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“Existe um apetite de relação entre Brasil e Reino Unido”, diz Ana Paula Vitelli, presidente da Britcham

Crédito: Felipe Mariano

Ana Paula Vitelli: "Não dá para ficar na lei do improviso" (Crédito: Felipe Mariano)

Por Edson Rossi

Primeira mulher a presidir a Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil (Britcham), associação com 107 anos de história, Ana Paula Vitelli tem uma vasta experiência de 25 anos no universo da educação executiva, skill decisivo em sua intensa luta diária — fazer com que as relações bilaterais Brasília-Londres avancem. Não é tarefa pequena. Entre janeiro e novembro deste ano, as exportações brasileiras somaram US$ 3,1 bilhões, o que representa 1% do total exportado e coloca o Reino Unido como apenas o 24º maior destino. Além disso, houve queda de 8,4% em relação ao mesmo período de 2022. Já os britânicos exportaram para cá US$ 2,6 bilhões (1,2% de nossas importações), sendo o 19º fornecedor externo.

Também nessa linha houve queda em relação ao ano passado, de 3,2%. A corrente comercial brasileira com nosso principal parceiro, a China, foi de US$ 144 bilhões. Com os britânicos, é de US$ 5,7 bilhões, a menor entre as dez maiores economias do mundo. Desta vez, no entanto, há na mesa um momento único, daqueles capazes de virar a agenda. Um turning point, por assim dizer: o acordo para evitar a bitributação, verdadeira doença em relações bilaterais.

“Isso é o grande tema da pauta entre os dois países neste momento”, afirmou Vitelli à DINHEIRO. Para variar, o embrulho está do lado de cá do Atlântico, já que da parte britânica os legisladores já desfizeram o nó. A seguir, trechos da entrevista da presidente da Britcham, cujo mandato segue até março de 2024. Como legado, pretende deixar na Câmara “uma robusta solidez” institucional.

Todas as organizações têm sua missão, mas nem todas conseguem alcançá-las. Peter Drucker definiu isso brilhantemente dizendo que “a cultura come a estratégia todo dia no café da manhã”. Como vocês estão quanto a esses dilemas?
Nosso papel enquanto este espaço de representação do setor privado é justamente poder dar visibilidade, voz e espaços às questões que podem nos ajudar a incrementar as relações entre Brasil e Reino Unido. Quer sejam as relações de comércio, quer sejam as parcerias. E hoje você começa, sim, a ver uma agenda da Britcham muito mais forte, que é nossa pauta de relações governamentais e advocacy, olhando principalmente para as frentes de Reforma Tributária, no Brasil, mais a parte ambiental e as questões regulatórias.

E como a Britcham pode contribuir nessas frentes?
Eu chamo de pilares. E são três. Um deles é meio que uma lição de casa. Dizer, ‘bom, como é que o Brasil pode se colocar de maneira mais competitiva num cenário global de comércio?’. Essa é uma pauta importante tanto para as empresas aqui estabelecidas quanto para aquelas que miram o Brasil como oportunidade de investimento. A segunda são as questões regulatórias, sobre como a gente destrava em prol de melhorar espaços regulatórios entre os dois países. E por fim tem a questão ambiental, que é uma imensa oportunidade. É uma pauta importante para o governo britânico, mas não só. É também de oportunidades de negócio e importante para o Brasil, um protagonista ou buscando ser um protagonista nessa agenda.

A corrente de transações já foi de US$ 8 bilhões, em 2012, e desde então caiu ano a ano até chegar ao fundo do poço, em 2020 (US$ 4,9 bilhões). Voltaram a crescer em 2021 e 2022, mas os números ainda são bem ruins, né?
Mas vêm crescendo, principalmente pós-Brexit [cuja votação aconteceu em 2016 e a saída formal em 2020], porque o país importava mais de 50% do seu consumo de alimentos e bebidas. Então, no momento em que o Reino Unido sai da comunidade europeia, ele abre espaço para outros players entrarem. E a gente vem trabalhando e crescendo nessa agenda. Houve um incremento de exportações de agronegócio do Brasil para o Reino Unido, de 2022 para 2023, na casa de quase 40%.

De toda forma, minha percepção é a de que a relação Brasil-Reino Unido está sempre aquém do potencial dos dois lados. Esse termômetro procede?
Este ano foi muito bom. Tanto o Brasil quanto o Reino Unido estiveram muito um no radar do outro. Muitos elementos de conversa, de governos se visitando. Foi um ano em que a gente mexeu bastante esse caldeirão. Então, não estamos fazendo aquela aproximação do tipo ‘pra ver se a gente ainda vai se conhecer’. Não! Já temos na mesa uma série de elementos que merecem ser alavancados.

Como o acordo para evitar a bitributação? Como ele está?
É um ponto importantíssimo nessa pauta. Na Britcham a gente diz que muito do espaço que hoje não acontece em termos de mais comércio entre os dois países está nesse acordo, que tem um elemento importantíssimo que tornará o Brasil interessante. Porque é difícil para as empresas aqui estabelecidas, britânicas inclusive, importarem tecnologia tendo de pagar mais impostos por isso. Inviabiliza o processo, se torna pouco interessante financeiramente para as empresas.

O que falta para o acordo andar?
É uma discussão que vem acontecendo já há algumas décadas, na verdade. E foi assinado no final do ano passado. Agora está em processo de tramitação no governo brasileiro, porque já foi ratificado lá no parlamento britânico, em julho. Então, é a hora de falar, ‘ufa!, temos fôlego para trabalharmos com essa agenda’. A gente teve várias discussões sobre o acordo com membros do governo brasileiro, envolvendo tanto a Britcham quanto membros do governo britânico no Brasil. Nesse sentido, aliás, tivemos uma agenda muito extensa este ano do governo britânico aqui. No ano passado eu falava mais em ter otimismo, este ano já começo a ver esse otimismo começando a se concretizar em algumas frentes, e o acordo precisa ser avançado aqui no governo brasileiro, via Congresso.

Dando nome às instâncias, por onde ele precisa ser transitado?
A gente tem algumas instâncias aqui para fazer esse trâmite caminhar. Desde a Receita Federal, Itamaraty, Casa Civil, para então seguir para o Congresso Nacional e ter a ratificação feita pelo presidente da República. Entendemos que o foco na Reforma Tributária mudou a prioridade da discussão, mas o tema não está aquecido. Pelo contrário.

No curto prazo o acordo pode reduzir arrecadação?
De repente ele pode, mas no longo prazo ele aumenta o volume.

Fora disso, já que se trata de uma frente com muitas etapas e muitos envolvidos, há outras oportunidades?
Sim. Há todo esse lado da Agenda Verde, e mostramos o quanto o Reino Unido tem interesse nesse tema, que eles chamam de uma Revolução Industrial Verde. Eles olham para programas de financiamento aqui no Brasil. Existe um apetite de relação entre os dois países e está aí, e está acontecendo. Poderíamos fazer as coisas andarem mais rapidamente? Sim, mas é o que é. Tem a COP30 vindo pro Brasil, então acho que as agendas ficaram muito próximas e isso facilita a conversa.

Como está a imagem brasileira por lá em sua percepção?
Existe uma importância de zelar por uma reputação — e vou fazer um trocadilho aqui, ‘não só para inglês ver’. Mas quando falamos de imagem brasileira, a gente de fato precisa começar a assumir um espaço de protagonismo muito responsável dentro daquilo que a gente se propõe a fazer de maneira correta e permanente. Não dá para ficar na lei do improviso. A gente sempre foi muito nessa coisa do improviso. Não dá para fugir de certas agendas. E temos hoje uma maturidade, em especial dentro do setor privado, que pressiona por uma imagem mais positiva de nosso País.