Sustentabilidade

“Brasil chegará com credibilidade à COP30 para liderar o debate sobre o clima”, diz Helder Barbalho

Para o chefe do executivo estadual, sediar a conferência em Belém, em 2025, chancela o retorno do País à elite da diplomacia ambiental

Crédito:  Alan Santos/PR

Helder Barbalho, governador do Pará, estado cuja capital, Belém, sediará a COP30 em 2025: "É necessário sustentabilidade ambiental e sustentabilidade social. Não dá para preservar a floresta e deixar as pessoas morrerem de fome" (Crédito: Alan Santos/PR)

Por Sérgio Vieira

O Brasil tem desempenhado a posição de protagonista na edição deste ano da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP28), que vai até a terça-feira (12), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. E não só pelos dados referentes à queda do desmatamento em 2023 e dos programas ambientais apresentados, mas pela expectativa sobre a COP30, em 2025, que será em Belém (PA), na região amazônica. Trata-se de um símbolo do papel do País na agenda ambiental global. O governador do Pará, Helder Barbalho, falou à DINHEIRO sobre a necessidade de promover ações que garantam o cumprimento das metas ambientais estabelecidas pelo Acordo de Paris, em 2015. “O Brasil vai chegar em 2025 com credibilidade para liderar este processo na COP30. Com muitos desafios, mas com entregas que permitirão estar à frente das discussões, e como locomotiva do planeta.” O chefe do executivo estadual também falou sobre o prejuízo causado ao País pelo negacionismo do governo anterior, da constante necessidade de se combater ilegalidades ambientais e da fumaça na Amazônia causada pelas queimadas.

DINHEIRO — Com qual imagem o Brasil, e em especial o Pará, chegou à COP28, em Dubai? E qual a principal diferença em relação à edição do fórum da ONU de 2022?
Helder Barbalho — São tempos distintos tanto para o Brasil quanto para o Pará no posicionamento ambiental e na implementação de suas estratégias. Elas são convergentes, mas o fato é que o Brasil se coloca de volta à diplomacia ambiental, se reposiciona no mundo, restabelecendo credibilidade para protagonizar a agenda, estabelecer cobranças de financiamento climático, no momento em que está cumprindo com a redução das emissões dos gases de efeito estufa. O Pará, em contraponto com a postura negacionista do Brasil nos últimos anos, avança no processo de entrega das ações que foram planejadas nos últimos quatro anos. E essa é a primeira COP desse novo momento do País.

Quais ações do Pará o senhor destacaria?
Agora, na COP28, apresentamos o balanço do plano estadual de bioeconomia, que foi lançado no ano passado. Assinamos e formalizamos parcerias com fundos ambientais privados para o financiamento do programa de rastreabilidade da pecuária bovina, demonstrando integridade ambiental. Estive também com o fundo Bezos (do bilionário Jeff Bezos) e o fundo JBS, e teremos R$ 123 milhões para financiar a chipagem do rebanho bovino do estado. Nossa meta é chegar a 2026 com 100% da pecuária bovina do Pará sob rastreio, para que possamos construir a lógica da integridade de toda a cadeia. Lançamos na COP o Plano Estadual de Restauro, com 5,7 milhões de hectares a serem restaurados até 2035. E já estamos pagando a 1 mil famílias da agricultura familiar por serviços ambientais. São agendas de entrega e de avanço que o estado do Pará está se propondo.

“As urgências climáticas exigem ações. Não é possível mais manifestos de intenção. É o momento de resultados”

É possível resgatar a imagem ambiental do Brasil, após tantos atritos internacionais da gestão anterior?
Acho que sim, principalmente quando o Brasil chega com números reais de desmatamento. O País não veio a Dubai apenas com sinalização e demonstração de desejo e sim já com entregas. Em 2023, comparado com o ano passado, tivemos uma redução de mais de 50% nas emissões de gases e desmatamento na Amazônia. Isso é fruto do esforço dos estados e do governo federal. É uma demonstração clara de que hoje há uma convergência de esforços, em que os resultados passam a acontecer.

Recentemente, Manaus viveu uma situação crítica em relação à qualidade do ar, com muita fumaça na cidade. E houve acusações de que isso pudesse ter relação com o Pará. Como o senhor reage a isso?
Precisamos ter clareza que estamos diante de situações que são frutos das consequências do acumulado de problemas ambientais, que geram eventos climáticos dessa natureza. Não há qualquer tipo de dado técnico que possa sinalizar que a fumaça veio do local X ou Y. E isso não é o mais importante. O que importa desse fato é que temos ações ambientais, e não é apenas a fumaça, como vimos em Manaus. Estamos falando da seca no Amazonas, das chuvas em São Paulo, dos desastres naturais no Rio Grande do Sul, que são reações que o meio ambiente está dando. Isso falando somente do Brasil. O fato é que isso demonstra a urgência climática e por isso se faz necessário que os países façam em a Dubai um balanço das metas do Acordo do Paris. Elas serão revistas e novas deverão ser lançadas em Belém, na COP30, quando chegaremos a uma década daquele acordo. É necessário estabelecer qual a responsabilidade de cada um, já que os resultados têm sido aquém do que se comprometeram. Isso amplia a dimensão da COP30 no Brasil.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, chegou a declarar que este deveria ser o ano de entregas, com menos discursos e mais ações. O senhor concorda com ele?
As urgências climáticas exigem isso. Não é possível mais apenas manifestos de intenção. É o momento de apresentar resultados, e cada realidade deve estar adequada à estratégia. O sul global com um protagonismo, o norte global com outro protagonismo e a convergência de iniciativas que promovam o financiamento climático de tal maneira que estejamos na proporção da urgência. E a COP deste ano tem esse papel, porque estarão todos constrangidos para que apresentem o que assinaram em 2015 e o que entregaram após oito anos.

O Brasil também não poderá viver essa situação de constrangimento?
Claro. Todos estarão sendo colocados em xeque. Essa responsabilidade não é apenas pública. É também da iniciativa privada e de cada cidadão. Todos devem ter compromisso com a agenda ambiental.

O senhor concorda que o caminho é restringir a liberação de recursos para empresas que não cumprem metas ambientais?
É necessário construir um compliance que possa induzir e estimular aqueles que tenham integridade ambiental na sua atividade econômica. Isso é fundamental. Acredito que devam ser construídas políticas públicas por meio da indução a esse modelo. Precisamos trabalhar a consciência ambiental.

“Não dá para preservar a floresta e deixar as pessoas morrerem de fome. Essa conciliação se faz necessária”

Antes da COP28, o senhor lançou um programa que pode garantir US$ 44 milhões da iniciativa privada para programa de reflorestamento de áreas degradadas. Como se dará essa ação?
Estamos trabalhando com várias frentes ambientais, inclusive com a pecuária, atividade que infelizmente hoje é vista como vilã. Quem é sustentável deve ter o apoio e o financiamento. Outro vetor é o plano de recuperação, além da liberação de oferta de recursos para a agricultura familiar voltada à bioeconomia. É uma carteira de ações, que estão casadas com transição do uso de solo, para poder combater a ilegalidade ambiental e apresentar uma porta de saída.

Como é possível lidar com as diferentes narrativas de ruralistas, ambientalistas e desmatadores?
Nós não podemos admitir ilegalidade ambiental. Precisamos combater por um lado e estimular, por meio da meritocracia, as boas práticas. Por outro lado, não devemos imaginar que há excludência de convivência. O Estado pode conciliar o seu uso do solo, ser protagonista na produção e segurança alimentar, com vocação para exportação, tendo a preservação de seu 76% de estoque florestal. O que nós temos é absolutamente suficiente. Não é preciso derrubar uma árvore. É necessário restaurar, mediante a economia de mercado. Naquilo que já foi alterado, e que continuará com o processo produtivo, é preciso haver produção sustentável. Essa é a conciliação que deve ser feita. É necessário sustentabilidade ambiental e sustentabilidade social. Não dá para preservar a floresta e deixar as pessoas morrerem de fome. Deixá-los sem emprego é sustentável? Não. É preciso olhar quem mora na Amazônia na área da cidade e na área da floresta. O estado do Pará tem quase 9 milhões de brasileiros. A Amazônia brasileira tem 29 milhões de pessoas. Essa conciliação se faz necessária.

E como frear o avanço de atividades econômicas nos territórios indígenas?
É necessário o braço forte do Estado, com muita fiscalização. É preciso adotar absoluta intransigência no cumprimento das regras ambientais. E não se pode tergiversar, pactuar algo diferente disso. E mineração em terra indígena não é permitido. Temos que respeitar a legislação e combater as ilegalidades. Isso vale não só para mineração, mas para qualquer outra atividade. E, nos últimos anos, em relação ao governo federal, vivemos um estímulo desse tipo de prática, inclusive governamental. Seja com mensagens institucionais nesse caminho, seja com práticas como a desmobilização dos órgãos de fiscalização. Isso está em um processo de recuperação. Esses órgãos estão sendo restabelecidos.

O senhor, que atravessou o governo Jair Bolsonaro e agora governa sob a gestão do presidente Lula, destaca quais diferenças das duas administrações?
A principal é o governo federal voltar a monitorar e fiscalizar o seu território. O Pará tem 70% de área de jurisdição federal, em que o governo do estado não pode fiscalizar. Esse é o primeiro passo. Por outro lado, há a própria mensagem dada por esse governo, que se faz necessário combater ilegalidades, já que antes havia empoderamento daqueles que cometiam os crimes ambientais.

Diante dessa mudança de postura, o que significará para o Brasil sediar a COP30, que será em Belém, em 2025?
Significa uma oportunidade extraordinária. A mais importante oportunidade que o Brasil pode ter de liderar essa agenda e de construir soluções ambientais que passem pela floresta, transformando floresta viva em um grande patrimônio, para que possa valer mais do que floresta morta. Realizar a COP no Brasil, que detém a mais importante floresta tropical do mundo, faz com que o País lidere essas discussões. O Brasil vai chegar em 2025 com credibilidade para liderar esse processo na COP30. Com muitos desafios, mas com entregas que o permitirão estar à frente das discussões, e como locomotiva do planeta. Não podemos mais perder oportunidades, até porque não creio que esta geração terá outra chance para poder deixar um legado.

Ter os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente) juntos na COP28 e liderando essa discussão mostra a mudança de postura a que o senhor se refere?
Reflete o amadurecimento de que a agenda ambiental é transversal. Sem comando e controle de fiscalização, nós não faremos nada. Mas só com isso não teremos sucesso. Precisa estar acompanhado de um processo de transição de modelo de desenvolvimento.

Quanto o Brasil perdeu com o fato de Jair Bolsonaro ter recusado realizar a COP no Brasil em 2019, que foi realizada em Madri, na Espanha?
Era o que nós tínhamos para o momento, quando vivemos o período de negacionismo ambiental. Isso traz prejuízos sim para o Brasil, mas é hora de olhar para a frente. Importante é que em 2025 teremos a oportunidade de sediar a COP e ainda na Amazônia, em plena floresta, perto dos povos indígenas. Esse gesto precisa ser valorizado.