Economia

Cidades já não conseguem pagar suas contas e o cenário deve piorar

Lula veta redução da contribuição previdenciária de pequenos municípios e joga luz a uma questão que um dia terá de ser encarada: será que precisamos mesmo de tantas cidades?

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Contas públicas dos municípios brasileiros: alerta de colapso já está tocando (Crédito: Istockphoto)

Por Paula Cristina

Olhar para as contas públicas dos municípios é um exercício de controle de ansiedade. Mais de 55% viraram outubro sem condições de arcar com as contas, e o número deve encostar em 80% até o final do ano. Oito a cada dez cidades gastam 91% de suas receitas com custeio da máquina e folha de pagamento, tornando praticamente inviável qualquer obra que não seja custeada pelo estado, ou pela União. E isso, com uma eleição batendo à porta, tem causado um reboliço, principalmente depois que o presidente Lula vetou o PL 334/23 que tratava da desoneração da folha de pagamento.

Junto dele havia algo mais: a contribuição previdenciária de municípios com até 156,2 mil habitantes cairia de 20% para 8%, mas o governo federal decidiu manter o índice maior. Pelos cálculos da Confederação Nacional dos Municípios (CMN), a decisão representa R$ 11 bilhões ao ano a menos no caixa dessas prefeituras.

Mas será que esse é o principal problemas das cidades de até 156,2 mil habitantes? Nesse perfil de município, nove a cada dez prefeitos estão com as contas no vermelho, e a recuperação financeira não se trata apenas de uma gestão mais eficiente, ou mais repasses federais, mas uma revisão se a existência deste perfil de cidade ainda faz sentido para as contas públicas da União.

Em um universo com 5.570 executivos municipais, o custo da máquina pública nos pequenos é praticamente o dobro por habitante de uma cidade com mais de 300 mil moradores, segundo dados do Ipea.

E as coisas não vão ficar mais fáceis. Com a Reforma Tributária e o imposto sendo pago ao longo da cadeia, e não apenas na origem, muitas cidades sentirão o baque. O governo federal, por sua vez, fala em compensação e abre a torneira de recursos, mesmo sabendo que será uma despesa ad eternum.

R$11Bi
é a cifra que os municipios deixariam de pagar com a redução do imposto para previdência. iniciativa foi vetada por lula

90%
das cidades de até 152 mil habitantes estão com as contas no vermelho. Numero deve subir após a reforma tributária

95%
das cidades com até 5 mil habitantes arrecadam menos de

10%
do que precisam para manter a máquina pública em pé

O Brasil tem hoje 1.252 municípios com menos de 5 mil habitantes. Desse total, 1.193 tiveram arrecadações de impostos municipais abaixo de 10% das receitas totais em todos os anos de 2015 até 2021. Um elefante branco (e caro) na sala das despesas federais.

Em 2019, o governo Bolsonaro chegou a propor a PEC do Pacto Federativo, que usava indicadores de arrecadação para unir cidades menores. O texto, no entanto, não avançou no Congresso e não foi revisitado pelo governo Lula.

Para Esther Caramante, doutora em gestão de Políticas Públicas e que fez parte do governo de transição de Lula junto à pasta de Cidades, o assunto não avança por falta de interesse político, já que os próprios moradores e empresários mostraram alguma simpatia ao tema.

“Para os moradores haverá um aumento substancial de recursos destinados à população, e para os empresários a unificação de cidades torna mais fácil a contabilidade”, disse ela, se referindo ao plano de fundir cidades vizinhas. “O problema é que diminuir o número de cidades significa ter menos vereadores, prefeitos, cabos eleitorais e licitações.”

Enquanto a discussão sobre mudar a forma como entendemos os municípios no Brasil não sai do zero, os prefeitos precisam agir para garantir algum recurso. Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, esteve em Brasília para pedir apoio de deputados e senadores pela derrubada do veto.

“Isso será fundamental para garantir que as prefeituras tenham mais condições fiscal e financeira na Previdência Social, um dos principais gargalos da administração municipal”, disse.

De acordo com a Confederação, atualmente, a dívida dos municípios com o Regime Geral de Previdência Social alcança quase R$ 200 bilhões. O governo, por sua vez, argumenta que a redução se trata de uma proposição inconstitucional já que “cria renúncia sem apresentar demonstrativo de impacto orçamentário-financeiro para o ano corrente e os dois seguintes, e sem indicar as medidas de compensação”.

UNIÃO

Lula, que está nos Emirados Árabes Unidos, para participar a COP28, defendeu o veto, e disse haver outras formas de compensação que beneficiem o município. A artilharia pesada, no entanto, caiu no colo do vice-presidente Geraldo Alckmin, que participou na terça-feira (28), representando Lula, na abertura da 85ª Reunião Geral da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).

Para mediar o conflito ele afirmou que a União repassará na quinta-feira (30) R$ 8,7 bilhões ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para cobrir perdas de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). E que outros R$ 3,3 bilhões serão depositado nos cofres municipais para compensar a redução nas transferências ao FPM, em 2023.

Ele afirmou ainda que os municípios serão amparados pelas oportunidades trazidas pelo PAC. Para entrar no programa, no entanto, o prefeito precisa inscrever o projeto, apresentar estudos de viabilidade, fazer projeções financeiras e apresentar laudos de conformidade climática.

E, adivinha? Segundo dados do Ipea, entre 2009 e 2014, período em que o PAC mais aplicou dinheiro em obras, 75% das cidades de até 120 mil habitantes não conseguiram justificar seus projetos e 35% dos que conseguiram não tiveram a obra concluída por problemas na execução. Um problema crônico com a cura nas mãos de quem rentabiliza em cima de tal fragilidade.