Economia

O cálculo do risco Brasil

Maior confiabilidade na economia nacional abre portas para o presidente Lula, mas manutenção do bom momento vai exigir efeitos mais palpáveis

Crédito: Qatar News Agency/Handout Via Reuters I

Presidente Lula caminha com o emir do Qatar, Tamim Bin Hamad Al Thani, e faz rodada de negócios com empresários (Crédito: Qatar News Agency/Handout Via Reuters I )

Por Paula Cristina

Com 15 viagens internacionais em 11 meses, o presidente Lula tem se mantido obstinado em duas agendas. Uma pessoal, e uma como chefe de Estado. A primeira, mais questionável, envolve tornar o metalúrgico que chegou à presidência do Brasil um baluarte da paz mundial, com o petista tentando mediar conflitos que atravessam os séculos. O segundo, mais palpável, é tornar o Brasil um porto seguro para investimento estrangeiro. E para isso Lula não tem poupado esforços. Segundo a agenda presidencial, desde o início do mandato, Lula já fez 205 encontros para tratar sobre o papel do Brasil na retomada da economia global. De fato é um feito. A título de comparação, o ex-presidente Jair Bolsonaro fez 198 encontros oficiais em quatro anos de governo.

Mas qual o peso de tantas viagens na percepção do mundo sobre o Brasil? Para Lula, imenso. “Atuamos em duas frentes de modo simultâneo. Lá do Brasil, temos uma agenda que coloca o Brasil no futuro. Daqui [de fora] eu mostro para o mundo que estamos prontos”, disse o presidente em um encontro com empresários em Dubai, nos Emirados Árabes, terça-feira (28).

Essa confluência de fatores, que envolve mais estabilidade política e econômica no Brasil, e o mercado brasileiro aparentemente mais aberto, tem se revertido em úmeros. O CDS (Credit Default Swap), também conhecido como Risco Brasil, bateu o menor patamar desde 2020, atingindo 146,12 pontos na segunda-feira (27), o nível mais baixo desde 31 de dezembro de 2020 (141,6 pontos). O CDS é uma espécie de derivativo do mercado de crédito e, por meio dele, as partes interessadas em negociar um contrato conseguem mensurar o risco de crédito de algum ativo. Quando o risco do Brasil cai, a atratividade aumenta. Simples assim. Há exatos 12 meses, o termômetro estava em 257,3 pontos, uma queda considerável no período.

Bolsonaro e Guedes atingiram o menor risco-país em dez anos, mas entregaram o governo no maior nivel histórico. Melhor cifra se deu com Lula II (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

OUTRO LADO Para Juscelino Ferreira Paes, diplomata aposentado e professor de relações internacionais da Unicamp, o posicionamento do Brasil funcionará por um tempo, mas Lula não poderá viver de promessas. “Parte da estabilidade de Lula são méritos de outros governos. As Reformas Trabalhista e Previdenciária ajudam a diminuir o risco Brasil e formam uma tríade importante com a Tributária, mas não podemos parar por aí”, disse. No entendimento do diplomata, a conversão de diálogos em negócios precisa de premissas mais claras. “Ainda não há Arcabouço Fiscal e resta alguma incerteza sobre as contas públicas. A lição de casa não está totalmente feita.” No encontro com empresários dos Emirados Árabes, Lula chegou a comentar sobre a trajetória de queda do déficit público e a projeção de zerar essa conta ano que vem. Também falou sobre a redução da Selic e como isso pode destravar crédito para investimentos. Por lá, ele buscou encontrar o tom para conversar com
empresários do ramo de energia limpa, indústria da transformação e, claro, agronegócio. Com a cartilha do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no bolso, Lula tratou de apresentar oportunidades de cooperação entre as nações. Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, os negócios envolvendo os dois países, hoje em US$ 8 bilhões, poderia ser ampliado para US$ 20 bilhões.

Em sua última visita aos Estados Unidos, o presidente Lula chegou a profetizar que o risco Brasil continuaria em queda, acompanhando a tendência apontada pela agência de classificação de risco Fitch, que em julho elevou o rating soberano do Brasil de BB-, para BB, um sinal de melhora no ambiente de negócios. “O risco do Brasil tem caído gradativamente, um sinal claro de que investir no Brasil, hoje, é um bom negócio”, afirmou Lula, no dia 23 de setembro, ao lado de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.

Mesmo com o otimismo de Lula, ainda há muito para caminhar. Em novembro de 2019, no governo Bolsonaro, o risco Brasil estava em 99 pontos — e olha que o Messias nunca foi muito dado aos eventos externos. O motivo do risco menor, segundo o JP Morgan, era o fiador Paulo Guedes, então ministro da Economia. O número obtido pelo combo Bolso/Guedes foi o menor desde 2009, quando Lula estava prestes a terminar seu segundo mandato. Para bater a própria meta, Lula precisaria fazer o indicador chegar a 96 pontos, atingido em 25 de outubro de 2009. Para chegar lá, o professor de macroeconomia da
Universidade de Brasília (UnB) Cesar Solto afirma que Lula terá de desapegar da agenda pessoal e focar em resultados no Brasil. “Esse delírio coletivo de que Lula é o Mandela do século 21 não se sustenta. Lula pode, sim, ser o presidente que colocará o Brasil de volta ao G7. Mas precisa focar nisso.” A última vez que estivemos no clubinho dos oito maiores, inclusive, foi em 2009.