Internacional

“Precisamos voltar a construir pontes para nos aproximar”, dez Campos Costa, da Fundação Luso-Brasileira

Executivo fala em agenda positiva para fomentar o intercâmbio cultural entre os dois países e diz que se fixar no tema xenofobia prejudica a relação entre Brasil e Portugal

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Paulo Campos Costa: "O vinho é uma coisa que nos une" (Crédito: Divulgação)

Por Beto Silva

Paulo Campos Costa, de 58 anos, tem uma carreira consolidada na área de comunicação. Jornalista e executivo de mídia, atuou por 14 anos na Rádio e Televisão de Portugal (RTP). Também trabalhou por um período no setor de imprensa do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações português e por mais de duas décadas nos setores de marketing e comercial e como diretor global da EDP, uma das principais empresas de energia do mundo. Nessas funções, conheceu o Brasil. Passou muitas temporadas por aqui. Essa trajetória lhe deu bagagem para ser o escolhido, em maio de 2022, a presidir da Fundação Luso-Brasileira, que fomenta a cultura entre os dois países. Ligar os pontos sempre foi o atributo principal de Campos Costa, que há quase dois anos tem intensificado a relação entre Brasil e Portugal. Nesta entrevista, ele fala das pontes a serem construídas entre as nações, de um projeto arquitetônico em parceria com o Instituto Oscar Niemeyer, de vinho, de futebol e das festividades pelos 200 anos da Independência do Brasil.

Para a Fundação Luso-Brasileira, o que significam os 200 anos da Independência do Brasil comemorados no ano passado?
É comemorar a construção de um país diverso, forjado por pessoas de diferentes etnias, origens e culturas. Essa diversidade é uma das principais características do Brasil, e é também um dos seus maiores patrimônios. A Independência do Brasil foi um marco importante na construção de uma identidade nacional, mas também foi um processo que consolidou a diversidade do País. O Brasil é um país em constante transformação. A sua população cresce e se diversifica, e o País enfrenta novos desafios e oportunidades. O bicentenário foi uma oportunidade para refletir sobre o passado e o presente das relações entre estes dois países, mas acima de tudo para olhar em frente, planejar e fazer a perspectiva do futuro.

Qual o papel da Fundação na relação entre Brasil e Portugal?
Tenho presidido a entidade com a missão que apaixonadamente abracei e à qual tenho me dedicado de corpo e alma: construir pontes que aproximem as duas margens do Atlântico, apoiando as empresas e diversas entidades em iniciativas de caráter cultural, educativo, tecnológico e patrimonial, mas também na promoção ativa da ligação entre as empresas.

Como foi o ano de 2023?
Resgatamos projetos que ficaram adormecidos por um tempo, por razões externas. No ano passado fizemos algumas reuniões por vídeo conferência, outras presenciais menores e poucos eventos. Mas neste ano aplicamos um plano mais ambicioso. Fizemos um jantar de gala para encerrar as comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil [dia 25 de novembro, no hotel Tivoli Mofarrej, em São Paulo]. Foi a primeira vez que fizemos esse tipo de evento no Brasil, com participação de um restaurante tradicional de Portugal, o Solar dos Presuntos, com menu preparado por chefs portugueses e brasileiros juntos. Foram 200 convidados, sete homenageados, muita música e gastronomia. Conseguimos fazer as coisas melhor juntos do que separados. Em tudo. Precisamos voltar a construir pontes para nos aproximar. Como diz a música de Chico Buarque [canção Tanto Mar]: “Sei que há léguas a nos separar; Tanto mar, tanto mar; Sei também quanto é preciso, pá; Navegar, navegar”.

Vocês têm relações com universidades? Como é esse trabalho?
Fazemos essa aproximação e recentemente lançamos uma sugestão aos alunos do mestrado de Ciências Políticas da Nova School of Business and Economics, de Lisboa, para fazerem um trabalho sobre quais são as políticas de apoio à cultura em Portugal e no Brasil. Os resultados vão ser apresentados daqui a três meses. Percebemos que o Brasil é mais organizado, mais fácil de buscar os dados. Isso também é apoio à cultura entre os dois países.

E sobre a preservação da Língua Portuguesa? O que tem sido feito pela Fundação?
O pilar é da cultura é um dos nossos principais, e a Língua Portuguesa está inserido nele. Estamos a apoiar tudo o que tem a ver com a música portuguesa, com as artes e com o idioma. Temos trazido artistas para se apresentarem no Brasil. Temos de ser um estímulo à Língua Portuguesa, apesar de os portugueses comerem as palavras (risos). Somos 250 milhões de pessoas que falam português no mundo. É muito importante esse legado que vamos deixar para as gerações futuras.

Como está a relação entre as instituições de Brasil e Portugal e quais frutos têm sido colhidos?
Sinto que cada vez mais estamos afinados e estamos fazendo coisas muito positivas. Tive muitas reuniões com o presidente do Instituto Oscar Niemeyer, Paulo Sergio Niemeyer [bisneto do famoso arquiteto brasileiro] e tiramos da gaveta um projeto arquitetônico para uma nova sede da nossa Fundação que será feita pelo Instituto. É uma obra brutal, em que também teremos salas polivalentes e outros espaços que podem ser usados pelos parceiros, por empresas brasileiras, por estudantes… Vai ser feita em Cascais, onde a prefeitura já nos cedeu um terreno. Vai unir ainda mais o Brasil e Portugal. A estimativa é de angariar cerca de 20 milhões de euros. Não temos prazo para concluir. Para o Brasil acredito ser uma honra ter uma obra desse porte em Portugal, assim como é um orgulho para nós. E também estamos estudando um grande prêmio de arquitetura com o nome de Oscar Niemeyer, possivelmente para o ano que vem.

E o que mais tem nos planos para 2024? Quais são as outras pontes a serem construídas?
Temos muitas convergências com o Brasil. O Brasil é um continente. Portugal, de ponta a ponta, são 600 quilômetros. É a distância entre São Paulo e Rio de Janeiro apenas. Temos um mundo a conhecer. Queremos avançar nessa vivência e na experiência com o Brasil. Podemos avançar em shows, música, arte… Vamos continuar ligados ao ensino também. Existe mais de 1 mil brasileiros nas universidades portuguesas.

O vinho é outra ponte que une os países, certo?
Apresentamos no jantar dos 200 anos da Independência, por exemplo, um novo vinho que vai entrar no mercado brasileiro. De gama alta. Vai estar à venda rapidamente no Brasil. Chama-se Quinta do Cardo. E temos o Winnery Club, de nível mundial, em que a pessoa faz seu próprio vinho, com seu blend preferido e outras coisas incluídas para os membros. O vinho é uma coisa que nos une. E há outros investimentos de portugueses no Brasil, como o Vila Galé, um conjunto de dez hotéis em território brasileiro.

O futebol no Brasil é apaixonante e os técnicos portugueses estão em alta por aqui. Como isso é visto pelos portugueses?
É importante lembrar que o Felipão, brasileiro, ganhou uma Eurocopa como técnico de Portugal. O Felipão nos devolveu o orgulho de sermos portugueses. Fez com que as pessoas colocassem as bandeiras de Portugal em suas janelas. E na nossa festividade deste ano um dos homenageados foi o Abel Ferreira [multicampeão pelo Palmeiras]. É uma personalidade. O futebol também une os dois países. É um orgulho para nós termos tantos treinadores portugueses a atuar no Brasil.

Na sua avaliação, o que tem acontecido em relação aos casos de preconceito com brasileiros em Portugal?
Faremos na Casa-Museu Eça de Queiroz, em Lisboa, um almoço com representantes do Ministério da Justiça do Brasil para falar dessas coisas que aparecem de forma ruim, como a xenofobia. São coisas loucas, que na verdade não existem. São casos pontuais. Hoje o celular é uma arma. Vamos falar abertamente. É preciso descomplicar. Temos de dar mais força às histórias positivas, que fazem a gente feliz. Portugal é pequeno, somos poucos. Nossa população tem diminuído. Precisamos de mais gente em Portugal. Os brasileiros são sempre muito bem-vindos. Tanto que a TAP e outras companhias aéreas têm aumentado os voos do Brasil para Portugal. Os embarques para Portugal têm batido recordes. Tem o turismo que é forte, mas tem outra questão também. Antigamente as pessoas iam para lá em busca de uma vida melhor. Hoje vão para investir. É isso que temos de destacar.