Entenda o dilema de Lula para a agenda econômica
Ao tentar demonstrar mais responsabilidade fiscal, o presidente vai precisar desapegar da pauta progressista para destravar com Arthur Lira uma agenda que eleve a arrecadação pública
Por Paula Cristina
RESUMO
• Depois dos danos causados pela fala de Lula sobre equilíbrio fiscal, a prioridade é o PL que revisa a aplicação de benefício fiscal para grandes empresas
• Na negociação com o Legislativo, Lula vai ter de deixar de lado pautas sociais, especialmente aborto e maconha
• O Executivo também promete passar pente fino nos benefícios previdenciários, auxílio desemprego e Bolsa Família
O cenário em Brasília é o mesmo dos últimos dez anos: um presidente da Câmara cheio de exigências, um presidente da República entre a cruz e a espada e uma economia frágil reagindo mal a qualquer tropeço. Nessa corda bamba, as falas de Lula sobre responsabilidade fiscal e o fisiologismo do Congresso só corroem mais a atividade economia. E para evitar que isso se espalhe, Lula terá de entrar de vez na articulação política. Primeiro para mostrar resultados mais sólidos sobre a responsabilidade fiscal e de quebra melhorar a imagem do Ministério da Fazenda — que, algumas vezes, teve seus pareceres diminuídos ou desvalidados por falas do próprio chefe do Executivo. No topo das prioridades na negociação está o Projeto de Lei 5.129/23 que revisa a aplicação de benefício fiscal para grandes empresas e pode render R$ 70 bilhões entre 2024 e 2025.
Em um encontro com pelo menos 25 deputados e senadores, Lula negociou o avanço da pauta, mas sabe que precisará rifar temas polêmicos e diminuir os gastos com política social para ser atendido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira.
Segundo o ministro da Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a negociação é parte de um jogo que Lula sabe jogar e sabe das regras, e que o presidente tem clareza sobre seus objetivos. “Continuaremos cuidando do mais pobre. Os ajustes fazem parte do quebra-cabeça da República”, disse.
O entendimento do ministro se alinha (pelo menos em público) ao de Fernando Haddad (Fazenda) que acrescenta ser a responsabilidade fiscal um dos pilares para o desenvolvimento do Brasil. “Meu papel é buscar o equilíbrio fiscal, farei isso enquanto estiver no cargo. Não é por pressão do mercado, não é porque sou ortodoxo, mas tem dez anos que é preciso voltar às contas públicas.”
Governo quer do apoio de Lira para andar com mudança tributária que renderá R$ 70 bilhões em dois anos
É aqui que entra no roteiro o Projeto de Lei 5.129/23, enviado pelo Executivo (porque Lira não gosta quando o governo envia Medida Provisória), e que regulamenta a isenção tributária para créditos fiscais oriundos de subvenção para investimentos.
Esses créditos são transferências de recursos para uma empresa para auxiliar, por exemplo, na ampliação de seu parque industrial ou diversificação de atividades. Em análise na Câmara dos Deputados, a proposta do Executivo tem o objetivo de regulamentar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segundo a qual os créditos fiscais devem ser incluídos na base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
No julgamento, o STJ estabeleceu que não é preciso demonstrar a origem do crédito para garantir a sua exclusão do cálculo dos tributos, mas que a Receita pode lançar a tributação sobre o crédito se verificar que os valores foram usados para outra finalidade.
O plano do governo é seguir o entendimento, mas mudar a ordem: passa a ser necessário comprovar o uso adequado da subvenção e do crédito para se obter o benefício da isenção tributária. Dessa forma, o crédito fiscal somente poderá ser calculado após o fim da implantação ou da expansão do empreendimento econômico.
Negociação
Na bateria de encontros com líderes de bancadas, a expectativa do governo é que uma comissão mista para avaliar o tema esteja ativa na primeira semana de novembro. A informação foi confirmada pelo líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), à DINHEIRO.
O parlamentar também falou sobre mudar a forma, já que qualquer modificação tributária por PL precisa de 90 dias antes de entrar em vigor. Uma MP, como queria o governo mas não queria Arthur Lira, teria feito imediato até a chancela do Congresso. “Conversei com o presidente Lira e com Haddad para resolver a questão. Estou otimista.”
Para que o projeto avance como MP, o presidente Lula precisará abrir mão de alguns pontos importantes em sua agenda social, temas que são caros aos apoiadores petistas e parte da esquerda mais jovem.
Um assunto que sairá da pauta de curto e médio é a descriminalização da maconha, que seria feita via Congresso, tirando do STF a pecha de legislador.
O mesmo valeria para flexbilização do aborto, dois temas espinhosos e de caminho praticamente inviável dentro do Legislativo brasileiro.
Também serão colocados à mesa pelo Legislativo contrapontos ao que um senador do MDB, que falou sob condição de anonimato, chamou de “gastança desgovernada.” Segundo ele, todos os ministérios instituem políticas próprias e gastam para a mesma finalidade: igualdade racial, direitos humanos e educação, por exemplo.
“Há programas iguais destinados ao mesmo público. Tem que cortar”. Nessa linha, o governo Lula sinaliza cortes de R$ 14 bilhões no Orçamento de 2024, além da promessa de passar um pente fino nos benefícios previdenciários, auxílio desemprego e Bolsa Família.
Lula, assim como o resto do Brasil, assistiu nos últimos dez anos como se dá a relação Executivo-Legislativo, e sabe que conduzir os temas relevantes nos extremos é ruim. É impossível governar sem coalizão, mas também é inócuo deixar tudo nas mãos do Congresso e virar a Rainha da Inglaterra.