Grupo da Starbucks no Brasil deve R$ 1,8 bi: há chances de sobrevivência?
A SouthRock Capital, que controla a rede de cafeterias Starbucks, além da Subway, TGI Fridays e Eataly, luta para sobreviver em um dramático cenário de venda das operações, renegociação com credores ou mesmo a falência
Por Hugo Cilo
No filme Faça o que eu Digo, Não Faça o que Eu Faço (2008), o protagonista Danny Donahue (encenado pelo ator Paul Rudd) discute com uma funcionária da cafeteria Starbucks sobre a diferença do “tall” (354 ml), do “grande” (473 ml) e do “venti” (600 ml). O climão criado no balcão da loja pelo debate sobre o tamanho dos copos, se fosse no Brasil, hoje teria pouca relevância. A maior rede de cafeterias do mundo vive no País uma enrascada de dimensões gigantescas.
A SouthRock Capital, controladora das bandeiras Starbucks, Subway, TGI Fridays e Eataly no País, busca uma saída para não tombar. As dívidas superam R$ 1,8 bilhão e, por enquanto, não houve aval da Justiça para um plano de Recuperação Judicial.
• Em 2020, a SouthRock teve queda de 95% nas vendas.
• Em 2021, a queda foi de 70%.
• No ano passado, recuo de 30%.
• Nas últimas semanas, 42 das 187 lojas no País foram fechadas.
Com ajuda da consultoria Galeazzi e do banco UBS BB, a SouthRock tenta um acordo para as marcas do grupo com potenciais compradores e credores. A SouthRock apresentou uma lista de credores à Justiça com mais de 150 páginas. Entre eles estão a própria matriz da Starbucks (uma dívida estimada de R$ 49 milhões para regularizar o uso do nome por aqui) e bancos como Banco do Brasil, Bradesco, Santander, ABC, BS2, Sofisa e Votorantim.
O problema é que, por enquanto, os credores estão céticos em relação à real situação financeira do grupo e à capacidade de reação nos próximos anos.
Quatro gestoras, expostas a outras marcas do grupo, querem que a rede Subway seja incluída no processo judicial. Já o fundo de recebíveis da SPS protocolou na Justiça um pedido, alegando um “cherry picking ilegal” da SouthRock, e “confusão patrimonial” entre as empresas.
A companhia afirma que a crise econômica no Brasil por causa da pandemia, a inflação e a permanência de taxas de juro aumentaram os desafios do negócio. Com a crise, a empresa solicitou recuperação judicial na justiça de São Paulo. O pedido foi negado pelo juiz de Leonardo Fernandes dos Santos, da 1ª vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.
Segundo o magistrado, a SouthRock não forneceu os elementos técnicos necessários para justificar a aceitação do pedido de recuperação judicial.
Nos últimos meses, a Cacau Show despontou como potencial comprador da Starbucks Brasil e a operação da Subway. Outros nomes, como os controladores de Outback e do Coco Bambu, corriam por fora, mas o único que admitiu a negociação foi o empresário Alexandre Costa, da Cacau Show.
Nos bastidores, o negócio teria travado por precaução de Costa, alertado sobre os riscos de mergulhar em segmentos fora do seu core, no caso da Subway.
Especialistas ouvidos pela DINHEIRO apontam que a única saída viável para a SouthRock será um plano de recuperação. É o que avalia o economista Wagner Moraes, especialista em macroeconomia, mercado financeiro e CEO da A&S Partners.
“A negação do pedido de recuperação judicial pela Justiça de São Paulo indica que o grupo gestor pode ter falhado em fornecer uma visão clara e documentada da saúde financeira da empresa, o que é um requisito fundamental para que medidas como a recuperação judicial sejam aprovadas”, afirmou Moraes.
“Este fato aponta para uma possível falha de gestão, que pode incluir aspectos como planejamento financeiro inadequado, controles internos fracos e talvez uma estratégia empresarial deficitária.”
Para que o pedido de recuperação judicial seja reconsiderado ou aceito após um recurso, a empresa terá de garantir transparência e comprovar a viabilidade da reestruturação. “Existe a possibilidade de que um novo pedido de recuperação judicial seja aceito. No entanto, sem informações adicionais sobre as medidas que a empresa está disposta a tomar e sem uma análise mais aprofundada da decisão judicial e das ações subsequentes da SouthRock, não é possível afirmar com certeza se a justiça aceitará ou não um futuro pedido de recuperação judicial”, disse Moraes.
Desamericanização
Para Fernando Canutto, especialista em Direito Societário e sócio do Godke Advogados, o processo de recuperação judicial da SouthRock lembra o da Saraiva, que pediu autofalência no mês passado. “Foi uma expansão muito grande quando o mercado não suportava isso. A Saraiva deu exatamente essa justificativa quando pediu recuperação judicial. E durante a pandemia a Starbucks fez essa expansão quando o mercado não conseguiu absorver”, explica.
Apesar das recentes comparações entre Starbucks e a varejista Americanas, na avaliação de Filipe Denki, especialista em Direito e Reestruturação Empresarial, sócio do Lara Martins Advogados, os casos não são semelhantes. “O pedido de recuperação judicial da Americanas foi decorrente do escândalo contábil. Da SouthRock, pelo menos a princípio, foi dificuldade financeira”, disse.
Denki critica a visão de que o mecanismo de recuperação judicial serve para proteger os executivos das companhias em dificuldades. “É um equívoco falar que protege mais o devedor do que o credor. O objetivo é proteger a atividade empresarial e sua função social, geração de empregos, pagamento de impostos e geração de riqueza. A punição deve ser para os gestores, sócios controladores e executivos em caso de comprovação da má gestão”, disse.
Já Canutto avalia que a Starbucks não deu tão certo no Brasil pela dificuldade da empresa em entender o mercado nacional, além dos preços altos cobrados pelos produtos. “O Brasil tem uma cultura de café diferente comparando com os Estados Unidos. Lá, as pessoas vão e trabalham naquele local. Aqui é mais para tomar a bebida e conversar. Além disso, os preços praticados aqui são caros, o que dificulta sua penetração no mercado”, disse.