COP28: Brasil conseguirá protagonismo na questão do clima? Analistas comentam
País terá sua maior delegação da história na conferência do clima, em Dubai, com participação ativa do governo e da iniciativa privada. Evento é oportunidade para mostrar os avanços no caminho da descarbonização
Por Jaqueline Mendes e Sérgio Vieira
Na imagem oficial que ilustra a participação dos países na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP27), realizada no Egito, em novembro do ano passado, não há representante brasileiro. Como fez em toda sua gestão, Jair Bolsonaro ignorou a importância da discussão global sobre as mudanças climáticas. Então eleito para o terceiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva foi convidado para o evento com status de estrela, mas não podia falar pelo Estado brasileiro. Coube a ele apresentar promessas para seu futuro governo. Um ano depois, o cenário é completamente diferente. Com a maior delegação da história (cerca de 2,5 mil representantes), entre nomes do governo, do Legislativo, iniciativa privada e sociedade civil, o País já leva soluções para a COP28, em Dubai, que começou na quinta-feira (30) e vai até 12 de dezembro, nas áreas econômica, ambiental e energética.
Em tempos de busca de saídas para a descarbonização, o mundo está interessado em saber o que o Brasil tem a mostrar às demais nações e como pretende chegar na COP30, em 2025, que será em Belém (PA), em plena Amazônia.
Ao todo, são esperados 14 ministros na COP28, entre eles Fernando Haddad, da Fazenda, e Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Um ativo importante que o governo federal levará ao fórum refere-se à queda do desmatamento na Amazônia neste ano.
Segundo dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a redução de derrubada no bioma foi de 49,7% entre janeiro e outubro, em relação ao mesmo período de 2022.
Por outro lado, o Cerrado registrou alta de 3% nos mesmos meses sobre o ano passado, em uma área equivalente ao tamanho da cidade de Manaus.
Na conferência global, Haddad irá apresentar o Plano de Transformação Ecológica (PTE), que pretende guiar a transição econômica do País com a promoção do desenvolvimento sustentável. A ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, anunciou a abertura de cinco editais do programa Mais Inovação Brasil para financiar projetos nas áreas de transição energética, bioeconomia, infraestrutura e mobilidade.
O total de recursos investidos chega a R$ 20,85 bilhões. Grandes companhias brasileiras, inclusive as que atuam em setores muitos ligados a emissões de gases de efeito estufa, estarão com seus principais C-levels na conferência, com anúncios importantes de ações ambientais e de soluções energéticas.
“Esse papel não é só do governo. As companhias estão cada vez mais presentes em eventos paralelos e querem mostrar que são benchmark em relação a emissões, também muito em função da pressão do mercado investidor”, disse Rodolfo Sirol, diretor de Meio Ambiente e de Sustentabilidade do grupo CPFL Energia e ex-charmain do Pacto Global da ONU no Brasil. “No campo da energia, por exemplo, a gente vem avançando muito com biodiesel, na inserção de álcool e na eletrificação de frota, com a vantagem de uma matriz enérgica limpa. Isso já está no planejamento estratégico das organizações.”
Para Danilo Maeda, head da consultoria Beon ESG, a COP28 será uma plataforma para discutir questões emergentes, como a conservação da biodiversidade e a importância da restauração dos ecossistemas para enfrentar as mudanças climáticas. “É fundamental que a conferência seja um momento de ação decisiva para conseguirmos cumprir os parâmetros climáticos previstos no Acordo de Paris”, disse.
Fato é que o Brasil poderia ter sido protagonista desta discussão climática bem antes. A edição da COP25, em 2019, estava inicialmente marcada para ocorrer em solo nacional, mas Bolsonaro disse não. O Chile, então, se ofereceu para organizar o evento da ONU, mas a capital Santiago enfrentou uma onda de protestos civis. Ao fim, o fórum global acabou sendo realizado em Madrid, na Espanha.
“O que o Brasil perdeu nesse período é que a gente só conseguiu se posicionar no mundo como celeiro de alimentos e não como matriz de valor agregado. A complexidade de nossa matriz econômica piorou muito nos últimos anos. Poderíamos estar em melhores condições”, disse Patricia Ellen, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e sócia da AYA Earth Partners.
Mas o consenso é que é hora de olhar para a frente. “O Brasil precisa estar unido e mostrar seu papel na diplomacia mundial. Não dá para a gente se mostrar dividido.”
OUTRA LÍNGUA
Mas a ativista climática e fundadora da Creators Academy, Kamila Camilo, enxerga de outra forma. Para ela, ainda que fisicamente o Brasil esteja junto no espaço da COP, ao contrário de edições anteriores, em que o governo tinha seu próprio pavilhão, há um grande caminho para que haja consonância das ações. “Os atores brasileiros desse tema não falam a mesma língua”, disse. “O governo atual, no entanto, chega com uma ação mais ambiciosa no avanço à redução das emissões e com uma delegação mais diversa, com indígenas e jovens também.”
“O Brasil precisa estar unido e mostrar seu papel na diplomacia mundial durante a COP28. Não dá para a gente se mostrar dividido.”
Patricia Ellen, sócia da Aya Earth
O diretor de Sustentabilidade da Ambipar, Rafael Tello, entende que o País deverá ser protagonista no fórum global, a exemplo do que ocorreu durante a Semana do Clima, em setembro, em Nova York. “Serão anunciados resultados importantes durante todo o evento. O Brasil chega para passar um recado importante ao mundo de que há ações sendo feitas. A missão agora é conseguir ser percebido como protagonista, para integrar iniciativa privada e sociedade civil com os outros países.”
A ausência do presidente americano Joe Biden e da vice Kamala Harris na COP deste ano (o enviado dos Estados Unidos será John Kerry, emissário da Casa Branca para questões climáticas) é um ponto fora da curva do evento, mas pode representar ainda mais oportunidades para as empresas brasileiras. “Deixa esse espaço aberto ao Brasil. Esperamos que seja ocupado e a aposta para isso é o Plano de Transformação Ecológica”, afirmou Patricia Ellen.
O irônico da história, e que causou muita controvérsia nos meses anteriores ao evento, foi a definição de realizar a COP nos Emirados Árabes Unidos, um dos principais produtores de petróleo do mundo. “Olhando pelo copo meio cheio, seria uma oportunidade sincera para negociar um processo de transição dos combustíveis fósseis de uma maneira justa. Mas a tendência é que haja também uma intenção para aumentar as negociações de petróleo”, afirmou Kamila.
“As empresas estão cada vez mais presentes na COP e querem mostrar que são benchmark em relação a emissão de gases de efeito estufa.”
Rodolfo Sirol, diretor da CPFL
“O Brasil, com seu potencial em energia solar e eólica, pode apresentar avanços significativos nesse sentido, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis”, afirmou Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia (AIE). “A indústria de óleo e gás vai se confrontar com a hora da verdade na COP28 em Dubai.”
Para o ano que vem, o palco da COP29 está indefinido. A expectativa é que ele seja realizado num país do Leste Europeu, mas a partir da guerra da Ucrânia o cenário ficou incerto.
Até por conta disso, há uma grande tendência que o foco, ao fim do evento deste ano, já recaia sobre o Brasil, para a COP de 2025, principalmente com a presença em Dubai do Consórcio Amazônia Legal e do governador do Pará, Helder Barbalho.
A advogada Tatiana Cymbalista, sócia da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, acredita que o Brasil terá a chance de mostrar, agora em Dubai e em 2025 em Belém, seu efetivo protagonismo mundial, posição já ocupada em outros momentos. “É um símbolo de que estamos de volta. O Brasil sempre foi um gigante ambiental, que sediou a histórica Eco-92. É uma oportunidade para o País mostrar que irá cumprir suas metas estabelecidas. E não é absurdo acreditar”, disse.
O recado dado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, durante pronunciamento no início deste ano traduz o sentimento da urgência nas ações para mitigar os impactos das mudanças climáticas: “2023 é o ano do ajuste de contas”. A clara mensagem é que o momento de promessas já passou. Agora é hora da prática. A oportunidade está posta em Dubai.