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Javier Milei não é maluco — a Argentina é

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Edson Rossi: "Nem mesmo se posicionar como um antipolítico o aproxima de Bolsonaro — só mal-intencionados ou ignorantes enxergavam no nosso JB um não político" (Crédito: Divulgação)

Por Edson Rossi

Fazer uma aposta no sucesso do governo de Javier Milei à frente dos argentinos é algo tão temerário que nem mesmo a bíblia liberal The Economist arriscou. Preferiu afirmar que o futuro reservado para a Argentina sob seu novo e excêntrico líder “é incerto”. Também vou trabalhar nesse campo, e dizer que não dá para saber o que será o governo Milei. Mas não endossarei a versão simplista do Louco Anarcopitalista construída pela maioria absoluta de nossa imprensa e de nossos analistas. Para mim, seu sucesso terá menos a ver com o que disse em campanha. Terá mais a ver com o que conseguirá colocar em prática sobre o que pensa. Em resumo, tem muito mais a ver com o decadente modelo político-parlamentar de nossos vizinhos, não muito distante do que praticamos em Brasília.

O primeiro ponto a destacar é que Milei não é Bolsonaro. Nosso lúmpen-ex-presidente nunca de aproximou uma vírgula sequer do que o mundo civilizado chama de liberalismo. Apenas no Brasil o Partido Liberal ama tanto as tetas estatais quanto nosso PL. O próprio JB é um eterno servidor público. Nunca colocou o despertador para o batente do mundo real. Seu LinkedIn o limita a ter sido militar e político. Hoje, encrencado e chorão. No campo econômico, fez Paulo Guedes de bobo — o que conseguiu sem muito esforço, vale dizer. No campo dos costumes, fez o País conviver com mentes rasas do tamanho (sic) da senadora e ex-ministra Damares, a religiosa binária do menino-veste-azul e menina-veste-rosa. Na pauta ambiental bancou o passa-boi-passa-boiada. Na Justiça, o despossuído do adjetivo de justo Sergio Moro. Na estratégia, a turma milica. A mesma que era boa na gestão de joias e protogolpes, mas não de vacinas. Ou alguém se esquece da lambança de Eduardo Pazuello, que mandou a Macapá vacinas contra a Covid-19 que deveriam seguir para Manaus, num erro de 1 mil quilômetros? Caso Dudu comandasse o desembarque na Normandia, decisivo na vitória aliada na Segunda Guerra Mundial, as forças parariam em Hamburgo e o desfecho do conflito estaria incerto.

A loucura de nossos vizinhos não está em Milei. Está em ser um país amarrado no atraso. Como nós

Não. Milei não tem nada a ver com isso. Ouvir conselhos de seu cachorro morto está muito mais próximo da sanidade do que aquilo que o Brasil experimentou por quatro anos. O fato de ter recebido telefonema de Bolsonaro diz mais sobre dar umas (merecidas) caneladas em Lula, que queimou mais um pouco da diplomacia brasileira ao se meter além do que deveria na campanha peronista de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, que tinha Sergio Massa como candidato. Milei diz coisas como “governantes, gastem menos”, porque quem paga a conta dessa diarreia fiscal são os pobres. Está certo. E diz que as estatais argentinas são ruins. Está certo. Diz que as castas políticas se entranharam no poder como se aquilo fosse uma bodega privada e familiar. E também nisso está certo. E diz que a fanfarronice populista-peronista vivida na Argentina neste milênio, com um breve hiato não muito consistente de Mauricio Macri, jogou o país no fundo do poço. Está certo.

Nem mesmo se posicionar como um antipolítico o aproxima de Bolsonaro — só mal-intencionados ou ignorantes enxergavam no nosso JB um não político. Ao escolher Luis Caputo como ministro da Economia, Milei dá seus primeiros recados. E eles parecem muito coerentes. Caputo fez carreira no mundo das grandes instituições financeiras (JP Morgan e Deutsche Bank) antes de entrar para a política, no governo Macri. Nesse sentido, está mais para um Paulo Guedes, com a diferença de que tem em seu chefe Milei alguém que sabe o que é liberalismo. Se Milei vai se autoboicotar, é pouco provável. O mais provável é que as forças políticas tacanhas e atrasadas da Argentina (mas poderíamos igualmente escrever Brasil) boicotem sua tentativa de refundar o Estado. Na verdade, a loucura de nossos vizinhos não está na escolha por Milei. Está em ser um país amarrado no atraso político-institucional. Um mal bem parecido com o que vivemos.