“Sustentabilidade não é só reputação, é oportunidade de negócio”
Para o executivo que comanda a operação brasileira do banco alemão presente no País desde 1911, há um imenso potencial de investimento em empresas ligadas à transição energética e à economia verde — nas quais o Brasil pode ser líder
Editora Três
Edição 09/06/2023 - nº 1328
Por Celso Masson
Embora esteja há apenas 14 meses no cargo mais alto do Deutsche Bank no Brasil, o alemão Stephan Wilken tem uma longa história com o banco — e com o País. Seu pai trabalhou por 46 anos na instituição, ocupando diversos cargos. Um deles o trouxe a São Paulo no início da década de 80. Enquanto a família Wilken morou por aqui, Stephan estudou no Porto Seguro, tradicional colégio da comunidade germânica na capital paulista. Isso explica sua total fluência na língua portuguesa. Antes de assumir a posição de chief country officer Brazil e head corporate banking Latam, ele já havia passado por outros países em que o banco está presente, incluindo um período de 15 anos na Inglaterra e outro de três na Índia. Em seu último posto, na Alemanha, atuava na área de gestão de riscos.
“Obviamente foi muito interessante poder voltar para o Brasil depois de quatro décadas. É a primeira vez que sou responsável por um banco inteiro, em todas as linhas de negócios”, afirmou à DINHEIRO na sede do Deutsche Bank, na Avenida Faria Lima, hoje o principal centro financeiro do País.
Para ele, o cargo trouxe também a chance de aprender algo novo.
“Cheguei no final da pandemia e ainda havia a mentalidade de crise. É muito interessante ver como em pouco tempo isso mudou.”
No ano passado, já em sua gestão, o banco entregou o melhor resultado do Brasil em sete anos. “Isso, apesar do cenário econômico desafiador. Tanto nós quanto nossos clientes acreditamos muito no Brasil.”
DINHEIRO — Qual a principal atividade do Deutsche Bank hoje no Brasil?
STEPHAN WILKIN — Eu sempre gosto de lembrar que o Deutsche Bank já está no Brasil desde 1911 e nunca saímos. Ao longo das décadas a nossa estratégia sofreu alterações. Hoje somos um banco de investimento e um banco comercial. Não estamos fazendo negócio de varejo aqui como temos na Alemanha, na Índia, na Itália e na Espanha, por exemplo. No Brasil o foco é ajudar nossos clientes multinacionais na sua expansão internacional. Isso também inclui clientes brasileiros que cada vez mais estão investindo na Europa e em outros lugares. A razão pela qual viemos para cá 112 anos atrás é a mesma que nos mantém até hoje, com 200 colaboradores, todos neste prédio.
Qual a estratégia daqui para frente?
Continuar a crescer de forma organizada, estruturada. Quando cheguei aqui, um pouco mais de um ano atrás, trouxe um aumento de capital para a nossa entidade local no Brasil de 100 milhões de euros para podermos expandir a carteira de crédito. Algumas semanas atrás, acabamos de receber mais uma aprovação para aumentar nosso capital em um volume equivalente.
O que motivou esse aumento significativo em apenas dois anos?
A razão é que a demanda dos nossos clientes está aumentando. Apesar dos desafios econômicos globais e na região, nossos clientes continuam a investir.
“O que está acontecendo na Europa é a mesma coisa a que assistimos aqui no Brasil, apenas com um pouco de atraso. As taxas de juros também irão subir por lá para conter a inflação”
Existem alguns setores que são mais estratégicos para o banco?
O tema da sustentabilidade é muito importante para nós. Temos muitos clientes cujo modelo de negócio é 100% sustentável. Empresas de energia limpa, parques eólicos, painéis solares… Mas também estamos atuando em setores mais tradicionais, que estão se transformando. Desde o automotivo até a indústria química, todos querem reduzir o consumo de energia, aumentar a atividade de reciclagem. O banco é a favor dessas iniciativas e vamos querer apoiá-las financeiramente. A gente fala com os nossos clientes sobre suas estratégias de sustentabilidade. Isso não é só reputação. É realmente uma oportunidade de negócio. Procuramos entender a maturidade do cliente em relação a esse tema para fornecer as soluções de que ele precisa em cada momento. O interessante é que não há nenhuma exceção. Ninguém que ainda não tenha nem começado a pensar em sustentabilidade.
Como o banco mede a inserção das empresas dentro da agenda ESG?
Um dos desafios desse assunto é que ainda não há padrões universais, então é uma discussão individual com cada cliente — o que por outro lado é ótimo para nós como banco. Isso permite intensificar o relacionamento com eles. Acabamos aprendendo muito sobre a estratégia, a cultura do cliente. Desde o começo do ano a gente já realizou transações de crédito ligadas a esse perfil que somam mais de R$ 1 bilhão.
Seus principais clientes são as empresas de origem alemã que atuam no Brasil, caso de montadoras como Volkswagen, BMW, Audi e também do setor químico, como Basf e Bayer?
A Volkswagen já está aqui há 70 anos, a Basf há 112 anos e também são nossos clientes. Mas, por outro lado, olhamos para setores novos com potencial de crescimento. Muitas empresas brasileiras buscam internacionalização e nós podemos ajudá-las por estarmos em mais de 70 países.
Estamos em um cenário de juros altos em todo o mundo, e especialmente no Brasil, com a taxa básica em 13,75%. Até que ponto isso impacta na contratação de crédito por parte das empresas?
O que estamos observando é que muitas companhias multinacionais estão diversificando as fontes de financiamento, além de buscar recursos junto à matriz. Por causa de eventos geopolíticos, especialmente a guerra na Ucrânia, houve a necessidade de reorganizar as cadeias de abastecimento e isso inclui também as fontes de financiamento. Além das taxas de juro mais altas, há também o risco da moeda, cujo valor pode oscilar de acordo com o desempenho da economia.
E quanto à recessão na Alemanha? Há algum impacto na atuação do banco?
Embora muita gente pense que o Deutsche Bank é uma espécie de Banco Central da Alemanha, somos uma instituição privada, que não recebe investimentos do governo. Aliás, não recebemos nem durante a pandemia, como ocorreu com outros bancos regionais. Em caso de uma recessão extrema, prolongada, podemos sofrer algum impacto. Mas na minha visão o que está acontecendo na Europa é a mesma coisa a que assistimos no Brasil, apenas com um pouco de atraso. As taxas de juros também irão subir por lá para conter a inflação, que não atingia esse tamanho em mais de 40 anos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Eles não estão acostumados com a inflação como estamos no Brasil. Porém, a Europa sempre foi muito boa em reagir a essas crises financeiras e encontrar um caminho.
Nos últimos meses houve uma intensificação das relações internacionais do Brasil com a Europa, e especialmente com a Alemanha. O que motivou essa reaproximação?
Isso faz todo sentido por causa da situação estratégica que o Brasil está no que diz repeito à economia verde. Os nossos clientes cada vez mais estão interessados em se transformar, com vistas à maior sustentabilidade. Isso é muito diferente do que um ano atrás, quando eu cheguei. Naquela época as discussões eram mais sobre como sair da pandemia. Hoje não há nenhuma reunião com o cliente que não aborde o assunto de sustentabilidade. A guerra na Ucrânia também provocou uma necessidade urgente na Alemanha de reduzir a dependência energética do gás da Rússia. O governo está procurando soluções de longo prazo e mais uma vez o Brasil tem uma oportunidade que é o hidrogênio verde. As partes que são necessárias para produzi-lo estão no Brasil mas a tecnologia muitas vezes vem da Europa, da Alemanha. Ainda está em desenvolvimento, por isso é preciso uma parceria de longo prazo. Ao mesmo tempo, a Europa caminha para a economia de redução de carbono, outro aspecto no qual o Brasil oferece muitas oportunidades. Nosso chanceler [Olaf Sholz] esteve aqui recentemente e as discussões sempre foram no sentido de formar parcerias de longo prazo, tanto para a transição da matriz energética quanto para o desenvolvimento de novas tecnologias.
Isso inclui soluções do mercado financeiro, em que o Brasil é bastante avançado?
O mercado financeiro no Brasil é bastante avançado e muito bem regulamentado. Os bancos oferecem alta qualidade nos serviços, que empregam muita tecnologia. Isso não se restringe às fintechs. O Brasil digitalizou a administração pública. Na Alemanha não é bem assim.
O crescimento do PIB brasileiro surpreendeu as expectativas do banco?
O que mudou desde o começo do ano é que a economia estava andando de lado, com previsões de 0,5% de crescimento. Agora a outra notícia positiva é que afinal a inflação parece que está começando a recuar. Deve ser menor na segunda metade deste ano e no próximo, e aí essa essas condições de crescimento são positivas, sim.
Isso é bom para quem comanda a operação de um banco estrangeiro no Brasil?
Eu voltei para o País no final da pandemia e quando cheguei ainda havia uma mentalidade de crise. A gente entregou no ano passado o melhor resultado do Deutsche Bank no Brasil em sete anos, apesar do cenário econômico desafiador. Também uma vez por ano a gente faz uma pesquisa com os colaboradores para saber se estão satisfeitos e, de um ano atrás para cá, todos os resultados melhoraram. Fiquei muito feliz. A gente nunca saiu do Brasil. Entendemos o mercado, a cultura e a mentalidade dos nossos clientes. E seguimos aprimorando nossa atuação.
De que forma?
Um exemplo é um programa em colaboração com três outros bancos multinacionais que ajuda mulheres a se aproximarem do setor financeiro. Faltam mulheres em posição de liderança em diversos setores, mas há poucas mulheres em qualquer função no setor financeiro. Das 60 que capacitamos no ano passado, seis foram contratadas. As inscrições para a próxima turma vão até o final deste mês e depois entram entrevistas e seleção. A preocupação com a diversidade dentro do banco é muito grande.