Conheça a brasileira que veste estrelas de Hollywood
Martha Medeiros, a estilista que levou a renda do sertão brasileiro para o tapete vermelho, lança biografia que destaca sua autoconfiança, fé e trabalho de inclusão social
Por Celso Masson
Os infinitos tons azuis do céu e do mar no litoral alagoano, as folhas dos coqueiros, a areia e as falésias da Praia do Gunga, em Maceió, forneceram a paleta de cores que até hoje inspiram a estilista Martha Medeiros em suas criações. Mas foram as palavras ditas pela avó durante um passeio à beira-mar que despertaram na então adolescente de 15 anos o desejo de empreender. Em uma carreira marcada pelas tintas da autoconfiança (às vezes com certo estardalhaço) e pelo talento para fazer e vender roupas de luxo que empregam elementos do artesanato brasileiro, a estilista criou um universo próprio no disputado mundo da moda.
Suas admiradoras vão das rendeiras do sertão nordestino com as quais ela vem construindo um admirável trabalho de inclusão social a estrelas que desfilam suas peças no tapete vermelho do Oscar. Não por acaso, o título de sua biografia, escrita pela jornalista Eliane Trindade, é justamente Do Sertão a Hollywood. O livro será lançado nesta terça-feira (5), em São Paulo.
“Martha Medeiros tinha duas certezas: iria se casar cedo e seria uma estilista famosa”, afirmou Trindade na frase que abre o Capítulo 2. Ambas certezas se tornaram realidade. Sobre o casamento, aos 19 anos, grávida, com o então estudante de engenharia Gélio Medeiros (seu companheiro de vida por mais de quatro décadas desde então), a autora foi bastante detalhista.
O livro é também rico em minúcias sobre tudo que teve papel fundamental no processo de construção da carreira de estilista, desde sua repentina mudança para São Paulo com a determinação de estudar moda no Senac até os esforços para se tornar conhecida na mídia.
Mesmo assim, faltou ali compartilhar com o leitor (e a leitora) as motivações para a escolha da carreira que a tornaria conhecida no Brasil e no exterior. E a principal influência foi familiar.
“Minha avó era muito elegante, sonhava em conhecer Paris justamente por causa da alta costura e chegou a ganhar uma viagem para a Europa como prêmio em um concurso, mas o marido não deixou que ela fosse”, disse Martha. Apesar da frustração por não realizar o sonho, aquela mulher de personalidade forte incutiu na neta um certo encantamento pelo glamour relacionado à confecção de roupas. Nascia assim o desejo de criar moda, “mesmo sem saber desenhar muito bem”, como ela reconhece.
Antes da estilista, porém, veio a empreendedora. Ou melhor: primeiro veio a garota que queria estudar História; depois a estudante de Direito; e aí a funcionária concursada do Banco do Brasil. Enquanto trabalhava no banco, ela montou uma boutique e uma confecção, comprando com um cheque pré-datado para dali a 45 dias o equipamento necessário para produzir roupas em escala.
“Era um valor muito maior do que eu poderia arcar na época e mesmo assim consegui juntar a quantia dois dias antes do previsto”, afirmou a empresária, que encheu de equipamentos de costura a garagem do prédio em que morava. “Todo dia o condomínio queria nos expulsar de lá”.
A costura da estilista com a empreendedora se materializou na forma de renda – palavra que serve a Martha Medeiros nas duas acepções. Ao mesmo tempo em que colocou a renda (o produto artesanal) na moda brasileira, ela levou renda (como fonte de sustento) para artesãs que não seriam capazes de agregar valor ao que produzem em pequena escala. Por isso faz todo sentido que a biografia de Martha Medeiros tenha dois prefácios. O primeiro é assinado pela atriz colombiana Sofía Vergara, fã da estilista a ponto de encomendar a ela seu vestido de casamento.
O segundo prefácio é de Luiza Trajano, empresária que se tornou símbolo de sucesso no varejo brasileiro à frente da rede Magazine Luiza e por seu engajamento em causas sociais. Assim como a biografada faz com as rendeiras que fornecem parte do que ela aplica em suas coleções.
PAPA FRANCISCO
Uma das passagens mais reveladoras do livro é a que narra os bastidores do lançamento da grife Martha Medeiros Casa, em uma ação que envolveu o papa Francisco.
O enxoval usado por ele na primeira visita ao Brasil como Sumo Pontífice foi assinado por Martha Medeiros, que costuma dizer que Deus é seu sócio. Não por acaso ela vive em uma cidade que se chama São Miguel dos Milagres.
É lá que desde 2020 funciona a Casa Martha Medeiros, um ateliê, centro cultural e showroom de artesanato brasileiro. A ideia é fazer dali um santuário de experiências e imersões na cultura popular brasileira que Martha Medeiros transformou em artigo de luxo.