O mercado não vai resolver o ESG
Por Raphael Vicente
O professor Scott Galloway, da NYU Stern School of Business (escola de negócios da Universidade de Nova York), tem razão ao afirmar que a sociedade não deve confiar às empresas a responsabilidade de resolver os problemas do mundo, sobretudo nos temas em discussão no âmbito do ESG (ambiental, social e de governança).
Os dados caminham na mesma direção. Até agora, em relação aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) definidos pelas Nações Unidas, apenas 15% dos compromissos corporativos assumidos foram cumpridos. Faltando menos de sete anos para o término do prazo, é bastante improvável o cumprimento de muitas das metas estabelecidas. Os líderes empresariais, desde o início, apontaram a necessidade de políticas públicas para que pudessem fazer sua parte.
O fato é que o grande indutor de transformação é o Estado, o qual possui um aparato sem igual para promover ou acelerar avanços através da implementação de programas sociais em nível nacional. Essa premissa vai de encontro a um dos grandes problemas relacionados à ideia de sustentabilidade, um conceito excessivamente genérico, reativo e fragmentado, por vezes resultado de ações ou narrativas pontuais do setor privado.
A ideia de sustentabilidade baseia-se justamente no pressuposto de satisfazer as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Ou seja, a sustentabilidade não se resume aos negócios e sim à garantia de existência das futuras gerações — o que, obviamente, é papel fundamental do Estado.
A sustentabilidade não se resume aos negócios e sim à garantia de existência das futuras gerações — o que, obviamente, é papel fundamental do Estado
Se Michael Porter estava certo ao publicar Estratégia e Sociedade (escrito a quatro mãos com Mark Kramer e publicado na edição de dezembro de 2006 da Harvard Business Review), definindo que conciliar interesse social com o dos negócios era o novo diferencial competitivo, então, o interesse social passa a ser um vetor chave no desenvolvimento do mercado. E não há como falar em interesse social sem o Estado, não só pela sua função de regulamentador, mas também por seu papel de coordenação, educação e indução de mudança.
Para se ter ideia de uma das ferramentas nas mãos do Estado, segundo dados do Banco Mundial, as compras governamentais correspondem a cerca de 9,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Somente em 2022 foram investidos mais de R$ 163 bilhões em contratações, considerando apenas a esfera federal, o que evidencia sua relevância econômica e a oportunidade de influenciar positivamente o mercado. As compras por si só podem constituir-se em política pública, privilegiando a compra de empresas com práticas sustentáveis. Além disso, o Estado pode definir o que é sustentabilidade, a quem se aplica, quais seus efeitos, quem fiscaliza, entre outras ações.
Os Estados ao redor do mundo precisam assumir rapidamente a condução do processo de transformação, sem distrações, como política de Estado, assumindo, inclusive, o ônus dos sacrifícios que serão necessários. Os resultados dos nossos débitos com o Meio Ambiente já são evidentes, colocando em risco o futuro de todas as espécies do planeta e todas as possíveis gerações vindouras.
As sociedades precisarão revisitar seus fundamentos. Setores inteiros, culturas e realidades serão impactadas e obrigatoriamente transformadas, inclusive com alguns segmentos desaparecendo — o que gera um clima de insegurança extremamente danoso à sociedade, porém necessário.
Raphael Vicente é Diretor Geral da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. Advogado, Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professor e diretor Geral da Universidade Zumbi dos Palmares