isso está melhor, mas Santos ainda está mais complicado. Há projetos de instalação de terminais na área continental de Santos, que é o futuro do crescimento do porto. Precisa ter uma visão voltada para o futuro e produzir acesso antes de a necessidade chegar. A gente já está atrasado quando fala em dragagem para um calado de 15,5 metros, que é para suportar o navio de 366 metros. Hoje a gente tem 14,5 metros. Também precisamos pensar em mais uma alternativa rodoviária ao Sistema Anchieta-Imigrantes. Isso precisa começar agora, porque um projeto desses demora mais de dez anos. Precisamos continuar evoluindo com ferrovias e ter essa terceira pista rodoviária.

O que fica claro é que o setor privado tem feito seus investimentos para garantir o crescimento do porto de Santos. E o público?
O setor público tem feito muito, principalmente nos últimos 30 anos. A gente saiu da condição dos piores portos do mundo para ter terminais que competem de igual para igual no mundo. O Brasil não perde para nenhum país, levando-se em conta os tamanhos equivalentes. Há um processo político de mudança de governo, e o projeto da administração anterior era de licitação da gestão do porto. E a agora o projeto é de manter o porto público e fazer a concessão somente do canal. Seria uma injustiça dizer que o poder público não está fazendo o trabalho dele. Existe um atraso no aprofundamento do canal e agora temos que olhar o que vamos fazer com a questão rodoviária. É necessário olhar para o futuro.

Então o senhor entende que a privatização da Autoridade Portuária está descartada?
Acredito que sim. Não é necessário que a Autoridade Portuária seja privatizada para que seja eficiente. É óbvio que precisa melhorar a governança, em que a sociedade privada participe dessa administração. E é preciso que a autoridade tenha mais poder, para não ter mais atrasos na gestão. Essa é a última fronteira que vejo para o setor. Esse governo está buscando melhorar a Autoridade Portuária como ente público, o que é válido. A maioria dos países funciona assim.

Ter dois ministros de Portos e Aeroportos em apenas dez meses de governo não é ruim?
Seguramente, mas o nível de maturidade é muito maior que antigamente. Claro que há um período de adaptação, mas o ministro Silvio Costa Filho entrou muito afinado. Márcio França (que foi deslocado para o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) também fez um grande trabalho no setor. No caso do Porto de Santos, foi mantido o presidente (Anderson Pomini). E isso é muito positivo. O objetivo é o projeto para melhorar os portos brasileiros. Compromisso é com o rendimento da administração pública e não com loteamento partidário. Não é o ideal ter trocas, mas no caso de Santos não creio que haverá qualquer tipo de disrupção nos projetos.

“O Brasil tem uma vantagem enorme, principalmente na questão da economia verde. Todo mundo quer chegar onde estamos’

Se ainda há tanto espaço disponível em Santos, como o senhor diz, por qual razão o porto tem perdido cargas para terminais como o de Paranaguá?
Há uma questão fiscal. Algumas cargas têm ido para Santa Catarina, Vitória, Paranaguá, por causa de benefícios fiscais, de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Grande parte dessas cargas é do estado de São Paulo. Vão para lá de navio e chegam a São Paulo de caminhão. Santos perdeu um pouco, mas é um porto que atende o Brasil inteiro. A movimentação do porto representa 30% da balança comercial brasileira. Como ordem de grandeza, o porto de Hamburgo (na Alemanha) faz 120 milhões de toneladas, e o de Santos vai alcançar 165 milhões neste ano. Santos é grande para qualquer país do mundo e está preparado para suportar crescimento da indústria e do agronegócio.

Nesse sentido, sua avaliação é de otimismo para a economia?
Sim. O Brasil tem uma vantagem enorme, principalmente na questão da economia verde. Todo mundo quer chegar onde estamos. Há energia elétrica limpa abundante. Temos de pensar não só como governo, mas como sociedade, para conseguir reindustrializar o País. E nosso setor tem se sofisticado ao longo do tempo, e entregue muito à sociedade brasileira. A Santos Brasil faz parte disso. Hoje respondemos por 40% da movimentação de contêineres do Porto de Santos, e, ao fim desse nosso ciclo, em 2031, seremos responsáveis por 50% do volume no maior porto brasileiro.