ArcelorMittal consolida maior programa de investimentos na siderurgia brasileira
Segunda maior siderúrgica do mundo e uma das maiores do País ativa plano de R$ 25 bilhões para aumentar produção e avançar nos setores de construção civil, infraestrutura e automotivo
Por Beto Silva
“A indústria do aço contribui decisivamente para o desenvolvimento industrial do País. Transformando o minério em gusa e aço, as matérias-primas que representam o esteio da civilização contemporânea.” A constatação parece bem atual, mas refere-se ao início do século 19, quando usinas de minério de ferro que surgiam no estado de Minas Gerais alavancavam a economia brasileira.
Faz parte do documentário A Colônia Luxemburguesa, da historiadora Dominique Santana, que desvenda as histórias dos trabalhadores de Luxemburgo que ajudaram a instalar a siderurgia no Brasil há mais de 100 anos.
Esse conteúdo é exibido no recém-inaugurado showroom da ArcelorMittal em João Monlevade (MG). É uma das 34 unidades produtivas da siderúrgica de origem luxemburguesa no País.
Suas minas, usinas e bioflorestas se espalham por sete estados — e a contribuição do aço que sai dali para o desenvolvimento do Brasil é tão grande quanto previam os pioneiros da atividade no século 19.
Os tarugos produzidos na planta geram desde pequenos parafusos, a palhas de aço para lavar louça, arame farpado, correntes e quadros de bicicleta, peças de carros, estruturas de fundação e esqueletos de prédios, fios para pneus e muitas outras aplicações de produtos que ou saem prontos dali ou são terminados por clientes.
Agora, a companhia se prepara para o próximo centenário com um plano ousado: investir R$ 25 bilhões na modernização e ampliação de suas unidades industriais para produzir mais aço e de maior valor agregado.
“Nós acreditamos no potencial e no futuro do Brasil. Aqui existem oportunidades para todos os lados”
Jefferson De Paula, presidente da ArcellorMittal Brasil e CEO da companhia no segmento Longos e Mineração para a América Latina.
Benchmark
O executivo brasileiro entrou na empresa como trainee e chegou à presidência em outubro de 2021. Reporta-se diretamente ao indiano Aditya Mittal, CEO global da empresa. Eles, junto do comitê executivo e o conselho, definem os rumos da companhia.
Onde a maioria vê problema, De Paula e Mittal observam as tais oportunidades. “Isso é uma característica da empresa”, disse o presidente. “Somos benchmark em muitas áreas. Então a nossa gestão é muito bem valorizada lá fora.”
Vamos, então, à prática. O Brasil possui déficit habitacional de quase 6 milhões de moradias, segundo dados da Fundação João Pinheiro, utilizados pelo governo federal. Esse é o problema que a ArcelorMittal vê como oportunidade.
O setor de construção civil representa 58% das vendas da companhia no País, o que inclui imóveis industriais. É uma das vias de crescimento que a empresa aposta para os próximos anos.
Uma análise acertada, segundo Guillermo J. Diaz Vidal, CEO e fundador da Conceptha Construção Modular. “O mercado de construção de tipo modular e offside [fabricada fora do local de instalação, de forma industrializada] está crescendo muito e só vai se multiplicar. Deve alcançar US$ 51,9 bilhões até 2025, segundo relatório da Reportlinker”, disse. “E mesmo que existam vários modelos que usam diferentes materiais na estrutura, o aço é sem dúvida um dos mais importantes.”
Outro alvo da ArcelorMittal é a infraestrutura. O problema: apenas 12% das estradas brasileiras são asfaltadas, de acordo com estudo da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Para a ArcelorMittal, é uma oportunidade de fornecer aço para a pavimentação dos 88% restantes.
O saneamento básico é mais um exemplo. São 100 milhões de brasileiros sem esgoto tratado e 35 milhões sem acesso à água potável, indica o Instituto Trata Brasil.
Os avanços nesse segmento passarão pela produção da companhia luxemburguesa. “Se nós somos capazes de enxergar tudo isso e de ir em frente, administrar bem, fazer uma ótima gestão, acredito que teremos sempre sucesso”, afirmou De Paula, ao acrescentar outras oportunidades como a construção da Arena MRV, do Atlético Mineiro, que receberá jogos oficiais em agosto e consumiu mais de 10 mil toneladas de aço da ArcelorMittal.
Esse otimismo a organização tem exercido mesmo com a oscilação do setor de aço em 2022, depois de um 2021 com resultados excepcionais que elevaram a régua da base de comparação.
Ano passado o consumo de aço aparente no Brasil caiu 10,9%, para 23,4 milhões de toneladas. As vendas internas recuaram 9,1%, para 20,2 milhões de toneladas. E a produção de aço bruto encolheu 5,8%, para 34 milhões de toneladas. Enquanto isso, a ArcelorMittal registrou receita líquida de R$ 71,6 bilhões, 3,8% maior que no ano anterior, com lucro líquido de 9,1 bilhões, 29% menor do que 2021.
O plano de R$ 25 bilhões da ArcelorMittal no Brasil começou ano passado e vai até 2025. Com ele, a companhia vai aumentar em 38,5% a produção de suas plantas, dos atuais 12,7 milhões de toneladas de aço para 17,6 milhões de toneladas por ano. É o maior programa de investimentos no setor siderúrgico brasileiro.
As plantas serão modernizadas e ampliadas, e será produzido aço de maior valor agregado. Em março, concluiu também a aquisição da Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), no Ceará, que passou a se chamar ArcelorMittal Pecém.
O processo de compra de 100% das ações — valor não revelado — começou em 2022. Com o negócio fechado, consolidou-se como a maior produtora de aço do Brasil e da América Latina.
A usina tem a capacidade de 3 milhões de toneladas por ano. Está localizada em ponto estratégico, com acesso ao Porto do Pecém, o que possibilita a integração da unidade à rede global de produção de aço da ArcelorMittal, visando principalmente o mercado de placas tanto nacional quanto internacional.
Alta resistência
No projeto de ampliações, a unidade de Monlevade terá sua capacidade praticamente duplicada dos atuais 1,2 milhão de toneladas por ano de aço bruto para 2,2 milhões de toneladas anuais. Na Mina do Andrade (MG), fornecedora de minério de ferro para a planta, a produção passará de 1,5 milhão para 3,5 milhões de toneladas por ano. Já na usina de Vega, em São Francisco do Sul (SC), ocorrerá a inserção de novos itens ao portfólio de produtos revestidos de alta resistência destinados aos setores automotivo e de eletrodomésticos, a partir do quarto trimestre deste ano. Na Mina Serra Azul, em Itatiaiuçu (MG), a expectativa é elevar a produção de 1,6 milhão para 4,5 milhões de toneladas por ano de minério de ferro. Já na usina de Barra Mansa (RJ) a fabricação de aço será aumentada em 500 mil toneladas ao ano, com ampliação do portfólio de produtos e soluções voltados aos mercados automotivo, de energia e da construção civil. Na planta industrial de Sabará (MG), a intenção é expandir a capacidade em 35% de trefilados.
Gabriel Meira, sócio da Valor Investimentos, avalia que em 2023 haverá diminuição do custo das commodities e isso deve impactar as vendas de forma geral da ArcelorMittal.
Mas estima-se que a retomada da economia e a retração da inflação vão acarretar em aumento na demanda por exportação, em especial minério de ferro e aço para infraestrutura. “Faz sentido o projeto da empresa em aproveitar para melhorar as fábricas e a produção em momento de demanda mais baixa, para estar pronta quando a demanda acelerar.”
ESG
A ArcelorMittal Brasil anunciou em abril uma joint venture com a Casa dos Ventos, uma das maiores desenvolvedoras e produtoras de projetos de energia renovável no Brasil, para geração de energia eólica total de 553,5MW, provenientes de 123 aerogeradores.
O empreendimento fornecerá 267MW para a ArcelorMittal, volume superior à média do estado do Amapá e o dobro do Acre. Existe possibilidade de expandir a capacidade, adicionando mais 100MW de energia solar.
A siderúrgica tem 55% de participação no negócio. O plano engloba R$ 4,2 bilhões, maior contrato do tipo no Brasil. O complexo Eólico Babilônia Centro ficará localizado na Bahia.
O projeto está atualmente em fase de licenciamento ambiental e regulatório, com obras previstas para começar ainda neste ano e operação em 2025.
O objetivo é descarbonizar uma parte considerável das operações da empresa no País. Deve atender 38% das necessidades totais de eletricidade da ArcelorMittal por aqui em 2030, e evitar a emissão anual de 208 mil toneladas de CO2 na atmosfera. O movimento é importante tanto no aspecto ambiental quanto no financeiro.
Segundo Jefferson De Paula, 6% dos custos da companhia no País são com energia elétrica. “Somos o sexto maior consumidor de energia elétrica no Brasil. Então é estratégico para nós.”
A joint venture é mais um passo que a companhia luxemburguesa dá em direção ao uso de fontes renováveis de energia e ao compromisso de liderar a descarbonização na indústria do aço. A meta é chegar a 2030 com redução de 25% nas emissões de CO2 e em 2050 tornar-se globalmente neutra em carbono.
Para isso, será preciso mudar completamente a fonte de energia para derretimento do minério de ferro. Uma planta-piloto já está em operação na Bélgica, com a proposta de ter um alto forno de gás natural. Hidrogênio verde também está na mira. Essas seriam as novas plantas.
Mas como ficariam as atuais? Seriam derrubadas? Não. Outro estudo em andamento capta na saída do forno os gases de efeito estufa que hoje são produzidos e os transforma para serem reutilizados em outra parte do processo de produção. “Não existe siderúrgica de forma sustentável nos próximos 50 anos se não passar por esse processo que nós estamos liderando agora no mundo”, disse De Paula.
Inovação
Nas estantes da sala de Jefferson De Paula, no 26º andar de um prédio da empresa na região central de Belo Horizonte, dois livros chamam a atenção.
Ensinando o Elefante a Dançar, de James A. Belasco, mostra que muitas empresas são pesadas e lentas como esses grandes animais e, para superar a resistência a mudanças, é preciso estimular os funcionários a usarem a própria criatividade para saírem da inércia.
E Espírito de Startup, de Glauter Jannuzzi e Ricardo Abreu, sugere que é preciso inovar — e rápido — na era das transformações digitais e disruptivas.
As leituras apontam que o executivo está focado no processo de inovação da ArcelorMittal. Essa virada de chave em uma das indústrias mais tradicionais — a siderúrgica — não é tarefa fácil.
Por isso a companhia coloca o funcionário dentro de sua estratégia digital. São 60 colaboradores treinados para observar e desenvolver tecnologias em suas áreas.
As sugestões desse projeto, denominado iNO.VC, são direcionadas para análise de subcomitês dos setores industrial, comercial e transversal, geridos pelo Departamento de Tecnologia da Informação. Outro braço tecnológico da companhia é o Açolab, inaugurado em 2018, primeiro hub de inovação aberta da indústria de aço no mundo. Está conectado a 8 mil startups.
Rodrigo Carazolli, gerente de Inovação, Novos Negócios e Startups da ArcelorMittal, ressalta que a empresa tem tradição forte em inovação fechada, das portas para dentro, com seus 16 centros de pesquisa no mundo e 1,5 mil engenheiros. “Agora nos estruturamos para capturar também valor por meio da inovação aberta. Tem gente muito competente dentro da empresa, mas fora também”, disse.
Esse modelo foi reforçado com um fundo de R$ 110 milhões em 2021. O Açolab Ventures irá investir em propostas que façam sentido para a siderúrgica.
Das 900 startups analisadas, quatro já foram investidas com um total de R$ 26 milhões. São elas Agilean (de planejamento de obras que se atualiza automaticamente conforme o andamento da construção), Modularis (de construção modular para a indústria), Beenx (one stop shop para a negociação de energia) e Sirros (especializada em IoT para a indústria 4.0).
Com tudo o que está no radar da empresa, em breve a historiadora Dominique Santana terá material para um segundo documentário.
ENTREVISTA
Jefferson de Paula, presidente da ArcelorMittal Brasil
O que faz a ArcelorMittal executar um investimento desse volume neste momento?
Temos plantas industriais em 16 países. A nossa performance no Brasil é muito eficiente. Somos benchmark em muitas coisas. Nossa gestão é muito bem valorizada lá fora. Acreditamos no potencial e no futuro do Brasil. A gente não pensa em governo Bolsonaro ou governo Lula. Nos mais de 100 anos da nossa história houve anos muito bons e muito ruins. Mas estamos sempre crescendo. O Brasil é um país de oportunidades para todos os lados, na habitação, na infraestrutura, com estradas, portos, aeroportos…
O sr. citou algumas vias de oportunidades, mas não o setor automotivo. Por quê?
A construção civil tem mais oportunidade. Porque é muito atrasada em produtividade e inovação. O setor automotivo já é um modelo de alta produtividade. Trabalhamos com esse segmento na avaliação do que vai ser o carro, o caminhão, o trator do futuro. Sabemos que vai ser elétrico, de biocombustível… E nossos produtos serão diferentes.
Quais são as dificuldades do setor siderúrgico?
A maior dificuldade é que o Brasil não cresce. O consumo de aço no Brasil em 1980 era de 105 quilos por habitante. Em 2022, são 108 quilos por habitante. Em 40 anos estamos estagnados. A média mundial é de 225 kg/hab. O México é de 190 kg/hab. Chile é 170 kg/hab. Na China em 1980 o consumo era de 20 kg/hab. Hoje é de quase 700 kg/hab. O Brasil tem 30 milhões de pessoas na linha da pobreza, 100 milhões não têm esgoto tratado, tem que avançar em infraestrutura.
O poder público precisa ser mais eficiente?
Sim. O Brasil é um país complexo para trabalhar. O Custo Brasil é altíssimo. Na Argentina, o gás natural custa US$ 4,00 o milhão do BTU. No Brasil, US$ 19,00. Porque não tem infraestrutura de transporte e distribuição de gás. As normativas mudam praticamente todos os dias. Nós temos mais de 100 pessoas trabalhando na área tributária aqui no Brasil. Nos Estados Unidos nós temos três pessoas. O Brasil é um país amarrado e tem de competir com EUA, China…
O sr. esteve com o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, em Brasília, levando pautas do Instituto Aço Brasil, do qual é chairman. Como foi recebido?
Saímos muito bem impressionados. Escutou e anotou. Achei muito preparado. Ele sabe o que fala. E o que não sabe, pergunta e anota. Eu disse que é importante a gente não ter sobressalto a todo momento. O decreto do Saneamento Básico havia sido aprovado e agora falam em voltar atrás. Reforma Trabalhista, aprovada, não pode voltar atrás. Tem coisas que são políticas de Estado.