Simplificar e focar: conheça a estratégia da Danone para crescer
Com faturamento de 27,6 bilhões de euros no mundo, empresa passa por reestruturação global, com o Brasil pioneiro na unificação de unidades de negócio
Por Beto Silva
RESUMO
• Missão da Danone é fazer produtos saudáveis para as pessoas e para o planeta
• Brasil é mercado que voa baixo. Na carona, América Latina já tem média de vendas superior à global
• Simplificação de portfólio e distribuição da operação brasileira é referência para marca global
• Reestruturação interna baseada em foco e eficiência nos negócios levam a Danone a novo ciclo de crescimento
• Estratégia para expansão envolve lançamentos de produtos, tecnologia e cada vez mais práticas ESG
Antoine Riboud fez um discurso emblemático durante um fórum organizado pela federação francesa de empregadores, em outubro de 1972, em Marselha. O então CEO da Danone resgatou o contexto social e político da época para provocar reflexões sobre o papel do empreendedorismo na sociedade. Defendeu a responsabilidade das empresas no progresso econômico, social e ambiental, em conceitos considerados à frente do seu tempo. “A responsabilidade corporativa não termina no portão da fábrica ou na porta do escritório”, disse Riboud, no que ficou conhecido como O Discurso de Marselha.
A partir das palavras do executivo, a companhia estabeleceu um projeto de duplo propósito, em que vincula seu sucesso financeiro ao progresso do entorno. Virou uma espécie de mantra da gigante francesa de alimentos. Está enraizada na cultura da empresa.
Mais de meio século depois daquela manifestação histórica, Edson Higo, CEO da Danone Brasil, passa a seus 3,5 mil colaboradores os ensinamentos de Riboud: “Temos um portfólio saudável para as pessoas e para o planeta”, disse à DINHEIRO o executivo, que coloca em prática os ideais do discurso cinquentenário para colocar o País entre os destaques globais da Danone.
Globalmente, a empresa faturou 27,6 bilhões de euros em 2022, com lucro líquido de 959 milhões de euros. A rentabilidade do primeiro semestre deste ano já superou o período inteiro de 2022: 1,1 bilhão de lucro líquido, para uma receita de 14,1 bilhões de euros.
Puxada pelo Brasil, a América Latina registrou vendas 11,7% mais altas, superior à média global de 7,8%. A meta é continuar a evoluir em dois dígitos até 2025. Já a produtividade por aqui foi recorde, com aumento na casa dos 8,1%, a melhor da companhia em todo o mundo.
Números e desempenho que levaram o CEO global da Danone, Antoine de Saint-Affrique, a citar a região na conferência sobre os primeiros seis meses deste ano.
O executivo abordou, inclusive, a reorganização da companhia ao se desfazer de alguns negócios e focar em outros, o que chamou de aceleração da racionalização do portfólio. “No Brasil, descontinuamos o negócio de águas com margens baixas e licenciamos o de leite sob a marca Paulista, o que nos permitirá concentrar recursos na parte de maior valor agregado e lucrativa do portfólio”, disse Saint-Affrique. Desde setembro de 2022 a empresa não produz mais a água Bonafont no Brasil. E os produtos de leite da marca Paulista passam para a Laticínios Tirol em 1º de dezembro.
Nos últimos anos, a Danone reduziu de 400 para cerca de 200 SKUs. No País, as linhas de negócios passaram de quatro para três — produtos lácteos, base vegetal e nutrição especializada.
Mais do que isso, mudou o formato da operação. Até 2021, eram equipes diferentes para vender e distribuir os produtos de cada categoria. A partir de 2022, como parte de uma reestruturação global em que o Brasil esteve no centro da estratégia, unificou o portfólio para atuar de forma mais ágil e simplificada.
Fornecedores e canais de venda passaram a ter contato com apenas uma equipe, num movimento de integração interna ressaltado por Edson Higo. “Ficamos muito voltados para dentro, para arrumar a casa: ajustar o go-to-marketing, as nossas relações com os clientes e reconectar com os consumidores”, disse. “Depois da reorganização, começamos neste ano uma jornada de crescimento.”
Fazer esse movimento parece fácil ao olhar de fora, levando-se em consideração que se trata da Danone, companhia notadamente reconhecida. Algo como fazer uma baliza na direção de um carro de direção elétrica, com câmeras e sensores. Mas, na realidade, está mais para atracar um navio em um porto complicado, como é o mercado brasileiro, com uma embarcação gigante de 104 anos e tripulação de 96 mil colaboradores.
É, principalmente, uma lição ao mercado quando Higo admite que “existem coisas que a gente não sabia fazer bem mesmo”. E a solução foi deixá-las de lado para focar no core de grandes marcas.
Professor da ESPM, do Insper e da Live University, Fernando Moulin avalia que a Danone está alinhada com diversos movimentos estratégicos similares que ocorrem em empresas competidoras diretas e em segmentos com desafios semelhantes. “Há uma busca intensa por maior foco e eficiência nos negócios, que vêm demandando revisão extensiva de portfólio”, afirmou o especialista em negócios, transformação digital e experiência do cliente. “Dado esse contexto, a estratégia parece fazer sentido.”
“Ficamos muito voltados para dentro, para arrumar a casa. Depois da reorganização, começamos uma jornada de crescimento.”
Edson Higo, CEO da Danone Brasil
Novas fórmulas
Marcos Freitas, especialista em crescimento empresarial e fundador do grupo Seja Alta Performance, corrobora, ao apontar que uma empresa como a Danone está em constante atenção em relação às necessidades de mercado. “A redução do mix não é somente devido à demanda, mas à concentração de força nos produtos que estão funcionando”, disse Freitas. “Com isso, além de ganhar força de produção, concentrada onde as coisas estão dando certo, vai conseguir uma distribuição mais forte.” Como ele diz, “muda de rota e ajusta os parafusos para continuar perpetuando seu crescimento”.
Dentro da tática atual da Danone, duas iniciativas ganham evidência. Uma delas é a alteração das fórmulas de seus produtos para que sejam mais saudáveis. Até o Danoninho, que em 2023 completa 50 anos, teve mudanças em sua receita. Agora, tem 40% menos açúcar, aromas naturais e colorido com frutas.
O petit suisse — não, não é iogurte — é dos produtos mais vendidos pela Danone no Brasil. Por ano, mais de 480 milhões de potinhos são comercializados. Nos últimos dez anos, praticamente 100% do que a Danone faz teve a fórmula modificada.
Esse investimento permite que, por aqui, 89% de seus produtos sejam classificados como saudáveis, segundo o sistema Health Star Rating, e que 98% deles não tenham rotulagem nutricional frontal, de acordo com a nova legislação vigente no País (desde outubro de 2022), para informar de forma clara e simples sobre o alto conteúdo de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio nos alimentos.
O especialista Fernando Moulin diz que, com a preocupação cada vez maior dos consumidores e dos governos com temas ligados à saúde, a Danone se antecipa à transformação que ocorre nos hábitos de consumo de diversos segmentos, principalmente dos consumidores com maior acesso à informação e renda.
Além disso, segundo ele, existe pressão cada vez maior dos reguladores para desestimular a produção e a venda de ultraprocessados. “A revisão de portfólio deverá ser explorada fortemente como diferencial competitivo pela Danone e endossará na prática suas políticas em temas ESG.”
Outra iniciativa, em paralelo à modernização do portfólio, é o lançamento de produtos. Um dos principais deste ano foi o YoPro Energy Boost, com 15 gramas de proteínas e 100 mg de cafeína, o equivalente a duas xícaras de café. A bebida proteica tem sido umas das líderes de vendas da Danone, que aumentou a produção — feita em planta própria em Poços de Caldas (MG) e também numa fábrica parceria.
O sucesso tem levado a ações de marketing inovadoras, como a feita com o time de futebol do Red Bull Bragantino. De maneira inédita, a equipe utilizou seu uniforme de treino na partida oficial contra o ar o mote “cada treino conta” e promover a bebida láctea.
A Danone lançou ainda este ano seu leite fermentado da marca Activia, para concorrer com o tradicional Yakult. E outra novidade acaba de chegar nas gôndolas dos mercados brasileiros. Uma colab entre a empresa francesa e a Quaker, da Pepsico, deu origem a um iogurte com aveia para o café da manhã.
Fórmulas de praticamente todos os produtos foram alteradas nos últimos dez
anos para torná-los mais saudáveis, com menos açúcares e gorduras
Projeto Flora
O CEO Edson Higo ressalta que todos os produtos carregam em seu bojo inovações amparadas em três S: sustentável, saboroso e saudável. Um dos destaques nesse contexto é o Projeto Flora, de novos modelos de produção leiteira para alcançar mais sustentabilidade e rentabilidade na cadeia do leite, em parceria com pequenos e grandes produtores.
De acordo com a companhia, além de promover a preservação do meio ambiente e o bem-estar animal, gera aumento na produtividade três vezes maior que a média do Brasil, segundo dados da Educampo, do Sebrae e do Departamento de Inteligência do Trabalho Rural.
O programa já abrange 1,4 mil hectares, ultrapassando a meta inicial em mais de sete vezes. No total, 14% do volume de leite captado pela Danone no País é produzido com práticas regenerativas. A empresa ainda bonifica financeiramente as fazendas que aderem a seus projetos de agricultura regenerativa e de qualidade do leite. “Isso é impacto na saúde e impacto na sustentabilidade do planeta”, disse Higo. “É mais uma ação que nos conecta com nossa história.”
Esse pé na natureza, de um lado, se conecta ao universo digital por meio de várias frentes tecnológicas. Há programa de atração e aproximação com universidades e startups para resolver suas próprias dores e a de seus clientes.
Internamente, por exemplo, desenvolve uma espécie de Chat GPT próprio, para levantar rapidamente gráficos a partir de dados de seu banco e municiar executivos para tomada de decisões.
Para fora, trabalha para oferecer gratuitamente a clientes soluções tecnológicas. A intenção não é se transformar em uma empresa tech, mas passar a imagem para o mercado de uma corporação digitalizada.
Existem dois aplicativos com funções tão eficientes quanto curiosas sendo usados principalmente na Europa e que estarão à disposição do mercado brasileiro em breve.
• Um deles, ao captar o som do choro de uma criança, sinaliza qual tipo de problema pode ser. Pode identificar que é cólica, por exemplo.
• O segundo analisa a imagem do cocô de bebês e, antes de enviar para o médico, o app já indica qual intercorrência de saúde pode estar envolvida.
“Estamos criando uma forma de nos conectar digitalmente com os consumidores”, afirmou Higo, ao citar ainda o Mundo Danone, que hoje é o e-commerce da empresa, e a Academia Danone, que são utilizados como plataformas de consulta, formação e informação nutricionais e de saúde em geral para profissionais da medicina e consumidores.
Seja na oferta de tecnologia, nos rumos do modelo de negócio, nos produtos, nas fórmulas dos alimentos ou diretamente nas intervenções em agricultura e pecuária, a Danone segue com a convicção inabalável nos princípios marchetados no histórico Discurso de Marselha.