“É preciso oferecer linhas de crédito de baixo custo para o mercado de veículos”
Executivo defende que redução de preços pela óptica da retirada de itens de segurança é a estratégia errada
Editora Três
Edição 02/06/2023 - nº 1327
Por Angelo Verotti
O governo Lula tenta emplacar medidas de estímulo à indústria automotiva no Brasil pelo caminho de redução de impostos para baratear os preços de modelos de entrada. A ideia é que carros como Renault Kwid e Fiat Mobi, os mais em conta do mercado, custem R$ 60 mil, contra os cerca de R$ 69 mil cobrados por cada um atualmente. No entanto, antes mesmo de as propostas serem concretizadas, o presidente da Toyota do Brasil, Rafael Chang, defende nesta entrevista à DINHEIRO outros caminhos, como a criação de linhas de crédito com juros mais baixos.
Enquanto a implantação do projeto é discutida em Brasília, a montadora japonesa celebra a marca de maior exportadora de carros do Brasil no primeiro trimestre deste ano. O mercado internacional tem sido a aposta para garantir rentabilidade diante dos altos e baixos do mercado interno. A Toyota exportou 25,5 mil unidades entre janeiro e março (24,5% de participação), pouco à frente da vice-líder Volkswagen, com 25,1 mil (24,2%).
DINHEIRO — Qual a importância para a Toyota em liderar as exportações?
Rafael Chang — A exportação é um dos pilares fundamentais da nossa estratégia. Obviamente, o Brasil é um mercado gigantesco e o principal para nós. Mas há três razões para focarmos tanto na exportação: ficar mais perto da necessidade dos clientes; ajudar a equilibrar alguns ups and downs que o mercado tem; e balancear o impacto cambial. A partir da produção do Corolla Cross, em 2021, começamos um plano mais agressivo de exportações para 22 países da América Latina. Desde então, as vendas para a região aumentaram de 20% para 40%. E, desde o ano passado, iniciamos o envio de motores fabricados aqui para a América do Norte.
Esse é um fato relevante no momento em que os juros têm impactado negativamente as vendas no Brasil?
A Toyota tem a América Latina integrada. Então, tanto a produção da Argentina como a do Brasil vão para os países da região. A exportação nos ajuda a manter nossas fábricas rodando. Todas as plantas estão funcionando com capacidade total. Em Sorocaba (SP), por exemplo, iniciamos três turnos em 2021, a exemplo da fábrica de Porto Feliz (SP). E o mesmo está acontecendo na Argentina, que também está em um momento econômico difícil. A unidade de Zárate roda em três turnos.
Três anos após a chegada da pandemia o mercado já está acomodado à nova realidade?
A situação da taxa de juro está afetando globalmente todos os mercados. Na América Latina não é diferente. A inflação não está sob controle, mas pelo menos segue estável. E com tendência de queda. Se esse cenário continuar, eu diria que, de forma natural, os bancos centrais vão começar a ajustar a taxa de juro para baixo, o que deve trazer a recuperação da demanda e dos mercados. É uma visão geral do que pode acontecer nos próximos meses.
“Fizemos recentemente o anúncio de um investimento de R$ 1,7 bilhão para produzir no Brasil um novo veículo compacto com tecnologia híbrida-flex. Temos o objetivo de exportá-lo”
Algum desafio extra?
Tem também o fator da falta de alguns componentes que ainda causa impacto nas operações, mas é uma situação que, definitivamente, não está nos níveis dos últimos anos.
Quais são os principais mercados para a Toyota do Brasil na América Latina?
Número um, Argentina. E depois, pela ordem, Colômbia, Peru e Chile. Fizemos recentemente o anúncio de investimento de R$ 1,7 bilhão para a produção no Brasil de um novo veículo compacto que terá tecnologia híbrida-flex [o nome não foi divulgado]. Temos o objetivo também de exportá-lo para outros mercados latino-americanos.
Qual a importância do mercado brasileiro para a Toyota global?
O Brasil, assim como a América Latina, é um mercado importante para a Toyota e, sobretudo, tem potencial para aumentar a quantidade de veículos por habitante. Por quê? Porque o nível de motorização em nossa região ainda é baixo comparado a outras partes do mundo. No caso da Toyota, acho que a melhor demonstração da importância do Brasil e como a matriz olha o País são os nossos ciclos de investimentos nos últimos anos.
A Toyota é uma empresa pioneira em eletrificação no mundo. Como analisa o fato de as montadoras seguirem diferentes caminhos em relação ao tipo de propulsão a ser adotada no País?
O primeiro conceito que eu quero colocar é que o processo de eletrificação e o desenvolvimento de soluções tecnológicas têm o propósito de descarbonizar. Por isso, vamos focar primeiro no processo de descarbonização. Olhamos todo o ciclo de vida da nossa operação. Desde a seleção de energia para a produção nas fábricas e na produção dos fornecedores. E, obviamente, a diversidade de tecnologias existente nos nossos veículos. Olhando as características de cada mercado, de cada região, queremos trazer soluções que sejam práticas, sustentáveis e acessíveis. Para isso, levamos em conta três características: infraestrutura, matriz energética e necessidade dos clientes.
O Brasil leva vantagem em relação a outros mercados?
Sim. O País tem umas das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Uma dessas energias é o etanol. Nesse conceito de utilizar a matriz energética de cada país temos uma solução, a híbrida-flex. Se você combinar o nosso sistema híbrido com o etanol, tem uma das soluções mais limpas do mundo. O nível de emissões de nosso híbrido-flex é quase igual ao de um veículo elétrico puro.
Qual a sua opinião sobre o mercado brasileiro?
Primeiro: a eletrificação já está presente. Dentro de nossa proposta de produto, já temos veículos híbridos-flex. Também vamos começar a importar alguns modelos elétricos e plug-hybrid. Com a concorrência não é diferente. Mais que tendência, é uma realidade que vai avançar com muita velocidade. Segundo: o mercado está indo mais para veículos SUV. O Brasil pela característica que tem, onde o agronegócio é muito forte, a demanda por picapes também é muito alta. Isso falando apenas do ponto de vista de produtos.
Pode apontar tendências?
Uma mudança interessante do mercado é a mobilidade. E quando nos referimos à mobilidade falamos de serviços para consumidores que não necessariamente querem possuir um carro. Por isso abrimos a nossa empresa de mobilidade Kinto que oferece desde aluguel, que pode ser por horas ou dias, até um prazo maior. Isso para pessoas físicas. Para pessoas jurídicas, empresas que não querem colocar o seu capital de giro em uma frota, nós oferecemos o serviço de gestão de frotas. Eu diria que, por um lado, temos a evolução baseada na eletrificação nos produtos e, por outro, no uso dos veículos.
As locadoras foram responsáveis por mais de 30% das vendas das montadoras em 2022. Como analisa a situação?
As locadoras fazem parte dessa tendência de mobilidade que falei e têm um papel relevante. São clientes importantes para as montadoras.
A Anfavea prevê para este ano produção de 2,4 milhões de veículos, um pouco superior à de 2022 (2,3 milhões). Essa estimativa vai ser alcançada?
Nossa visão para o mercado em 2023 está mais ou menos no mesmo nível do ano passado, tanto para vendas [2,1 milhões] como para a produção.
Como está a relação entre a indústria automotiva e o novo governo?
Estamos tendo muitas conversas com o MDIC [Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço], precisamente olhando para como construir, vamos dizer a quatro mãos, o processo de reindustrialização do Brasil, no meio do processo de eletrificação da nossa indústria. É preciso analisar como será o processo de transformação para a eletrificação, porque os investimentos são feitos para daqui a cinco, dez anos. Para isso temos que ter previsibilidade nas regras do jogo.
A renovação da frota que a Anfavea tanto defende está entre as prioridades?
É um tema que está em discussão. Provavelmente vai levar algum tempo para fazer ou articular um programa robusto que ajude na renovação da frota, fator importante sobretudo no processo de descarbonização.
Os preços dos carros subiram durante a pandemia e ainda sofrem reajustes. A que atribui esses incrementos?
Principalmente ao aumento dos preços das commodities e dos componentes nos últimos anos. Tem uma questão de custos também. Obviamente, temos de fechar nossa equação de negócios. Por outro lado, agora existe uma situação desafiadora de demanda. Temos de avaliar quanto vamos repassar do aumento de custo para o mercado. Precisamos olhar com cuidado esse balanço de oferta e demanda.
Muito se discute sobre o desaparecimento do mercado dos carros de entrada zero-quilômetro, sendo que os dois modelos mais baratos custam atualmente quase R$ 70 mil? Há chance de redução nos preços?
É uma discussão que está na mesa agora. O nível de preços dos veículos reflete também a própria situação do aumento dos itens de segurança. Eles são importantes, têm um custo inicial, mas também têm um custo positivo para a sociedade na diminuição dos acidentes, dos casos de morte. Então, regredir a carros com poucos itens de segurança não faz sentido. Mas também não há como pensar em voltar a um carro com poucas especificações. O consumidor brasileiro merece.
Há alguma saída?
O fator crédito é muito importante na venda de veículos. É preciso elaborar algum programa que gere, por exemplo, linhas de crédito de baixo custo para os consumidores. Não podemos continuar criando distorções muito grandes no mercado, porque uma solução temporária não pode ficar como permanente e estrutural. Isso depois vai gerar outro problema.
Quais os principais desafios para a indústria automotiva brasileira?
No curto prazo, o maior desafio é a situação dos juros altos. Mas essa é uma questão que vai se resolver, não sei se no segundo semestre deste ano, ou no mais tardar no começo do próximo. Outro desafio importante realmente é como nós, indústria, com o governo, vamos alinhar uma política automotiva que traga previsibilidade para as empresas, que seja consistente com a matriz energética brasileira, com a infraestrutura que temos, para definir esse futuro da eletrificação dos veículos.